Assassinatos políticos, feminicídios e espoliação: um panorama da situação na Colômbia

23/02/2021 |

Por Confluência de Mulheres para a Ação Pública

A Confluência de Mulheres compartilha um panorama dos desafios das lutas populares na Colômbia frente à política de Iván Duque

 Foram mantidas as ações da mobilização apesar das condições pouco favoráveis

Como se sabe, a Colômbia mantém um conflito político e armado interno há mais de 60 anos, gerando uma história de violência com cerca de 9 milhões de vítimas. Em 2016, houve um avanço no que se refere à ampliação da democracia com a assinatura do Acordo de Paz entre a ex-guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia — Exército do Povo (FARC–EP) e o governo nacional do então presidente da República, Juan Manuel Santos Calderón. Apesar de ser considerado um avanço pelo reconhecimento político das lutas dos movimentos sociais do país, hoje a Colômbia vive uma situação caracterizada pela intensificação dos conflitos territoriais e o descumprimento de grande parte do Acordo de Paz assinado em 2016.

Com a chegada da extrema direita à presidência da República em 2018, houve uma continuidade da política de descumprimento do acordo e a espoliação das comunidades com intensas e violentas ações em todo o país. O atual governo de Iván Duque, junto com seu partido no Congresso, tem se caracterizado pela manutenção da política de espoliação, negando o papel dos movimentos sociais e reduzindo os protestos a uma simples ferramenta da insurgência armada, evitando responder às demandas sociais dos movimentos populares. Desde a posse de Duque em agosto de 2018, até a presente data (fevereiro de 2021), 905 lideranças sociais foram assassinadas na Colômbia; em 2018, 298 assassinatos, em 2019, 279; em 2020, 310; e, em fevereiro de 2021, foram 18. Além disso, 566 pessoas foram assassinadas nos 177 massacres ocorridos em diferentes zonas do país até o primeiro dia de fevereiro de 2021, da mesma forma que foram assassinadas e assassinados 212 ex-combatentes das FARC.

O conflito armado passou por uma reorganização territorial desde a assinatura do Acordo de Paz, ganhando força nas regiões ocupadas anteriormente pelas FARC. Hoje, em um só município, podem existir até 12 grupos armados disputando as rotas e os mercados do narcotráfico. Um caso pontual é a situação colocada na Amazônia colombiana, em que existem conflitos entre cartéis como o Sinaloa, presente nesta zona, desencadeando uma onda de violência no território. Igualmente, há tensões territoriais em relação à ampliação da fronteira agrícola para extrativismo por parte de grandes empresas que chegam nestas regiões e alteram completamente a vida no território, produzindo deslocamentos forçados, o aumento da violência sexual contra mulheres e meninas (algo que também se intensifica com o conflito armado) e o aprofundamento da pobreza nos territórios em que a presença do Estado é muito fraca ou nula.

Por outro lado, nas grandes cidades do país está ocorrendo uma realidade que responde à dinâmica econômica do capital e ao projeto da burguesia nacional-internacional, com um modelo de cidade hiperurbanizada (Davis, 2014), com o surgimento repentino de bairros informais, a deterioração dos bens naturais, a privatização daquilo que é público, o aumento do emprego informal e a feminização da pobreza urbana (CEDINS, 2020). Tudo isso respaldado e financiado pelo atual governo. Além disso, os conflitos entre diferentes atores armados vinculados ao narcotráfico e grupos paramilitares estão presentes nas cidades, aprofundando os desaparecimentos, principalmente de mulheres jovens e meninas, o microtráfico que impera nos bairros e a situação de extrema pobreza.

A esse panorama, se somam as múltiplas desigualdades sociais que se aprofundaram (ou pelo menos se tornaram mais visíveis) devido à pandemia de covid-19 em todo o território nacional, junto com a pouca habilidade e compromisso do atual governo na gestão da pandemia. Enquanto milhares de colombianos e imigrantes venezuelanos vivem em péssimas condições perante a impossibilidade de contar um emprego digno, o governo de Duque injetou uma quantia de cerca de 9 bilhões de pesos (aproximadamente US$ 2,5 milhões) nas forças policiais, dedicando o orçamento ao aprofundamento de uma política criminal que ignora as pessoas pobres do país. Também é importante mencionar que, na Colômbia, 9,5 milhões de pessoas ganham menos de um salário mínimo, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE), mantendo uma informalidade de 50% e a maior taxa de desemprego da América do Sul, em que as mulheres são as mais afetadas antes e depois da pandemia (Revista Semana, 2021).

Sobre a situação das mulheres, é importante dizer que a emergência nacional por feminicídios é uma realidade que vem se apresentando desde 2020, com 568 casos de mulheres e meninas assassinadas no país, com uma média, em 2020, de 3 feminicídios a cada dois dias e cerca de 10 mil registros de casos de violência doméstica (Observatório de Feminicídios da Colômbia). Da mesma forma, os diversos casos de violência sexual contra meninas indígenas por parte dos membros do Exército Nacional da Colômbia gerou uma série de mobilização em diferentes cidades do país. Em 2021, houve 35 feminicídios registrados até agora. Também ocorreram oito massacres, com 29 vítimas, superando os números do ano anterior e neste período foram assassinadas 18 lideranças sociais e 6 assinantes do Acordo de Paz, de acordo com os dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e Paz (Instituto de Estudios para el Desarrollo y la Paz — INDEPAZ).

Em relação às respostas dos movimentos sociais, é preciso ressaltar que foram mantidas as ações da mobilização apesar das condições pouco favoráveis. Nos despedimos de um 2020 difícil, mas que aglutinou protestos importantes nas principais cidades do país, como é o caso da Minga indígena¹ no sudoeste da Colômbia, que não foi recebida pelo governo de Iván Duque em Bogotá, e das mobilizações de cidadãs e cidadãos que denunciaram a política de segurança do Estado e as violações consecutivas dos direitos humanos encabeçadas pelos membros da Polícia Nacional, com uma política de segurança que, em geral, é totalmente agressiva com a população, como foi evidenciado nas jornadas de 8 e 9 de setembro de 2020, em que a repressão deixou cerca de 13 mortos, mais de 400 feridos e um número indeterminado de desaparecidos.

É importante ressaltar também a força que vem ganhando o movimento de mulheres e feminista, que começou 2021 declarando luto nacional pelos feminicídios e evidenciando a responsabilidade do Estado e suas instituições que não oferecem garantias de vida para as mulheres e meninas. No que se refere à mobilização, espera-se que em um 2021 atravessado pela crise da pandemia, com um governo com pouca legitimidade popular e sendo ano eleitoral, as forças populares e movimentos sociais terão que se impor fortemente pelo país que querem e esperam construir nos próximos anos.

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¹A Minga é uma articulação permanente protagonizada por comunidades indígenas, camponesas e populares que, a cada dois ou três anos, realiza grandes jornadas de luta no território colombiano, incluindo paralisação das atividades agrícolas e bloqueio das principais vias do país, como forma de pressionar o governo por mudanças sociais.

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A Confluência de Mulheres para a Ação Pública (Confluencia de Mujeres para la Acción Pública) é uma articulação colombiana de organizações e mulheres que buscam transformar suas realidades e a de seus territórios a partir de uma expressão popular, camponesa, urbana e diversa do feminismo.

Traduzido do espanhol por Luiza Mançano

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