Violência contra as mulheres: precisamos combatê-la a partir das bases e para as bases

03/12/2021 |

Por Capire

Leia a contribuição de Sophy Ngalapi no webinário “Lutas antissistêmicas para viver sem violência”

Grassroots women farming tomato, Tanzania.

Esse artigo é baseado na fala de Sophy Ngalapi durante o webinário Lutas antissistêmicas para viver sem violência, promovido por Capire no dia 18 de novembro de 2021. Ouça o áudio aqui:

A questão da violência de gênero é sentida de diferentes formas de acordo com a natureza da região, da comunidade. Segundo o Ministério do Interior da Tanzânia, foi registrado um total de 6168 casos de violência de gênero entre janeiro e setembro de 2021, incluindo mutilação genital feminina e assédio sexual. Além disso, segundo o departamento de estatística do governo de Zanzibar, foram registrados 717 casos de violência contra mulheres e crianças entre janeiro e agosto de 2021, sendo 360 denúncias de estupro.

Em África, a violência está afetando mulheres e crianças de todas as regiões do continente, e nossa maior dificuldade está no fato de que a maioria das comunidades considera essas práticas normais e culturais. Uma coisa que afeta mulheres e meninas de forma física e psicológica, tal como a violência de gênero, não pode ser normal. Comparando com dados de outras regiões do mundo, divulgados pela organização PlanInternational, o maior índice de casos de casamentos forçados e envolvendo crianças acontece em África Subsaariana, onde 38% das meninas são coagidas ao matrimônio. Esses números são mais baixos em outras partes do mundo, mas, de qualquer forma, o casamento forçado ou envolvendo crianças leva a gravidez precoce e indesejada.

Na maioria dos países africanos, o problema do abandono persegue a vida das mulheres. Na família, os homens estão acostumados a deixar as mulheres sozinhas, mesmo com filhos, e elas precisam cuidar das crianças sozinhas até que cresçam. Esse problema se acentuou durante a pandemia de covid-19. Mesmo sem as pessoas perceberem, uma crise imensa como essa cria violência de gênero. As mulheres, que já eram responsáveis por criar os filhos sozinhas, passaram a precisar cuidar também de outra pessoas que sofriam com doenças.

Outro problema que leva à violência contra as mulheres, sobretudo sexual, são as mudanças climáticas. Em lugares onde não há água por perto, as mulheres precisam acordar muito cedo para sair em busca de água. São lugares distantes. Em algumas regiões, as mulheres chegam a andar quilômetros para encontrar os recursos necessários. Essa distância representa mais um perigo para as mulheres, que correm o risco de serem estupradas ou de se machucarem. O que temos feito como organização feminista na Tanzânia é denunciar e expor práticas de violência de gênero de qualquer tipo. Mas é um problema que as mulheres estão enfrentando.

As pessoas estão se conscientizando, hoje há mais lugares e espaços para dialogar. Familiares, pais, mães, tutores e tutoras podem denunciar casos de violência à polícia e acompanhar o andamento da investigação até o final. Temos um novo governo local em Zanzibar que está de fato trabalhando pelo fim da violência de gênero. Estamos vivendo um processo de mudança em algumas leis. O governo criou uma vara especial na justiça para lidar apenas com casos de violência de gênero, que começou a atuar em fevereiro de 2021. Além disso, há assentos para mulheres na Câmara de Representantes e no Parlamento – ação afirmativa para garantir a proporção de 50% em todas as instâncias decisórias. Os crimes de violência de gênero estão sendo punidos com penas pesadas, o que pode proteger as mulheres e a comunidade de práticas violentas.

Precisamos de uma campanha especial a partir das bases e para as bases. Não é sempre que as pessoas têm acesso a rádio ou internet, então precisamos ir aos grupos marginalizados para possibilitar a conscientização nesses setores também. E precisamos fazer isso a partir das organizações, educar as pessoas e fazer a defesa da transformação. Nossa expectativa é de que se crie um bom ambiente para mulheres, crianças e pessoas idosas, para que elas possam exercer seus direitos como seres humanos nascidos livres. Para ter uma coordenação nacional forte, capaz de organizar nossas lutas, precisamos de uma construção conjunta e próxima com nossas companheiras dos países vizinhos, Quênia, Uganda e Moçambique.

Essa estratégia mútua de articular um trabalho conjunto nos ajuda a ter capacidade de enfrentar nossos problemas. As mulheres de setores populares precisam dessa articulação, precisam escutar coisas novas e aprender formas de lutar por seus direitos e por uma vida melhor. Em diversas partes de África, a Marcha Mundial das Mulheres está empenhada em aglutinar e fortalecer as mulheres de setores populares das comunidades. Devemos trabalhar com todas as mulheres, em todos os lugares, porque, aqui, as lutas estão conectadas. Não devemos discriminar com base em diferentes povos, religiões, regiões de origem e partidos políticos

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Sophy Ngalapiintegra o Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres na Tanzânia. Artigo baseado em sua fala durante o webinário Lutas antissistêmicas para viver sem violência, promovido por Capire em parceria com a Marcha Mundial das Mulheres, a Via Campesina e o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, no dia 18 de novembro de 2021.

Edição por Bianca Pessoa e Helena Zelic
Tradução do inglês por Aline Scátola

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