Uma Escola Feminista Internacional em construção

05/01/2021 |

Por Capire

A Escola Internacional Feminista é uma ferramenta que contribui com a aliança entre os movimentos e com a construção de sínteses transformadoras entre as mulheres

Foto/Photo: World March of Women/ Marcha Mundial de las Mujeres/ Marche mondiale des Femmes/ Marcha Mundial das Mulheres

A educação política que articula formação e ação fortalece o feminismo e os movimentos populares. Por isso, desde 2018, representantes do Grassroots Global Justice, Grassroots International, Indigenous Environmental Network e da Marcha Mundial das Mulheres realizam o processo de construção da Escola Internacional de Organização Feminista Berta Cáceres, um espaço de aprendizado e de construção de sínteses entre militantes de diferentes movimentos sociais de vários lugares do mundo.

“No processo da Escola, tem muita discussão sendo feita sobre a construção de um sujeito político, diverso, plural, que olhe pro conjunto das realidades. Também tem um olhar para a dimensão da memória, do que significa nossa história de resistência, de como a gente conecta a nossa forma de organizar resistências de hoje com a nossa trajetória de luta anticolonial e anticapitalista. Essa questão vai se articulando para chegar na nossa visão, hoje, de construção de movimento e de luta por transformação”, disse Nalu Faria, que é do Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres e é uma das organizadoras da Escola. 

Pedagogia feminista, debates coletivos
Sandra Morán, coordenadora da Escola, explica que “com o marco teórico da concepção e construção do sujeito político, definimos que a Escola não seria apenas um espaço para aprender sobre esses temas. É um espaço para aprender, compreender, mas também para impulsionar a economia feminista como a proposta política do movimento que estamos fortalecendo. Isso se tornou a nossa base”. Oito grupos de trabalho sobre os temas da Escola, nos quais participam mulheres das quatro organizações, discutem os conteúdos, compartilhando perspectivas e visões, e constroem estratégias metodológicas para fazer o debate coletivo.

A economia feminista é o eixo estruturador da Escola, pois organiza as estratégias de resistência e permite formular alternativas em diálogo com os demais temas:  Sistemas de opressão, Corpo e sexualidade, Meio ambiente e defesa da Mãe Terra, Estado e democracia, Construção de movimento, Teorias feministas, Economia feminista e Formação de facilitadoras. 

Os sistemas de opressão são tratados no processo de construção da Escola como o marco geral para a compreensão do que se passa na vida das pessoas. Ao discutir, por exemplo, corpo e sexualidade, natureza e democracia, as mulheres propõem uma compreensão dos sistemas de opressão a partir da realidade concreta das participantes. A economia feminista, as teorias feministas, a construção de movimento e a formação de facilitadoras são respostas a esse sistema.

Para Sandra, a intenção é que a Escola apoie a construção de “uma compreensão comum da realidade, com uma proposta política para desenvolver a economia feminista e com o resultado de construção do poder popular e de alianças que impulsionem essa proposta”. 

Atividades remotas

Até fevereiro de 2020 aconteceram reuniões de estudo e planejamento, discussões sobre os temas propostos e dois seminários internacionais. A Escola, no início, foi pensada para acontecer de tempos em tempos, em encontros presenciais. Mas em 2020, com a pandemia de covid-19, a coordenação e as participantes precisaram pensar em estratégias para realizar uma versão piloto, um primeiro momento de formação, de forma on-line.

Essa versão piloto foi realizada durante o encerramento da 5º Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, em outubro. Foram dois dias de atividades nos quais se discutiu sobre os sistemas de opressão e a construção de movimento no contexto atual, marcado por novos enfrentamentos e transformações sistêmicas. Neste encontro virtual participaram 75 companheiras, das quatro organizações e também de movimentos aliados como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Brasil e COPINH – Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras.

O desafio inicial foi garantir que a atividade acontecesse num horário possível para as mulheres de diferentes fusos; e, além disso, que todas tivessem acesso e orientações para usar as tecnologias necessárias para a realização da Escola. Para isso, foram organizadas duplas, de forma que as mulheres se apoiassem nos problemas de conexão e conseguissem soluções juntas para acompanhar a Escola. Os seminários internacionais, realizados antes da pandemia, também serviram de suporte para a definição da metodologia que seria utilizada nesse momento. 

Uma das maiores dificuldades, no entanto, era a realização do encontro entre mulheres que falam línguas diferentes. Uma equipe permanente de tradutoras foi formada para garantir a justiça linguística. Os grupos de trabalho, no entanto, foram realizados apenas entre companheiras de países que falam o mesmo idioma e apenas um grupo multilíngue foi criado. Esse vai ser uma das grandes preocupações para a construção dos próximos momentos, pois é importante que haja mais interação entre as diferentes realidades e idiomas. 

Apesar de todos os desafios enfrentados, Nalu conta que o momento de realização da Escola Piloto foi bem avaliado. “Tem esse sentimento de concretude. Acho que as pessoas gostaram dos temas escolhidos para essa escola piloto. E ajudou tanto a olhar para o momento atual, conectando com a discussão do sistema de opressão conectado, o que foi bem interessante. A contribuição desse debate foi vista como algo que as ajuda a pensar a realidade dos movimentos nas suas regiões”.

As relatorias gráficas dos momentos de debate e síntese dão conta da riqueza do debate, e da potência do feminismo popular construído a partir dessas organizações e movimentos sociais.

Para Sandra, o maior ganho da experiência da Escola Piloto foram os diversos aprendizados. “Creio que aprendi porque todas aprendemos. Aprendemos como organizar, aprendemos sobre as traduções, aprendemos sobre a necessidade de ter mais tempo, aprendemos de como nós temos que nos preparar. Para nós foi fantástico, porque nos sentimos juntas, mesmo estando em vários países diferentes”. Nesta versão piloto, as mulheres definiram o nome desse processo que segue: Escola Internacional de Organização Feminista Berta Cáceres, em homenagem à liderança ambientalista e feminista hondurenha assassinada em 2016.

Formação, articulação e diálogo

As preparações para 2021 já começaram e o plano é que as atividades aconteçam durante três meses, para que haja tempo para todas as discussões e atividades. “A gente está nesse momento de organizar a escola centralizada internacional e, ao mesmo tempo, conversar com as organizações sobre como a escola pode se desdobrar nos seus territórios, nas suas realidades locais”, explica Nalu.

“A organização de uma escola internacional sempre vai ser mais do que um curso: é também um processo de articulação e também um processo de diálogo. E, no nosso caso, a Escola está sendo organizada por quatro organizações, o que já é parte de uma aliança. Isso deixa ainda mais evidente que estamos buscando criar uma formação que seja um processo concreto de construção de movimento, de fortalecimento de alianças”, conclui. 

Na Escola Feminista, as participantes são também os sujeitos políticos sobre os quais se formula reflexão e debate. É uma ferramenta que contribui com a aliança entre os movimentos, com a construção de sínteses transformadoras entre as mulheres de diferentes realidades e com a propagação das ideias, práticas e organização dos feminismos populares ao redor do mundo. 

Texto originalmente escrito em português

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