Margarida Maria Alves: uma camponesa que não fugia da luta

13/08/2022 |

Por Capire

Relembramos a vida e luta de Margarida Maria Alves, líder sindical camponesa brasileira assassinada em 12 de agosto de 1983

Contag

Na Paraíba, na cidade de Alagoa Grande, no Brasil, viveu e morreu a líder sindicalista Margarida Maria Alves. Margarida foi uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país e foi defensora dos direitos humanos e dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores rurais durante toda sua vida. Nos 12 anos em que esteve à frente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de sua cidade, entre 1971 e 1983, em plena ditadura militar, Margarida foi responsável por ações trabalhistas que incluíam o direito à carteira de trabalho e a documentos para agricultores, com 13º salário, jornadas de trabalho de 40 horas semanais e férias. As denúncias de Margarida contra os abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores das usinas açucareiras incomodaram muito os fazendeiros da região. As ameaças eram recorrentes, e resultaram em seu assassinato no dia 12 de agosto de 1983.

Arquivo Contag

Toda uma vida de lutas

Aos 22 anos de idade, Margarida e sua família foram expulsos da sua terra na zona rural de Alagoa Grande. Seu êxodo forçado para o benefício de grandes latifundiários despertou cedo em Margarida a atenção para as questões de terra e para a insegurança que viviam seus vizinhos e vizinhas agricultores. No sindicato, seu primeiro cargo foi na tesouraria. Em 1973, quando tinha 40 anos, Margarida foi eleita presidenta, um marco para a organização sindical de todo o país, predominantemente masculina. Ela foi reeleita sucessivamente para mandatos iniciados em 1976, 1979 e 1982. Um trecho de Margarida falando sobre a votação que a elegeu está disponível neste vídeo, legendado pelo Capire em português, inglês, francês e espanhol.

Além da mobilização pela profissionalização das trabalhadoras e trabalhadores rurais, Margarida também lutava para que pudessem cultivar suas próprias terras, em defesa da agricultura familiar e da reforma agrária. Lutava pelo fim do trabalho infantil no meio rural e para que todas as crianças e jovens tivessem acesso à educação.

Margarida acreditava que a educação era uma alavanca importante para a transformação social. Por isso, a partir do modelo de educação proposto por Paulo Freire, fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural para combater os altos níveis de analfabetismo rural e oferecer capacitação profissional para os moradores da região. Esse modelo de centro se espalhou por sindicatos de todo país, contribuindo para o desenvolvimento rural e urbano dos agricultores familiares até os dias de hoje. Na fachada da casa de Margarida, que foi transformada em museu em 2001, está escrita sua citação mais famosa:

Da luta não fujo. É melhor morrer na luta do que morrer de fome.

Casa-Museu de Margarida Maria Alves

Em Alagoa Grande, Margarida foi responsável por mover mais de 100 ações trabalhistas relacionadas a grandes proprietários de terras na Justiça do Trabalho. O principal alvo dessas denúncias era a Usina Tanques, a maior do estado da Paraíba no período. Atualmente, após décadas de luta, a usina foi declarada de interesse social para a reforma agrária e se tornou um assentamento, em uma vitória muito simbólica para as e os militantes da região.

Seu assassinato aconteceu na rua, na frente de sua própria casa, onde estavam seu filho e seu esposo. Foi um assassinato político, em retaliação à força de sua luta, como tantos outros assassinatos e desaparecimentos de militantes do campo e da cidade que aconteceram durante a ditadura militar, e que acontecem até hoje. Em outro trecho do vídeo publicado aqui, ela conta que continuaria na luta apesar das ameaças, que apenas se calaria quando morresse. O crime contra Margarida, denunciado também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nunca foi resolvido. Os assassinos de Margarida nunca foram condenados por sua morte.

Somos todas Margaridas

Para manter vivo o legado de Margarida, no dia 12 de agosto de cada ano os sindicatos dos trabalhadores rurais de várias cidades do Brasil relembram sua luta. Assim, transformaram esse dia de dor no Dia de Luta contra a Violência no Campo e por Reforma Agrária. 

Em 2022, o dia 12 de agosto também é a data do lançamento da 7º edição da Marcha das Margaridas, organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e por diversas outras organizações sindicais e movimentos de mulheres do país. A Marcha das Margaridas acontece desde o ano 2000, sempre na semana do assassinato de Margarida Maria Alves. A mobilização nasceu no mesmo ano que a Marcha Mundial das Mulheres e é uma agenda fundamental para a organização do feminismo popular no Brasil. Por isso, se tornou, nas últimas duas décadas, a maior mobilização de mulheres rurais e trabalhadoras da América Latina. Dezenas de milhares de mulheres do campo, das águas e das florestas tomam as ruas de Brasília a cada quatro anos, mostrando sua grande diversidade e suas lutas por políticas públicas, agroecologia, soberania alimentar, democracia e reforma agrária.

Marcha Mundial das Mulheres na Marcha das Margaridas, 2019.

Para Mazé Morais, Secretária de Mulheres da Contag e militante da Marcha Mundial das Mulheres, a Marcha das Margaridas tem um “carater muito forte de denúncia, de pressão, resistência, mas ao mesmo tempo de proposição. De dizer qual o modelo de sociedade que as Margaridas, as mulheres, defendem”. A Marcha das Margaridas tem força na agenda política dos movimentos porque é um espaço de reivindicação e de resistência, mas também de conquistas: “as conquistas que a gente tem tido não beneficiam somente as mulheres. A classe trabalhadora como um todo se beneficia das conquistas que temos tido ao longo dessas lutas, como a campanha de documentação para a trabalhadora rural, a assistência técnica para mulheres e a titulação conjunta. As mulheres que vão a Brasília sabem o significado da Marcha das Margaridas na vida delas e qual o impacto dessa marcha na vida da classe trabalhadora, sobretudo na vida das mulheres”. 

Redação por Bianca Pessoa
Edição por Helena Zelic

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