Leila Khaled: “Onde há repressão, há resistência”

27/10/2023 |

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Assista e leia a entrevista com a militante pela libertação palestina Leila Khaled

Luís Ernesto

Leila Khaled é integrante do Comitê Central da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) e palestina em situação de refúgio há 75 anos, hoje vivendo na Jordânia.

A entevista a seguir foi conduzida coletivamente pela equipe de comunicação da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, organizada pela Assembleia Internacional dos Povos e realizada em Joanesburgo, na África do Sul, em outubro de 2023. Durante a conferência, Leila Khaled falou sobre sua vida e as lutas pela defesa da Palestina e de seu povo, e denunciou o acaparamento de terras e a violência conduzida por Israel contra o povo palestino. Assista ou ouça a entrevista completa (em inglês) e leia abaixo.

No contexto mais amplo da resistência palestina contra a ocupação sionista, estamos vendo uma intensificação histórica da resistência? O que representa a unidade construída entre diferentes grupos que estiveram historicamente divididos ou que eram ideologicamente diversos?

Primeiramente, não estamos divididos desde a revolução e da intifada que aconteceu em 1987. Depois dos acordos de Oslo, assinados pela liderança da OLP [Organização para a Libertação da Palestina], que fez isso pelas nossas costas, tivemos que nos unir. E sempre conclamamos a unidade nacional, porque a unidade de um povo que está sob ocupação é uma arma. Estamos atuando todos juntos nos territórios.

Agora Israel quer dizer que está atacando o Hamas, mas as crianças não são o Hamas, as mulheres não são o Hamas. Estão atacando nosso povo e, desta vez, é um ataque genocida.

O ministro israelense Gideon Sa’ar afirmou em uma entrevista que “Gaza precisa sair menor desta guerra”. Isso é prova da real intenção da entidade sionista com o brutal ataque a Gaza?

Gaza agora está no mundo todo. A área de Gaza agora alcança todos os continentes, por causa das pessoas do mundo que apoiam a luta das e dos palestinos. Mesmo que continuem matando, matando e matando, ainda haverá vida em Gaza. Vocês agora são os olhos de Gaza, vocês são a mídia.

Não temos medo do que Netanyahu está dizendo — eles têm medo, porque é certo que as e os palestinos estão unidos pela esperança, para implementar seus sonhos através da luta.

Nós só temos uma escolha: lutar, libertar nossa terra e nos libertar dessa ocupação. Eles estão fazendo o que os nazistas fizeram, só que pior, porque as armas agora são novas. Eles estão provocando um holocausto. É um crime de guerra, é isso que estão fazendo.

A ONU está debatendo uma resolução sobre Gaza. Você tem esperança de que as ações da ONU farão diferença para as pessoas palestinas?

Em 1948, a Organização das Nações Unidas reconheceu Israel como Estado. E não nos reconheceu como povo que tem direito à autodeterminação nem direito a voltar a nossa terra, de onde fomos expulsas e expulsos à força por milícias sionistas em 1948. Desde então, lançaram muitas resoluções que não foram implementadas. Ontem [16 de outubro], o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas não aceitou a proposta russa que denunciava o ataque de Israel. Sabemos agora que o mundo está dividido de acordo com interesses, e o interesse dos Estados Unidos é de defender sua base, seu arsenal na Palestina, a que chamam de Israel.

Atualmente, no mundo, há ondas de pessoas indo às ruas em apoio ao direito palestino de ter seu próprio Estado e de viver nesse Estado com dignidade e justiça. Não dependemos das Nações Unidas — dependemos, antes de tudo, de nós mesmos. Isso nos dá força para enfrentar os sofrimentos. Estamos prontas e prontos para pagar por nossa terra, pagar com sangue, paga com nossa carne, pagar com nossas famílias, para libertar essa terra. A liberdade também precisa do sacrifício das pessoas.

Há uma tentativa de Israel e seus aliados de caracterizar a resistência palestina como terrorismo. Como você responde a essa caracterização?

Sabemos que eles falam de terrorismo, mas eles são os heróis do terrorismo. A força imperialista de todas as partes do mundo — no Iraque, na Síria, em diversos países. Agora estão se preparando para atacar a China. Tudo o que dizem sobre terrorismo acaba sendo sobre eles. As pessoas têm o direito de resistir a isso com todos os meios, incluindo com a luta armada. Isso está na Carta das Nações Unidas. Então eles estão violando os direitos de resistência das pessoas, porque é direito delas recuperar sua liberdade. E essa é — como sempre digo — uma lei fundamental: onde há repressão, há resistência. As pessoas não querem viver sob ocupação e repressão. A história nos ensinou que, quando um povo resiste, ele consegue manter sua dignidade e sua terra.

Que tipo de emoções são evocadas quando se vê uma nova geração de pessoas palestinas se colocando na linha de frente da luta, tanto dentro da Palestina histórica quanto na diáspora?

Nós temos uma história de resistência. Desde o início, declaramos que, para recuperar nossa terra e sermos livres, é necessária a atuação de geração em geração. O que aconteceu na Palestina? Fomos tirados de nossa própria terra e outros vieram de fora com armas, e realizaram massacres na Palestina. O movimento sionista preparou isso e o Ocidente o apoia até hoje. Esse é o arsenal deles, a base deles nos países árabes e no Oriente Médio.

Para justificar a atitude deles, querem afirmar que “mais uma vez estamos enfrentando os terroristas”. Isso é terrorismo. E também existe terrorismo de Estado, representado por Israel e por outros governos que estão contra nosso povo.

Imagine chamar a América Latina de quintal dos Estados Unidos. Eles insultam as pessoas, suas terras e até seus governos. Aqueles que são seus aliados são pressionados a dizer essas palavras. Isso significa que eles não se importam com o povo e com sua liberdade de viver em seu país e ter seus recursos, seja a água ou outros recursos naturais. Eles sempre querem roubar o petróleo dos países que têm esse recurso. Veja o que aconteceu na Venezuela. Os EUA não querem promover a democracia, eles estão espalhando medo e ódio com o lema de “democratizar o povo desse país”, como se o povo não tivesse mente para conseguir o que precisa, o que quer. E aí as pessoas não têm escolha, a não ser se revoltar.

O que aconteceu no Chile na época de [Augusto] Pinochet também foi genocídio. O que aconteceu na Argentina. O que aconteceu em Cuba, que está sob cerco há 60 anos. Mas Cuba continua resistindo diante deles, Cuba está construindo seu país. Cuba exportou médicos para o mundo todo na época do coronavírus. Isso significa que esse país e seu povo um dia se revoltaram, chegaram ao ponto de declarar o socialismo no país, e essa é uma expressão para quem está do lado de fora. Nós admiramos Cuba. Essa é uma lição que estamos aprendendo com o país.

Você fez uma coisa muito heroica quando jovem, em 1969, como parte da sua batalha contra essa ocupação e opressão. Estamos em 2023, e a ofensiva de Israel do apartheid está ainda pior hoje do que naquela época. Como você está se sentindo neste momento? O que a motiva a continuar lutando?

Comecei na luta quando tinha 15 anos de idade. Entrei para o movimento nacional árabe e não fui aceita como integrante na época. Disseram: “Você é muito jovem.” Respondi: “Certo, eu posso ajudar”. E tínhamos uma atuação, participamos de manifestações. Eu estava morando no Líbano. Entrei para a revolução pela Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), porque é a liderança do movimento nacional árabe.

Eu tive que aprender essa missão. A primeira missão foi sequestrar um avião — e eu nunca tinha ouvido falar disso. Na nossa terminologia, temos “luta”, temos “batalhas”, podemos ir para prisões. Recebi o treinamento e a FPLP, desde o início, tinha um lema: “Homens e mulheres estão na batalha pela libertação”. Então implementou-se dessa forma, para representar não só as palestinas, mas todas as mulheres, de qualquer nacionalidade, que vivenciam a opressão. No nosso pensamento e nas nossas ideias, a causa palestina não é apenas para as pessoas palestinas, mas faz parte de um movimento internacional por libertação.

Quando cheguei na cabine de pilotagem, tive que me apresentar, e adotei o nome da primeira mulher mártir depois de 1967, Shadia Abu Ghazale. E falei para o capitão: “Somos da unidade Che Guevara”, para mostrar nossa conexão com o movimento de libertação. Essa foi uma tática que utilizamos. Nossa intenção era apenas que o mundo nos ouvisse, porque não estavam nos ouvindo quando estávamos nos acampamentos, onde éramos bombardeados enquanto dormíamos. Não se ouviam os sofrimentos das mulheres e homens prisioneiros nas cadeias, nem as torturas.

Nós pensamos que, se fizéssemos aquilo, as pessoas ouviriam. Elas perguntariam “por quê? Quem são essas pessoas?” E nós queríamos que isso fosse feito de forma fantástica, sem ferir ninguém. E foi o que fizemos: uma operação limpa. Nós queríamos a libertação de nossos prisioneiros. Sabíamos muito bem que os passageiros não tinham nada a ver com o conflito. Mas recebemos uma preparação e muita instrução de nossas lideranças para não machucar ninguém.

Sobre ser mulher e a imagem das mulheres árabes em geral — de que todas usam hijab, de que seu papel na vida é só casar, ter filhos e ser controladas pelo marido ou pelo pai —, precisamos mudar isso por meio da luta nacional.

Que mensagem você têm a passar para a comunidade internacional durante esse momento crítico para a libertação da palestina?

Primeiro, conclamo a mídia. Vocês. Vocês também são o povo que luta. Mas todas as pessoas nessa posição e suas câmeras vão transmitir os fatos sobre a luta em si. Vocês são embaixadoras e embaixadores para nós, porque estão conosco. A mídia desempenha dois papéis: um para os opressores — e eles têm força suficiente para passar a mensagem deles; e vocês, que também podem ter força suficiente para passar uma mensagem para o mundo.

Nós dependemos do povo em luta. Não dependemos de governos, mesmo que declarem nos apoiar. Dependemos das forças progressistas das comunidades em que vocês vivem, e também de se disseminar fatos sobre a luta, e sobre como isso se relaciona com o capitalismo e o imperialismo. O movimento sionista faz parte dos imperialistas. Eles são os inimigos dos seres humanos em todas as partes.

Também conclamo as pessoas do mundo a expulsarem as embaixadas e os embaixadores israelenses, e também para fechar suas embaixadas em seus países. Porque se eles ainda estiverem na sua terra, significa que vocês os reconhecem como embaixadores, enquanto o país e o governo deles mata nosso povo. Se vocês estão com a luta palestina, é preciso agir.

Entrevista conduzida coletivamente por Iolanda Depizzol, Pedro Stropasolas, Phakamile Hlubi-Majola e Zoe Alexandra
Transcrição e edição de texto por Bianca Pessoa
Imagens por Craig Birchfield e Raúl Laffitte
Edição de vídeo por Craig Birchfield
Tradução do inglês por Aline Scátola
Idioma original: inglês

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