Dia após dia, o povo colombiano vive as consequências de um Estado construído com base no militarismo, na violência e no neoliberalismo. Um Estado que, para se manter, reprime manifestações, persegue movimentos sociais, criminaliza e assassina mulheres e lideranças políticas e comunitárias. Em defesa da vida, da liberdade e de uma nova política para a Colômbia, milhares de pessoas têm ido às ruas contra as desigualdades, a privatização, os cortes de direitos e o projeto político representado pelo atual governo de Iván Duque.
Em solidariedade a essas lutadoras e lutadores incansáveis, organizações reunidas na aliança Solidariedade, Resistência, Esperança fizeram um chamado aberto por cartas, poemas, contos e demais linguagens textuais que dialogassem com o povo colombiano. O resultado desse processo é o livro virtual Te escribo Colombia [Te escrevo Colômbia], publicado em espanhol neste 28 de março de 2022, com ilustrações de Evelaine Martinez, da Brigada de Artes Plásticas Cândido Portinari do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST). A coordenação dessa iniciativa esteve a cargo da Via Campesina, FIAN Internacional, Federação Internacional de Movimentos de Adultos Rurais Católicos (Fimarc) e WhyHunger.
A aliança decidiu incentivar a produção de textos literários porque “a literatura tem um papel relevante nas lutas populares como expressão de um lugar social, como espaço de deleite e de sonho, como arma e como prazer, como conexão entre o ser humano e a natureza, como ressignificação da condição humana, como a projeção de um futuro de liberdade e fartura”. Te escriboColombia é uma forma de internacionalizar a solidariedade, fortalecer a rebeldia e afirmar que, em todo o mundo, há pessoas atentas às violações sistemáticas de direitos humanos cometidas no país.
Compartilhamos abaixo uma tradução do texto “Carta às amigas conhecidas e às que ainda vou conhecer”, de Sofía Monsalve Suárez, colombiana residente na Alemanha. O texto original, assim como o livro completo, pode ser acessado aqui.
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Carta às amigas conhecidas e às que ainda vou conhecer
Escrevo esta carta para vocês hoje como uma espécie de náufraga que lança um pedido de ajuda em alto–mar. Eu gostaria de pedir a vocês que escrevam para a Colômbia. Em momentos de profunda tristeza e angústia, as palavras que nos escutam, os silêncios que nos resgatam, as histórias que nos ajudam a contemplar os pássaros e o vento nas ramagens, a sentir a chuva e o fogo que arde em outros corações, reacendem nossas forças para curar, para aguentar: existe algo para além do que nos coube viver, existe esperança.
Vivo a milhares de quilômetros de distância e mais de 20 anos de ausência da Colômbia, minha pátria. Não teve nenhuma semana deste ano sem notícias dos assassinatos de mulheres e homens líderes comunitários, camponeses, indígenas, negros, ambientalistas, sindicalistas, estudantes, jovens em Cauca, em Nariño, em Putumayo, em Antioquia, no Norte de Santander e outros departamentos.
Os massacres voltaram a ser cometidos. A guerra não acaba. Mas a morte não tem a última palavra. É por isso que eu gostaria de pedir a vocês que escrevam para a Colômbia. Para defender a vida. Para semear a paz. Contemos relatos que dão fôlego a seus povos, sobre os rios que se encontram com os nossos e vão formando imensos mares, nos contem o que floresce em suas imaginações ao escutar nomes, melodias, histórias que vêm dessa terra andina e amazônica, pacífica e caribenha.
Escrevam para a Colômbia. Para não deixá-la condenada à solidão e sem uma segunda chance na terra. Como uma forma de abraçar o profundo anseio universal pela paz daqueles que mais sofreram com os tormentos da guerra.
Sofía Monsalve Suárez
Badenweiler, Alemanha, setembro de 2020