As lutas e a participação política das mulheres no Nepal

10/10/2022 |

Por Sabitri Neupane

Sabitri Neupane da Associação de Mulheres Camponesas no Nepal reflete sobre o enfrentamento das mulheres contra o patriarcado no sul da Ásia

Olhando para o passado para entender a situação das mulheres ao longo do tempo, vemos que o padrão de organização da sociedade era diferente em termos de discriminação entre mulheres e homens. No tempo do Comunismo Primitivo, muitos grupos sociais se baseavam no matriarcado. Essas sociedades foram, com o tempo, se transformando em um modelo patriarcal de organização. Hoje, as mulheres se tornaram cada vez mais a base de um sistema explorador que as discrimina e violenta. Mesmo assim, as mulheres estão sempre na dianteira das lutas por justiça social. Muitos direitos foram alcançados graças às contribuições de nossas mulheres, lideranças e heroínas dos movimentos.

Este artigo apresenta algumas reflexões e dados sobre como enfrentar a violência patriarcal, o trabalho das mulheres no campo e na cidade, e a participação das mulheres na política, trazendo referências sobretudo sobre as experiências do Nepal e da Ásia.

Violência patriarcal na Ásia

Falando abertamente sobre violência e discriminação, as mulheres são forçadas a sofrê-las de forma desumana em todos os campos da vida – social, cultural, sexual, física, mental, política e economicamente – pelo simples fato de serem mulheres. As lutas contra violência, por direitos de propriedade e igualdade têm sido hoje as principais pautas das lutas das mulheres em todo o mundo.

No entanto, no caso específico do sul da Ásia, ao estudar as formas de violência contra as mulheres, outras questões aparecem, como feticídio [quando fetos de meninas são mortos no útero], violência física, o sistema de dote, morte por ateamento de fogo, acusações de bruxaria, apedrejamento, violência sexual, casamento na infância e poligamia. E mais: as mulheres sofrem ataques com ácido, estupro seguido de assassinato, estupros brutais, cargas pesadas de trabalho, abuso verbal, violência financeira, privação de alimentos, violência no campo político e outras discriminações. O tráfico de mulheres é outra forma hedionda de violência contra as mulheres nos países do sul da Ásia. As estatísticas mostram que mais de 8 mil mulheres e meninas do Nepal são traficadas todos os anos.

Entre todas as formas de discriminação, o sistema de dote é a principal causa de violência contra mulheres no Nepal, na Índia e no Paquistão. Esse sistema é cruel contra as mulheres, por questões tanto de gênero quanto de classe. Uma família rica consegue honrar o favor do noivo gastando muito dinheiro no casamento da filha e dando a ele um dote generoso. Isso dificulta o casamento para mulheres sem recursos. Mulheres pobres acabam mais suscetíveis a serem estupradas quando jovens, o que leva a outros problemas, como o processo desumano de assassinato após o estupro. Vítimas de estupro podem ser mortas e enforcadas e, além disso, o responsável pelo crime em geral faz parecer que foi suicídio.

Trabalho das mulheres

Embora a indústria tenha começado a se desenvolver, a economia desses países é dominada pela agricultura. Nessa região, muitas mulheres adotaram a profissão agrícola, e seu papel é muito importante, tanto para a agricultura de subsistência quanto para a comercial. Na Ásia, as mulheres têm participação em mais de 50% da produção de arroz. Entre a população feminina do Nepal, 70% delas estão envolvidas com a agricultura. Elas representam 84,3% da força de trabalho na agricultura, enquanto os homens representam apenas 15,7%. Além disso, as mulheres agricultoras adquiriram melhores competências nas artes da seleção e proteção das sementes, no cultivo, na colheita, no transplante de mudas e armazenamento de alimentos e sementes. Também adquiriram conhecimento para proteger o meio ambiente de forma adequada.

Embora as mulheres sejam a principal força de trabalho no campo, elas enfrentam discriminação ao atuarem na agricultura. De fato, a participação das mulheres no setor agrícola está aumentando por causa da migração de jovens das zonas rurais e da feminilização da agricultura. No entanto, a disponibilidade de materiais agrícolas adequados e capacitação para as mulheres é rara. Dados com base no censo de 1994 do país mostram que as mulheres têm jornadas de trabalho mais longas que os homens, estudam menos e são a principal força de trabalho em atividades braçais. E o desafio que enfrentam é por não terem direito de opinar nas questões da renda advinda da atividade agrícola, e o trabalho doméstico que realizam não é valorizado pelo que é.

Esses problemas precisam ser discutidos em políticas públicas, mas quase não existem programas de governo voltados para mulheres camponesas. As mulheres estão sendo gradativamente expulsas da agricultura por questões como falta de acesso à terra e outras. Elas estão mudando para as cidades, onde encontram menos trabalho braçal doméstico remunerado. É difícil para a mulher conseguir pagar as contas pela falta de trabalho produtivo e de especialização, além do trabalho de cuidados não remunerado que precisa realizar. Em nossa sociedade, o trabalho realizado pelas mulheres é considerado inútil.

Além disso, não há liberdade nas transações financeiras e de propriedades sem a permissão do marido. No Nepal, quando a terra está registrada no nome da mulher, ela recebe uma isenção fiscal de 25% do governo. Então cada vez mais os maridos adquirem terras no nome das esposas. Mesmo com esse pretexto, cerca de 19,71% das terras do país estão no nome de mulheres. Essa desigualdade de gênero prejudica imensamente a eficiência das mulheres. Elas ficam para trás no acesso ao mercado, inclusive à capacitação.

Políticas para mulheres na Ásia

Vem-se travando uma luta por igualdade entre mulheres e homens. Assim, diversas convenções estão sendo realizadas na arena internacional por direitos para as mulheres, igualdade entre os gêneros, direitos de propriedade para as mulheres, sufrágio político e garantia do direito à organização política. Os resultados dessas convenções estipulam que os Estados devem garantir acesso igual a oportunidades econômicas por meio de informação política, estruturas de orientação e direito de receber benefícios diretos de programas de seguridade social, capacitação funcional, treinamento formal e informal e emprego.

Em agosto de 2008, em Dhaka, Bangladesh, um programa de combate à violência contra as mulheres foi organizado pela Via Campesina. Foram incluídas mulheres representantes de nove países, incluindo Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Filipinas, Indonesia, Tailândia, Bangladesh, Índia e Nepal. Esse programa discutiu a violência contra as mulheres na região do sul da Ásia e criou um plano de ação para acabar com ela. As mulheres vêm se manifestando sobre a questão e estão trabalhando para acabar com a violência, a discriminação e a desigualdade em todo o mundo.

No Nepal, como resultado desse movimento permanente contra o feudalismo, a participação das mulheres na política aumentou. Durante a implementação da Constituição do Nepal, a Assembleia Nacional tinha 33% de participação de mulheres. Além disso, 34% de mulheres na Assembleia Provincial e 40% no nível local foram garantidos. O país tem uma mulher na presidência, uma mulher na presidência da Câmara de Representantes e uma mulher na presidência da suprema corte do país. As mulheres nepalesas exigem representatividade no nível de formulação de políticas de maneira inclusiva, refletindo a população.

Participação política

Olhando mais de perto a presença de mulheres nas estruturas de governo e nas organizações de representação popular, pode-se mencionar que as mulheres estão representadas apenas em alguns Estados. Atualmente, apenas 22 entre 200 países do mundo têm uma mulher como chefe de Estado ou de governo. Há 119 países que até hoje não tiveram nenhuma mulher nesses cargos. As mulheres estão em apenas 21% dos órgãos executivos do mundo, enquanto apenas 14 países têm mais de 50% de mulheres em ministérios.

Embora a participação das mulheres no Conselho de Ministros [órgão executivo do país] tenha crescido pouco, um estudo sobre a conjuntura nepalesa mostrou que as responsabilidades de minsitérios gerais como o de Mulheres, Crianças, Jovens e Pessoas com Deficiência, Social, Meio Ambiente e Recursos Naturais e Energia foram atribuídas a mulheres. Gabinetes como o de Finanças, do Interior e de Segurança Interna, de Relações Exteriores, Defesa e Indústria e Comércio raramente são liderados por mulheres. Isso passa a mensagem de que não se confia às mulheres o exercício de poder e gestão de recursos, ou de que as mulheres não estão preparadas.

A situação da representatividade no legislativo também não é animadora, mas pouco a pouco está aumentando. Em 1995, apenas 11% das mulheres no mundo estavam representadas em legislativos. Esse índice chegou a 25% em 2020. Intervenções com políticas como cotas e reserva de assentos estão sendo feitas para aumentar a representatividade das mulheres no legislativo.

No nível local, a representatividade das mulheres é tão ou mais importante do que no legislativo nacional. Segundo estudo conduzido em 133 países, a representatividade de mulheres em órgãos locais está em cerca de 37%. Esse índice passa de 40% em 18 países e de 50% em apenas dois países. Para melhorar esses números, alguns países fizeram arranjos especiais em comissões locais. Na Índia, por exemplo, 62% das pessoas envolvidas com comissões de abastecimento de água são mulheres. No Nepal, há dispositivos para que ao menos 33% dos assentos em comissões locais de defesa de consumidores sejam ocupados por mulheres. O número total de membros em organizações de cooperativas de pessoas físicas é de 7,3 milhões, sendo que as mulheres representam 54%. Mas a representatividade de mulheres nessas comissões, assembleias e órgãos civis diretamente é baixa. Por exemplo, entre 29.886 cooperativas existentes no Nepal, apenas cerca de 4 mil têm mulheres à frente de cargos de gestão.

Ainda há um longo caminho pela frente. Não devemos nos cansar de erradicar diferenças arraigadas em nossa sociedade – ainda temos um longo caminho até alcançar esse objetivo. A violência contra as mulheres também se baseia em rituais supersticiosos e artificiais, que devem ser erradicados a qualquer custo. As mulheres são deixadas para trás por serem privadas de oportunidades e condições dignas de vida, mas estão tentando avançar o quanto podem utilizando o que têm.

A violência contra as mulheres não afeta apenas a capacidade e a criatividade das mulheres. Também prejudica a família e toda a sociedade. Nossas demandas somente serão ouvidas se estudarmos e expandirmos o movimento em colaboração com diversas organizações que atuam no combate à violência contra as mulheres. É nítido, acima de tudo, que os problemas das mulheres são quase os mesmos em todo o mundo. Por isso, não é possível conduzir um movimento ou lutar individualmente. Nós, mulheres oprimidas, precisamos nos unir, nacional e internacionalmente. Devemos unir nossas experiências para lutar juntas contra todos os tipos de violência que nos afligem.

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Sabitri Neupane é integrante da Associação de Mulheres do Campo do Nepal.

Editado por Bianca Pessoa e Helena Zelic
Traduzido do inglês por Aline Scátola

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