Tecendo propostas emancipatórias: mulheres das Américas em formação feminista

08/06/2024 |

Capire

Organizações se encontraram na Guatemala para preparar nova edição da Escola de Facilitadoras que acontecerá em agosto de 2024

Vanessa Ordoñez

As transformações sociais sistêmicas exigidas pelos movimentos populares acumulam inúmeras experiências históricas e práticas emancipatórias que se entrecruzam. Articulação política e educação popular são estratégias fundantes para fortalecer e ampliar a organização feminista. Por isso, devem caminhar juntas. Em aliança e com processos de formação, as organizações feministas e populares aprofundam suas perspectivas e radicalizam sua agenda e suas ações, formulando novos horizontes.

Entre 5 e 7 de maio de 2024, mulheres militantes de diversos movimentos que participam e constroem o processo da Escola Internacional de Organização Feminista ‘Berta Cáceres’ (IFOS, sigla em inglês) se reuniram em Antigua, na Guatemala, para mais uma etapa de articulação e reflexão. “A escola é uma resposta a essa necessidade estratégica de formação política para fortalecer movimentos e construir um sujeito político plural e feminista“, afirma a coordenadora Sandra Morán, da Guatemala.

O encontro foi frutífero na reflexão sobre práticas políticas e estratégias compartilhadas. As metodologias da educação popular facilitaram a identificação de especificidades e perspectivas diversas entre as organizações envolvidas, visando construir sínteses e caminhos comuns. “Estamos tecendo nossas articulações, nossas experiências e também nossos fracassos para aprender e seguir testando alternativas que venham das bases e que busquem resolver contradições que temos em movimento”, define Cindy Wiesner, diretora da Grassroots Global Justice Alliance (GGJ), dos Estados Unidos.

“Esse espaço construído a partir da ternura, do amor e da cumplicidade nos enriquece e nos ajuda a descansar da exigência com a qual nos tratamos. Nalu sempre nos dizia isso”, relembra Sandra ao falar sobre a importância dos laços de confiança construídos nos espaços de formação e sobre as contribuições de Nalu Faria, que acompanhou toda a construção da IFOS desde o início deste processo, em 2018.

Um processo de formação em permanente construção

‘Tecendo nossas propostas emancipatórias’ foi o título do encontro na Guatemala, que teve como objetivo compartilhar metodologias e agendas do feminismo popular em preparação às próximas atividades da Escola. “Tivemos conversas muito honestas sobre nossos próprios desafios dentro das organizações e movimentos”, avalia Cindy. As participantes também compartilharam análises e buscaram encontrar respostas comuns para a conjuntura regional e internacional de guerras, genocídios, criminalizações, empobrecimento e do conjunto de ataques do capital contra a vida.

Os feminismos populares estão em uma mesma sintonia, cada um com suas especificidades.

Cony Oviedo

Em agosto de 2024, a IFOS realizará em Honduras mais uma edição de sua Escola de Facilitadoras, etapa fundamental para a multiplicação dos saberes e das práticas de aprendizagem em cada país e território. Em maio de 2025, uma nova edição internacional da Escola acontecerá no Quênia. Depois da concentração de atividades no modo virtual, o retorno às atividades internacionais presenciais permite o intercâmbio entre movimentos sociais e entre gerações de militantes, avalia a cubana Gina Alfonso, do Grupo de Pesquisa América Latina: Filosofia Social e Axiologia (Galfisa).

Vanessa Ordoñez

Já nos sentimos parte de uma comunidade que começa a ser tecida conjuntamente.

Sandra Morán

Desde a edição da IFOS de 2023 realizada em Honduras, o processo tem envolvido organizações que fazem parte da Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, uma articulação latino-americana e caribenha que aglutina movimentos sindicais, feministas, camponeses, ambientalistas, entre outros. “A IFOS é um instrumento que construímos em aliança, que reflete o pensamento político acumulado das organizações e que vai se enriquecendo. É, de fato, um espaço vivo”, define Sandra. O desafio que se coloca na Escola é semelhante ao identificado na Jornada Continental, segundo Nadia dos Santos, da Confederação Sindical das Américas (CSA): que os debates não fiquem restritos ao âmbito regional e se conectem com a realidade de cada uma das organizações nacionais e locais vinculadas à articulação.

Economia feminista como estratégia

A Escola também tem sido um espaço rico nas elaborações sobre economia feminista – que, como afirma Cindy, “tem que ser popular, tem que ser plural, emancipatória e diversa, com uma proposta de vida muito clara contra todos os nossos inimigos que sustentam os sistemas de opressão”. Na Escola, o feminismo popular não é tratado como um eixo apenas, tampouco como um assunto restrito às mulheres e pessoas dissidentes de gênero.

A economia feminista é uma alternativa a esse sistema racista, homofóbico, patriarcal e colonial. Estamos propondo e coletivizando essa proposta há décadas em nossas lutas e em nosso trabalho de criação de alternativas.

Cindy Wiesner

Endividamentos e dinâmicas de empobrecimento são eixos fundamentais da imbricação entre capitalismo, racismo e patriarcado. Enfrentar os agentes do capital e suas práticas da exploração é necessário para alterar a correlação de forças do conflito capital-vida. Para isso, é preciso analisar o capitalismo a partir de uma visão feminista, diz Gina.

A soberania alimentar também é um horizonte articulado à proposta da economia feminista. “O projeto da soberania alimentar não apenas pode salvar a agricultura, como também pode salvar a humanidade”, afirma Wendy Cruz, da organização hondurenha 25 de Novembro, vinculada à Via Campesina e à Marcha Mundial das Mulheres. Durante a Escola, as participantes criaram um verdadeiro mosaico de lutas interconectadas, somando as resistências e alternativas propostas por suas organizações. María de los Ángeles, do Movimento de Afetadas e Afetados por Barragens (MAR, sigla em espanhol), por exemplo, falou sobre as conexões entre feminismo e energia. Quais propostas de economia feminista queremos e como isso se combina a um modelo de energia comunitário, voltado para o bem viver? Seu questionamento se encontrou com os trazidos por Mercedes Gould, de Amigos da Terra América Latina e Caribe (Atalc), que compartilhou a proposta da transição justa e feminista.

Nada está escrito em pedra. Nos processos de diálogos, encontros e formação, vamos construindo esse outro mundo possível com o qual sonhamos.

Cony Oviedo

Vanessa Ordoñez

“Quando falamos da vida, não falamos somente das mulheres ou das pessoas. Falamos sobre todas as vidas que existem nesse planeta e sobre como as colocamos no centro. Pensamos no cuidado com a natureza, em relações mais solidárias e justas onde o trabalho reprodutivo seja reconhecido e reorganizado”, propõe Cony Oviedo, do Paraguai, integrante do Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres. As dicotomias patriarcais, como a que hierarquiza a vida humana e a não humana, são parte do problema, e devem ser encaradas a partir de uma proposta política que afirma a interdependência dos seres humanos e nossa ecodependência em relação à natureza.

Nesse mesmo sentido, a separação patriarcal entre corpo e mente é constantemente subvertida nos processos de formação feminista, tanto nas discussões e na abordagem sobre corpo e sexualidade das mulheres, como nas metodologias criativas e corporais de aprendizado e debate. Como uma atividade baseada na educação popular, também houve bonitos momentos de mística, que fazem as participantes conhecerem mais sobre outras culturas e territórios, relembra Andrea Ross Beraldi, da Alba Movimentos.

Os encontros em Honduras e na Guatemala nos dão tarefas por cumprir, porque há discussões muito profundas que precisamos transladar para nossas organizações e construir a partir das bases. Isso retroalimenta nossos processos nacionais e regionais.

Wendy Cruz

Vanessa Ordoñez

Redação por Helena Zelic a partir de entrevistas conduzidas por Renata Reis, Valentina Machado e Vanessa Ordoñez
Edição por Tica Moreno

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