Mulheres haitianas em vigília após desastres naturais

27/11/2025 |

Sthephanie Simeón

Sthephanie Simeón compartilha como as mulheres se organizam históricamente na reconstrução após catastrofes

@sofa.ayiti

Conhecer experiências de reconstrução feminista e popular em diversos territórios nos permite elaborar pontos de partida e jeitos coletivos para reorganizar a vida diante dos eventos climáticos extremos. Para a Marcha Mundial das Mulheres, os eventos climáticos extremos não são desconectados das causas das mudanças climáticas. Eles são parte do atual modelo de reprodução, produção e consumo no sistema múltiplo de opressões e aprofundam o conflito entre o capital e a vida. A partir da organização coletiva das mulheres, estabelecemos práticas e iniciativas que colocam a solidariedade no centro para garantir a sustentabilidade da vida em condições adversas. No webinário “Experiências de reconstrução feminista após desastres ambientais”, compartilhamos experiências de reconstrução no Brasil, Haiti, Cuba e Turquia. Em todos esses territórios, combinamos as práticas de reconstrução e a solidariedade feminista com uma agenda política que enfrenta as dinâmicas de expansão do capital. Esse webinário, realizado em 29 de setembro, foi organizado pelo Capire em parceria com as organizações brasileiras que integram a Marcha Mundial das Mulheres, SOF Sempreviva Organização Feminista e o CF8 Centro Feminista 8 de Março. Abaixo, leia a contribuição de Sthephanie Simeón, da Solidariedade Fanm Ayisyèn (SOFA) do Haiti.

Sou membro da Solidariedade Fanm Ayisyèn (SOFA), que celebrará 40 anos de existência no Haiti em fevereiro de 2026. A SOFA coordena a Marcha Mundial das Mulheres no Haiti. Para a SOFA, trata-se de uma oportunidade de compartilhar as experiências das mulheres haitianas com as mulheres do mundo todo.

Pode-se dizer que o Haiti sempre viveu sob a ameaça de desastres naturais, sejam eles terremotos, furacões ou tempestades. E isso não só constrói sua história, como também influencia a vida social, cultural e política do país. Se traçarmos uma linha do tempo dos desastres naturais no Haiti, podemos voltar aos anos 1960 e chegar até o período 2021-2022: fomos atingidos por vários furacões, incluindo a tempestade Flora em 1963 e o furacão Georges em 1998. São desastres marcados por pesadas perdas humanas e por danos significativos à infraestrutura do país.

Esses desastres marcaram profundamente a memória das comunidades e também deram origem a histórias de sobrevivência. Nossos avós nos contam como esses eventos foram vividos, como algumas pessoas conseguiram sobreviver a eles e como se organizaram em torno de práticas de solidariedade e resiliência.

A partir da década de 1990 e até a primeira década dos anos 2000, a frequência dos desastres naturais no Haiti aumentou e eles se tornaram cada vez mais intensos e próximos ao longo do tempo: enfrentamos chuvas torrenciais e inundações em 2004, especialmente durante a passagem do furacão Jeanne, da tempestade Fay e do furacão Gustav em 2008; e fomos atingidos pelo grande terremoto de 2010, que causou quase 300 mil mortes, de acordo com os dados divulgados.

Entendemos que a degradação ambiental, em especial o desmatamento intenso ligado às condições precárias e às vulnerabilidades do país, tem contribuído para a intensificação dos desastres naturais a partir dos anos 2000.

O terremoto de 12 de janeiro de 2010 foi verdadeiramente devastador e tirou a vida de três figuras emblemáticas do movimento feminista haitiano: perdemos Margalie Massenet, fundadora da organização Testemunho e Formação (Témoins-Formes), estrutura dedicada à defesa dos direitos das mulheres; perdemos Anne-Marie Coriolan, militante muito comprometida com a luta pelos direitos das mulheres, que desapareceu durante o terremoto; e também perdemos Myriam Merlet, que desempenhou um papel fundamental no reconhecimento do estupro como crime no Haiti.

O terremoto não só nos tirou muitos irmãos e irmãs, como também afetou profundamente o movimento feminista com a perda dessas três mulheres.

Para a SOFA — e para todas as organizações feministas —, no rescaldo do terremoto, foi muito importante organizar uma cerimônia simbólica em homenagem a essas três ativistas.

Seus corpos nunca foram encontrados, mas nos dias seguintes ao terremoto, organizamos uma cerimônia simbólica para homenagear sua memória e, sobretudo, afirmar a continuidade de sua luta pelos direitos das mulheres, apesar da tragédia.

Em 8 de março de 2011, as organizações feministas filiadas à SOFA marcharam em memória das mulheres que morreram durante o terremoto e, mais particularmente, em homenagem a essas três figuras emblemáticas. Milhares de pessoas participaram dessa marcha e prestaram homenagens às vítimas do terremoto.

Quando desastres naturais atingem o país, são os próprios haitianos que se organizam para ajudar os/as sobreviventes, por meio da criação de uma rede de solidariedade para ajudar os sobreviventes. Por exemplo, são eles que montam brigadas de proteção.

Mas podemos notar uma onda particularmente evidente de solidariedade por parte das mulheres, que não só participam ajudando seus irmãos e irmãs, mas também garantindo a continuidade dos cuidados, distribuindo medicamentos aos feridos e acompanhando sobreviventes desses fenômenos.

Desde a passagem do ciclone Gordon na década de 1990 até os desastres mais recentes, a SOFA desenvolveu uma abordagem multinível, que realmente leva em conta os três momentos-chave que devem ser enfrentados durante desastres naturais.

Essa abordagem inclui o gerenciamento de emergências. Em 2010, depois em 2016 com a passagem do furacão Matthew, a SOFA respondeu rápida e espontaneamente às necessidades vitais das populações afetadas.

Montamos toda uma rede com outras organizações de mulheres para distribuir alimentos, coletar roupas, redistribuí-las e preparar kits de higiene direcionados às mulheres.

Também compartilhamos nossos conhecimentos com as mulheres para ajudá-las a superar os desafios.

Para nós, trata-se de uma fase realmente importante, porque ela é a salvaguarda imediata da vida e do apoio às pessoas vulneráveis, em particular mulheres e crianças, que muitas vezes são as mais afetadas.

Trata-se da primeira fase da nossa resposta diária aos desastres naturais, mas também estamos atuando no nível da recuperação, porque depois da emergência, focamos no apoio psicossocial, no combate à violência e no fortalecimento das capacidades locais, principalmente das mulheres.

A SOFA montou várias células de apoio psicossocial no sul, no Grand’Anse e nas regiões mais remotas, onde a ausência do Estado é particularmente gritante.

Também montamos grupos de apoio para ajudar sobreviventes — especialmente mulheres — a lidar com os traumas e as sequelas dos desastres naturais. Isso possibilitou restaurar a coesão social, e também observar como o acompanhamento dessas pessoas em seus traumas as tornou mais aptas a enfrentar e gerenciar as sequelas dos desastres naturais.

A SOFA também contribuiu para transformar as relações de poder dentro das comunidades.

Essa fase mostrou que a intervenção social não se limita à assistência material, mas inclui também a reconstrução do tecido social e emocional.

Também atuamos no nível da reconstrução comunitária, por meio de apoio social e econômico após desastres.

Entendemos que a recuperação da comunidade pode ser alcançada a partir de projetos econômicos e do fortalecimento da resiliência das comunidades.

A SOFA implementou ações geradoras de renda e apoiou as mulheres em suas iniciativas, especialmente em suas atividades agrícolas e artesanais. Também apoiamos algumas mulheres na reconstrução de suas casas destruídas, fortalecendo a autonomia delas e de suas comunidades, valorizando seu papel na liderança local e transformando dinâmicas de poder.

Fizemos um papel de vigia, porque não só as mulheres estavam ativamente envolvidas em ações de solidariedade com a população haitiana, mas também havia a presença de ajuda internacional de que não poderíamos prescindir.

Após os desastres, as mulheres nos contaram que haviam sido excluídas da ajuda humanitária por serem integrantes da SOFA. Alguns chefes responsáveis pela distribuição das doações diziam: “Vocês são membros de uma grande estrutura, então não precisam desta ajuda”. Às vezes, essa ajuda era usada até mesmo como uma ferramenta para fortalecer uma influência política ou clientelista.

Como resultado, a SOFA, e mais amplamente as mulheres, têm desempenhado um papel de monitoramento e observação, a fim de não apenas garantir que os princípios humanitários sejam respeitados, mas também defender a imparcialidade e a neutralidade, e se opor à concentração excessiva da ajuda, o que poderia favorecer algumas populações em detrimento de outras.

Podemos constatar que esses eventos levaram a um influxo maciço de ajuda internacional ao Haiti, com todas as consequências que isso implica.

Por exemplo, se tomarmos os escândalos relacionados à Oxfam ou à Fundação Clinton após o terremoto de 12 de janeiro de 2010, vemos que esses casos serviram de ponto de partida para formalizar e fortalecer o quadro de ajuda humanitária no país.

O exemplo haitiano inspirou a adoção de políticas rígidas, como a política de tolerância zero e a política de combate à fraude e à corrupção. Essas reformas visam garantir de fato a transparência, a prestação de contas e a proteção efetiva das populações.

Os desastres naturais no Haiti revelaram tanto a fragilidade das instituições quanto a força das comunidades — e, em particular, a força das mulheres.

E a SOFA demonstra, em todas as ocasiões, como a ação local — que combina socorro imediato, apoio psicossocial e reconstrução econômica — pode transformar as relações de poder e fortalecer as capacidades das comunidades. Como eu disse no início, estou muito feliz por poder compartilhar a experiência haitiana com vocês.

Taduzido do francês por Andréia Manfrin Alves

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