Resistir contra os megaprojetos da mineração é uma tarefa diária das comunidades camponesas e indígenas do Peru e de tantos outros territórios da América Latina.
Em janeiro deste ano, nós, militantes de organizações populares peruanas, realizamos uma paralisação para exigir a retirada do projeto de mineração AntaKori, na região de Sinchao, no distrito de Chugur-Cajamarca, onde a empresa Anta Norte tem realizado suas atividades com fundos da empresa canadense Regulus Resources. A paralisação teve início no dia 17 de janeiro e foi interrompida temporariamente no dia 25 de janeiro, após a visita de uma comissão do governo à região. Foi realizada uma assembleia popular com a presença das autoridades do governo nacional, regional e estadual e mais de três mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Como resultado da nossa pressão exigindo que as atividades da mineradora fossem paralisadas, a comissão indicou que irá realizar estudos de impacto técnicos e sociais. Nós ainda não vemos isso como uma vitória, porque sabemos que a empresa e os poderes envolvidos tentarão justificar as ações da mineradora. A comissão está formada por prefeitos, ronderos [defensores camponeses] e lideranças dos comitês de defesa dos povoados.
Nós questionamos a entrada das transnacionais nos nossos territórios sem a realização de uma consulta prévia e sem o direito de decisão das nossas comunidades. Desde 2010, a Regulus Resources insiste em entrar no território sem que a população seja consultada. Na calada da noite, durante a pandemia, a mineradora entrou no território em 2021. Como resultado da perfuração, estão acontecendo diversos danos ambientais graves.
A mineração destrói a natureza e os modos de vida
A água da região onde a empresa pretende instalar o projeto vem da bacia de Chancay Alto, passando pela cidade de Lambayeque até chegar à cidade de Chiclayo. Essa é a única bacia que ainda não foi contaminada. A cabeceira da bacia abastece todo o litoral, chegando até a região norte, em Lambayeque. A contaminação afetaria gravemente tanto a agricultura quanto a saúde de milhares de pessoas na região abarcada.
A contaminação por projetos extrativistas já causou a morte de pelo menos 17 mil peixes. Os pastos estão secando, o gado está perdendo a pelagem, também as ovelhas não têm mais leite e outros animais estão morrendo. Como disse uma companheira dirigente: “A gente vendia leite e agora as pessoas nem querem comprar porque dizem que está contaminado com metais pesados. Então o leite já não é uma fonte de renda pra nós, praticamente”. Foi detectada a presença de chumbo nas crianças e, segundo os relatórios do Ministério de Saúde de 2016, cerca de 372 crianças e adultos tinham metais pesados no organismo. A água está contaminando as pessoas e a natureza. Por esse motivo, as pessoas não aceitam mais a mineração.
A fiscalização da contaminação é frágil porque as instituições do Estado e todo o quadro normativo estão a favor das empresas. Desde o governo de Alberto Fujimori até as últimas presidências, a tendência é a flexibilização de todas as normas ambientais de fiscalização das empresas.
A organização da paralisação
O projeto de AntaKori já está na quarta etapa da exploração, que corresponde à etapa de planejamento sobre como ela ocorrerá. Nós, defensores e defensoras comunitários desse território e dos distritos próximos, votamos contra o projeto e não vamos arredar o pé da luta.
No dia 8 de janeiro, nós decidimos como seria a nossa paralisação. No dia 17, ocupamos a entrada do projeto de mineração. A paralisação foi organizada por mais de quarenta organizações, como as rondas camponesas[1], os comitês de defesa, as organizações locais e a sociedade civil organizada nos povoados e comunidades próximas.
Esta luta não está sendo organizada só agora. Não é como se de repente nossas comunidades tivessem decidido começar uma paralisação. É importante lembrar que, desde 2000, pelo menos, e muito antes, estamos articulando nossas lutas na defesa da água, da terra e do território. Um caso emblemático foi o da mineradora Manhattan, na cidade de Tambogrande. Graças à pressão popular, conseguimos tirar a mineradora do território e foi realizada a primeira consulta popular da América Latina, em 2002. Nossa articulação teve continuidade no caso do projeto Conga, quando o nosso comando unitário reuniu as comunidades que estavam na resistência contra o extrativismo e defendeu as mulheres e homens criminalizados por lutar e defender nossa água, nossos corpos, nossa terra e territórios.
Agora, enquanto acontecia a paralisação, aconteceram outras mobilizações na região, como em Lambayeque e Cajamarca. Em Lambayeque, a nossa mobilização denunciou a contaminação da água com arsênico, chumbo e outros metais pesados decorrentes do projeto minerador La Zanja. As atividades de mobilização contra a ação das mineradoras também estão acontecendo nacionalmente, como no Corredor da mineração do Sul.
Feminismo para defender a vida
Nós, mulheres, nos mobilizamos pela vida e também porque toda a nossa produção e nossos meios de vida são afetados pela mineração. A participação das mulheres nessa resistência é muito importante, mas não podemos ignorar que o machismo e o patriarcado existem. Os homens ainda são os que lideram os processos de luta, mas existe um grupo importante de mulheres – da Marcha Mundial das Mulheres, particularmente –, a partir do qual atuamos para gerar processos de despatriarcalização, inclusive dentro das paralisações.
Durante uma atividade da paralisação, uma companheira, segurando seu bebê, pediu a palavra e responderam que não tinha como deixá-la falar porque “não dava tempo”. Nós questionamos: “companheiro, como você vai impedi-la de falar? Pode subir, companheira!”. Para as mulheres que são mães, a mineração é algo inaceitável, porque afeta a saúde e até mesmo a alimentação das crianças. Temos que continuar insistindo na participação das mulheres nos processos de transformação.
Como feministas populares comunitárias, compreendemos que as violências que são exercidas sobre nossos territórios são as mesmas exercidas sobre os corpos das mulheres. As mineradoras transnacionais nos dividem e geram enfrentamentos entre companheiras e companheiros fazendo uso do patriarcado e do machismo. Nos diferentes espaços compartilhados com os nossos companheiros, praticamos a educação popular, o que também se dá por meio das nossas escolas populares. Nelas, debatemos os temas do feminismo, mas também a própria luta e a própria paralisação se tornam palco de debate e disputa.
É preciso mudar o modelo
Essa mobilização popular também acontece em um contexto de militarização e criminalização dos protestos. Mesmo sob o novo governo de Pedro Castillo, a Polícia Nacional continua sendo a escudeira das empresas transnacionais.
O presidente Pedro Castillo está mais alinhado com as lutas camponesas, indígenas e territoriais, mas as regras do jogo ainda não foram mudadas. A única mudança é a realização de mais mesas de diálogo, mas os acordos acabam não se sustentando porque os contratos com as empresas não são revisados. No meio disso, está a vida e, sem água, não há vida.
O Peru continua com um modelo econômico extrativista. Isso ainda não mudou porque, para mudar esse modelo, é preciso criar uma nova Constituição política. Nós seguimos vivendo, resistindo e lutando sob a Constituição herdada do ex-ditador Fujimori, que entregou todo o território nacional às empresas transnacionais e entregou a maioria das concessões às corporações da mineração.
“Vocês não se importam com a gente, pelo contrário, vocês se importam em gerar recursos e lucro”, foi o que as companheiras disseram às autoridades presentes na assembleia. “Vocês dizem que se não há mina, não há trabalho. E de que nos serve ganhar um saco de ouro se a gente sabe que esse dinheiro não será suficiente para as nossas vidas, nem mesmo para os nossos filhos?”
Estamos vivendo esse mesmo cenário durante 30 anos: a espoliação sistemática das terras das comunidades camponesas, tradicionais e indígenas em todo o país. Na maior mina do Peru, a mina de Las Bambas, no sul do país, também não houve consulta prévia. Todos os meses, a população se mobiliza e os acordos não são respeitados. As mineradoras não levam a sério os acordos, não os cumprem, e o governo segue relevando.
Não queremos extrativismo nos nossos territórios, queremos mudar as regras do jogo. Estamos promovendo processos de assembleia constituinte a partir das comunidades. Precisamos de um processo de assembleia constituinte popular, paritário, plurinacional e soberano, porque queremos garantir a participação e as vozes dos nossos povos indígenas, do povo negro e das mulheres. Queremos uma nova Constituição que defenda os direitos dos povos, das mulheres e da nossa diversidade e que garanta a liberdade de decidir se queremos ou não a mineração.
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Aurora Portal, Lourdes Contreras e Rosa Rivero fazem parte da Marcha Mundial das Mulheres na região Macronorte do Peru.
[1] As rondas camponesas [rondas campesinas, em espanhol] são organizações comunitárias criadas para defender os territórios na zona rural do país desde a década de 1970.