Boa noite, eu sou Khitam Al Saafin, da União de Comitês das Mulheres Palestinas (Union of Palestinian Women’s Committees – UPWC). Tive a honra de conhecer e me encontrar com muitas das irmãs da Marcha Mundial das Mulheres e estou feliz em rever algumas delas, porque isso renova a militância e a vida para mim.
Primeiramente, saúdo a todas as participantes neste evento que é um marco do anti-imperialismo. Nós, como movimento mundial de mulheres e como palestinas, certamente convergimos em nossos objetivos anti-imperialistas, porque consideramos que o imperialismo, o capitalismo, o colonialismo e a ocupação são as principais forças que perseguem os povos e criam crises sociais e econômicas na Terra – desde a criação da pobreza, da fome e da doença até as questões relacionadas ao meio ambiente, ao bem-estar, à vida social, à opressão, à violência e à militarização.
Nós ainda estamos vivendo sob o colonialismo e a ocupação sionista da Palestina. Nosso povo continua enfrentando esse ataque colonial nitidamente apoiado pelo imperialismo global liderado pelos Estados Unidos da América. Mais da metade do povo palestino ainda vive como refugiado, dentro ou fora de sua terra natal, como resultado do grande deslocamento forçado ocorrido em 1948. Estamos aprendendo que todos nós, palestinos, estamos submetidos ao controle, pela ocupação, de todos os aspectos de nossas vidas.
Ferramentas do imperialismo para controlar os povos
Nos últimos dois anos, houve uma escalada da proposta imperialista em relação à Palestina. Quando o “Acordo do Século” foi proposto, ignorou quaisquer direitos nacionais do povo palestino. Foi uma tentativa vinda do coração do imperialismo global e da ocupação israelense para eliminar a questão palestina como uma causa de libertação nacional, eliminar as demandas do povo palestino pelo retorno, pela autodeterminação e independência. É claro que a proposta veio por meio do anúncio desse acordo na Casa Branca.
Todos os filhos do nosso povo palestino, mulheres e homens, rejeitaram esse acordo e disseram que a nossa causa é a causa da nossa pátria. Existe uma resolução internacional sobre a questão palestina que prevê direitos internacionais e, portanto, a perseguimos. Nesse contexto, o confronto atual acontece com base no primeiro levantamento dos direitos nacionais palestinos e na rejeição de todas as formas de perseguição e violações contra as quais o povo palestino é exposto pelas forças de ocupação.
Em suma, quando falamos de sanções, falamos de ferramentas do imperialismo para controlar os povos. Somos solidárias com todos os povos que sofrem sanções como esse cerco que nos foi imposto. Nos orgulhamos da revolução cubana por enfrentar o bloqueio durante décadas. O povo cubano manteve-se firme em sua revolução. Somos solidárias com todos os povos, sejam da região árabe ou de outras regiões expostas a tal bloqueio, onde vemos exemplos catastróficos para as sociedades. A questão das sanções também é muito importante porque, ao impor sanções, o imperialismo global controla o sistema comercial, o sistema monetário e todos os sistemas na vida das pessoas. Consequentemente, essas regiões ficam bloqueadas de receber recursos financeiros e têm dificuldade em receber ajuda humanitária devido a esse cerco.
Cercos, deslocamentos, separações e prisões
Nós, na Palestina, sofremos muitas formas de cerco, dentre elas o Muro de Segregação, que isolou as áreas da Cisjordânia do resto da Palestina e de Jerusalém. Há outro cerco mais severo na Faixa de Gaza, e toda essa ocupação tem consequências desastrosas para a comunidade palestina. Todos os relatórios e gráficos apontam que, no ano de 2020, a Faixa de Gaza está inadequada para a vida humana, e é o que está acontecendo atualmente: as crises sociais, de saúde e econômicas na Faixa de Gaza estão se agravando. Chegamos a um ponto em que a sociedade palestina sofreu violações irreversíveis. Por outro lado, nosso povo palestino na Faixa de Gaza tem ferramentas de resistência e de otimismo, e segue resiliente apesar dos altos índices de pobreza, doença e analfabetismo.
O isolamento de Jerusalém das terras palestinas não é fácil. Famílias foram deslocadas. Famílias são separadas. Qualquer pessoa, mesmo que more em uma área a dois metros de distância de Jerusalém, não pode entrar na cidade para morar, visitar seus filhos ou ir a um hospital para receber tratamento. Além disso, a Cisjordânia é sitiada de diferentes maneiras por vários postos de controle militares, e as forças de ocupação podem fechar qualquer cidade palestina em poucos minutos. A tentativa é de controlar a economia e a sociedade. Para forçar as e os palestinos a se adequar a esse projeto, dominam nossos militantes e os mantêm detidos, organizam o cerco financeiro crescente e a inclusão de múltiplas leis contra o povo palestino, controlam até mesmo os detalhes da vida palestina. Há uma tentativa de acabar completamente com o mercado palestino para dar lugar ao mercado israelense. Impõem fronteiras e passagens para controlar o comércio exterior e até mesmo impostos aos palestinos sobre suas importações. Os impostos são recolhidos pelas autoridades de ocupação, que é quem controla sua transferência para o povo palestino, sob várias condições. Essa condição impede o povo palestino de alcançar tudo o que poderia.
Além disso, há prisões e assassinatos diários em vários lugares. São cinco mil prisioneiros homens e mais de 36 mulheres nas prisões das forças de ocupação, algumas delas precisando de tratamento médico. Tudo isso é parte da estrutura de atacar a legitimidade da causa e da luta popular palestina. E é evidente que os Estados Unidos e os governos ocidentais em geral adotam o discurso sionista contra o povo palestino.
Discriminação durante a pandemia do coronavírus
As formas de discriminação são brutais em todas as áreas de nossas vidas. Há discriminação até mesmo em função da pandemia do coronavírus. Deveria haver cooperação para enfrentá-la, mas a discriminação é latente — na cidade de Jerusalém houve discriminação até nos centros de exame e amostragem.
Nossa realidade é de violação aos procedimentos necessários para cuidar da vida na pandemia. Há controle israelense sobre a entrada de medicamentos, equipamentos médicos, amostras e tudo relacionado a isso. Consequentemente, o povo palestino ainda tem uma enorme carência em relação aos testes e às demais necessidades relacionadas à pandemia. Há declarações do governo palestino sobre como a ocupação levou à propagação mais rápida da doença. Houve, por exemplo, casos de trabalhadores israelenses com suspeita de infecção e, mesmo assim, foram levados ao posto de controle, sem tratamento e sem vacina.
Toda vida palestina está conectada
Todo esse fenômeno é fruto das políticas globais de ocupação, bloqueio e sanções. O povo palestino está sujeito a muitas dessas formas de controle. As sanções geram como crises econômicas e podem haver penalidades sociais, como a retirada das autorizações de residência do povo de Jerusalém, a retirada das autorizações de residência de homens que vão rezar, e proibições de viagens e visitas familiares. Toda vida palestina está conectada, e por isso essas punições são usadas contra os palestinos e as palestinas.
As mulheres estão sempre à frente e suportam o peso do nosso confronto, na liderança da família, nos casos de detenção familiar, no enfrentamento à pobreza e às doenças. Por outro lado, as mulheres palestinas desenvolveram formas de resistência e confronto baseadas no retorno à terra e na economia alternativa, familiar, cooperativa. Assim, tentamos enfrentar as formas de perseguição e opressão nas comunidades, com solidariedade e mais autossuficiência, fornecendo inclusive serviços de saúde, psicológicos, sociais e jurídicos.
Infelizmente, as políticas palestinas internas são políticas baseadas na incorporação do setor privado em detrimento do setor público. Isso também enfraquece setores progressistas e os coloca diante de muitos problemas no contexto da pandemia. Preparamos um estudo sobre os efeitos da pandemia para as mulheres palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Seus resultados indicam que o imperialismo, o capitalismo e a política neoliberal, quando combinados em múltiplas formas, articulam um esquema que leva a mais perseguição e mais problemas para os grupos pobres, marginalizados e para as mulheres.
A violência aumentou, a pobreza aumenta diariamente na sociedade palestina e o nosso primeiro objetivo é dispensar as mulheres de certos serviços durante a pandemia, especialmente porque a maioria delas não trabalha no setor privado. Como palestinas, afirmamos a necessidade de enfrentar a ocupação e organizar a solidariedade feminista e progressiva diante do imperialismo, capitalismo e racismo no mundo.
Mesmo as reivindicações do movimento feminista por uma legislação e políticas para mulheres estão recebendo severos ataques das forças tradicionais na sociedade palestina. Nós, mulheres palestinas, enfrentamos de tudo. Por isso, estamos mais fortes e estamos todas unidas contra o racismo e o colonialismo. Seguiremos até atingir nossos objetivos como mulheres: pela plena igualdade e justiça social, pelos direitos de nossos povos e pela soberania sobre nossas terras. Obrigada!
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Khitam Saafin é dirigente da União de Comitês de Mulheres Palestinas (UPWC) e integrante da Marcha Mundial das Mulheres. Em 2 de novembro, Khitam foi presa em detenção administrativa pelas forças da ocupação israelense. Esperava-se que a libertasse no início de março de 2021, mas prorrogaram sua detenção por mais quatro meses. #FreeKhitam.
Este texto é uma edição da intervenção de Khitam Saafin no webinário “Lutas feministas antiimperialistas contra a militarização, as guerras e sanções”, organizado pela Marcha Mundial das Mulheres no dia 7 de outubro de 2020.