Yara Osman é fotógrafa, pianista e formada em odontologia, além de fazer traduções em língua árabe para o Capire. Nascida na cidade de Latáquia, Síria, chegou ao Brasil como refugiada em 2016. Em São Paulo, cidade onde vive atualmente, ministrou palestras e debates sobre refúgio, feminismo, diversidade e sexualidade. Fez apresentações em projetos musicais como Tananir, Sarau Vozes Femininas, Gurbah e Um Sonho. Como fotógrafa, participou da exposição “Gurbah”, na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Curitiba, junto com os artistas Silvana Macedo e Adel Alloush.
Seu trabalho mais recente foi a exposição virtual “Longe de Casa”, na plataforma do Projeto Armazém. Para as curadoras Juliana Crispe e Silvana Macêdo, o trabalho fotográfico de Yara “acumula camadas de memórias, trânsitos e movimentos, recolhe esperança, mas também revela histórias de destruição, dificuldades e reconstrução pela perspectiva da resiliência”.
Publicamos aqui sua série fotográfica “O vão”, trabalho de sobreposições de imagens de arquivo de sua família e imagens atuais, feitas em 2021, quando Yara esteve na Síria. “Foi um retorno para ver minha raiz”, contou ela sobre essa viagem.
Saindo do nosso lugar, do nosso país, a gente acaba redescobrindo quem a gente é, se repensando, vendo tudo de outra forma. Voltar para lá foi uma conjugação de um monte de emoções e lembranças. Voltei para elaborar tudo: como foi minha história, como foi antes da guerra, quem foram meus avós – que morreram antes dessa guerra, mas viveram outras guerras durante a juventude deles. Pensando em como as guerras continuam, de onde vim e quem é minha família, fui juntando essas fotos antigas da minha mãe criança, dos meus avós antes de morrerem, com fotos atuais da guerra da Síria de hoje em dia.
Yara Osman
As fotografias do tempo atual foram feitas na cidade de Homs, que sofreu muitas destruições pela guerra civil síria iniciada em 2011. Ao mesmo tempo, Yara conta que, na mesma época, a cidade foi uma das primeiras a organizar manifestações durante o processo político de ficou conhecido como Primavera Árabe. Encarar a cidade dez anos depois e fotografá-la foi, para Yara, “um processo desafiador, porque é meio proibido fotografar essas coisas”.
Foi um ato revolucionário ir para lá e tentar juntar esse material fotográfico, tentar fotografar mesmo me arriscando. A destruição é bastante triste. Ao mesmo tempo, de um jeito muito difícil de explicar, há arte, há um encanto ao pensar em todas as pessoas que moravam naquelas casas. Você se sente muito pequena com toda essa destruição ao redor, e são sentimentos bastante complexos.
Yara Osman
Ao mesclar o tempo da juventude de seus avós e da infância de sua mãe com o tempo atual, Yara Osman inscreve o passado no presente, retomando e, mais ainda, reposicionando as memórias não oficiais, das vidas comuns e oprimidas pela guerra. Com esse trabalho, Yara formula um testemunho que expõe lacunas e marcas dolorosas, em vez de escondê-las. Com sensibilidade, “O vão” denuncia a permanência da destruição no cotidiano das famílias e dos povos.
Juntar aquela época que para mim é pré-guerra (e também é pós-guerra para a geração mais antiga) com a época de hoje significa, para mim, olhar a destruição que há na gente, a guerra dentro da gente, dentro de gerações, e que não sai do corpo, não sai da pele. A gente tenta superar. Esse foi um jeito de superar a depressão que tive quando voltei da Síria, depois de visitar minha família e ver que eles estão bastante destruídos por dentro, por causa da guerra que não acabou e que não temos nem esperança de acabar. Foi uma tentativa de superar me expressando de outras formas, olhando para isso de outra forma.
Yara Osman