Mulheres palestinas entre a pobreza e a luta

24/06/2021 |

Por Marcha Mundial das Mulheres do Médio Oriente e Norte da África.

A exploração do trabalho, a pobreza e o colonialismo são assuntos feministas.

Photo: AP, 2017.

O fenômeno da pobreza se associa historicamente com as diferenças de classe. Essas diferenças, por sua vez, são causadas por uma distribuição desigual dos recursos entre as pessoas nas sociedades. De um lado, há aquelas que detêm e colhem a mais-valia; de outro, as que trabalham, produzem e, ainda assim, não obtêm o suficiente para sobreviver e podem ser expulsas do sistema, sendo submetidas a um ciclo de fome, ignorância e doença. A riqueza está concentrada nas mãos de um número limitado de proprietários de monopólios globais. Com uma ganância cada vez maior, eles utilizam todos os métodos de controle possíveis sobre as capacidades do universo. Aquilo que lhes foge à força é repreendido com mais força. 

Nesse contexto, muitas são as formas de exploração, seja dentro das próprias sociedades ou na relação entre potências coloniais e outros povos. A Palestina continua enfrentando o projeto colonial sionista, que é, para nós, o principal componente do imperialismo global. Seremos enfraquecidas ou mesmo derrotadas caso separemos a luta das mulheres por liberdade plena e igualdade e a luta dos povos por autonomia e soberania ou a dos mais pobres por justiça social. Essa separação contribui para o controle dos governos sobre os povos, utilizando slogans democráticos falsos, meramente formais; subjugando, dividindo e distraindo as forças combatentes com detalhes, em detrimento de um programa estratégico de mudança revolucionária. 

É certo que a pobreza é uma questão de caráter social, econômico e político atrelada aos fatores já mencionados. Mas, além disso, é também o principal motor para as revoluções no decorrer da história. É, sem dúvidas, a primeira inimiga da igualdade e mais ainda da luta feminista global, que se constitui como uma alavanca de mudança para um mundo melhor.

O povo palestino vive em um estado de conflitos intensos e emaranhados. Em nível nacional, a Palestina está sob um grande dilema político resultante da aposta contínua e ilusória de que o processo político baseado nos princípios da Conferência de Madri e dos Acordos de Oslo podem nos levar a alcançar os objetivos nacionais, uma aposta que ainda domina as mentes das lideranças influentes. Isso tudo serve para encobrir políticas internacionais e árabes conduzidas em negociações oficiais recorrentes com a ocupação. 

Em decorrência disso, o potencial de enfrentamento se enfraquece, justo em um período em que a ocupação mantém a política colonial no terreno. Desde o cerco, o isolamento, o apartheid e o último plano de anexação (que visa demarcar o controle sobre 33% da Cisjordânia palestina), não há dúvidas sobre as consequências diretas das políticas de ocupação: mais pobreza e problemas sociais que atingem principalmente as mulheres, em especial quando combinados com o sistema da sociedade tradicional patriarcal da Palestina e as políticas neoliberais da Autoridade Palestina¹.

Mulheres palestinas enfrentando a pandemia

Recentemente, com a pandemia de covid-19, a vulnerabilidade das mulheres se aprofundou com o aumento da pobreza. As mulheres trabalhadoras foram as primeiras a sofrer com a falta de fontes de renda, já que são a maioria no setor de trabalho informal. As empresas do setor privado também desempenharam um papel importante no empobrecimento das mulheres, reduzindo empregos, dispensando serviços e violando direitos trabalhistas. Tudo isso em um período em que 11% das famílias palestinas são chefiadas por mulheres. O Estado não assumiu a responsabilidade de garantir uma vida decente para essas famílias na ausência de um sistema integrado de proteção social.

Um estado de emergência para prevenir e limitar a propagação do coronavírus foi imposto sem a criação de uma cláusula de emergência econômica que colocasse os setores ricos para contribuir e arcar com os gastos financeiros decorrentes da pandemia. Na ausência disso, as mulheres foram obrigadas a reduzir despesas familiares enquanto esperam assistência das autoridades oficiais e civis, que até agora não foiram suficientes e abrangentes.

As mulheres, em particular as rurais, têm trabalhado para melhorar a economia doméstica. Aproveitaram mais os recursos da terra, o que contribuiu para atender muitas das necessidades diárias das famílias e comprovou o alto potencial das mulheres para encarar as catástrofes.

Porém, isso não significa que as instituições oficiais podem permanecer isentas de suas responsabilidades, pelo contrário: elas estão relacionadas com questões cruciais do sistema jurídico, social e político que deve ser baseado em princípios de igualdade e justiça social. Não podemos perder de vista os fenômenos associados à pobreza, como a violência e o crime, onde as mulheres são as que mais sofrem. Estudos recentes apontam para um aumento da violência doméstica em todas as suas formas, ligado ao aumento das pressões econômicas e psicológicas à luz da pandemia.

Nossa organização tem enfrentado todas as formas de discriminação e perseguição na Palestina, com atividades e projetos de atuação em face das políticas de ocupação. São exemplares as  campanhas de solidariedade com homens e mulheres presos e a participação em atividades nacionais em defesa da terra.

Encarando o “acordo do século”² e o plano de anexação, estão em marcha também as atividades e campanhas por igualdade e por mais participação das mulheres de modo geral, aprofundando os direitos das mulheres e suas atuações, modificando a legislação e propondo novas leis pautadas no princípio de igualdade. O propósito da luta está entre a geração mais jovem que se uniu e inovou em muitas organizações. A Coordenação Nacional da Marcha Mundial das Mulheres, por exemplo, teve um importante papel na prestação de serviços sociais, psicológicos e jurídicos para famílias, crianças e mulheres.

Sim, a pobreza é um assunto feminista para as mulheres pobres, mas não é uma questão feminista para todas as outras mulheres da sociedade. Daí se recoloca uma pergunta: onde as mulheres podem se unir ou se separar?


¹  A Autoridade Nacional Palestina é o órgão provisório que governa parte da Faixa de Gaza e da Cisjordânia desde 1994. Foi criada em decorrência dos Acordos de Oslo de 1993 e é controlada pelo Fatah desde 2013. Com influência do Banco Mundial e de governos ocidentais, a gestão reproduz o neoliberalismo como modelo de desenvolvimento econômico nos territórios palestinos.

² O “acordo do século” foi uma proposta dos governos de Donald Trump (EUA) e Benjamin Netanyahu (Israel) que exigia o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e habilitava esse país a anexar territórios palestinos.


O artigo é de autoria da Marcha Mundial das Mulheres da região MENA (Oriente Médio e Norte da África) e foi publicado originalmente no Sairat Journal, o blog regional da MMM.

Tradução do árabe por Vitória Trombetta
Revisão por Helena Zelic e Aline Scátola

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