No dia 17 de junho, com o coração destroçado, soubemos da morte de nossa amiga e irmã de luta Lorraine Guay. Queremos compartilhar nossa tristeza e, sobretudo, nossa imensa admiração por aquela que inspirou milhares de ativistas ao longo de 60 anos. Essa notável mulher é muito pouco conhecida do público em geral. No entanto, todo o Quebec deveria se orgulhar de contar com militantes do calibre de Lorraine Guay: mulheres, feministas, que estão mudando o mundo, um passo de cada vez, implacavelmente.
Lorraine nasceu em Verdun em 1943, em um ambiente modesto do qual ela sempre se orgulhará. Envolveu-se muito cedo em lutas por justiça social. Da J.E.C. – Jeunesse Étudiante Chrétienne [Juventude Estudante Cristã] – local e internacional à clínica comunitária de Pointe-Saint-Charles e ao Agrupamento dos recursos alternativos para a saúde mental [Regroupement des ressources alternatives en santé mentale]; de El Salvador, onde passou vários meses como enfermeira em áreas controladas por guerrilhas, à Nicarágua e ao Chile; da Marcha do Pão e das Rosas[1] (1995), onde liderou um contingente de mulheres em marcha, à Marcha Mundial das Mulheres, da qual foi uma brilhante estrategista e pedagoga; do Movimento Nova Democracia às coalizões em apoio ao povo palestino, Lorraine nunca parou de nos surpreender.
Podemos dizer que ela era, ao mesmo tempo, feminista, independentista, anticapitalista, internacionalista, antimilitarista, decolonial… Isoladamente, nenhum desses qualificativos é suficiente para descrevê-la, mas, em todos esses movimentos, ela contribuiu com sua lucidez, com a profundidade de sua análise, a busca por solidariedade e a firme determinação de promover a participação ativa das pessoas diretamente afetadas pela injustiça.
Lorraine militou em todos os lugares com sua consciência de ser mulher, acreditando firmemente que a marcha das mulheres em direção à liberdade deve ser coletiva e global. Ela começou a se definir como feminista quando viu isso como uma ponte entre as lutas sociais, defendendo os direitos de todas as mulheres do mundo.
Não conseguiremos nomear aqui todos os seus comprometimentos. Qualquer injustiça a atingia e despertava seu desejo de resistir ou reagir. Sozinha não, sozinha nunca, sempre unindo. Intelectual formidável, e também trabalhadora de base, ela colocou sua palavra e sua caneta a serviço da ação coletiva. Quantos grupos e pessoas ela reuniu com seus pedidos generosos e fundamentados! Tantas lutas compartilhadas, novas ideias desbravadas, muitas vezes ao lado de mulheres jovens a quem ela ouvia e também inspirava!
Como não ficar impressionada com essa mulher com múltiplos talentos e qualidades? É necessário enfatizar a simplicidade, a retidão infalível, o indefectível respeito pelos outros e a incrível tenacidade daquela que participou de encontros até muito recentemente. Devemos também falar sobre sua alegria de viver, o prazer que ela tinha em compartilhar vinho e boas refeições, sobre seu amor pela poesia. Falemos também de sua energia física: ela que dormia pouco e que, aos 75 anos, ainda ia a vários compromissos de bicicleta.
Convencida de que é através do questionamento que avançamos, ela colocou sua postura intelectual em dúvida: resistir às certezas que nos cercam, se abrir para os outros, acolher as mudanças no mundo e confrontar as posições dele. Lorraine se recusava a aderir a qualquer ideologia ou partido político, querendo manter sua plena capacidade de avançar. Motivada pela indignação, era uma “sábia radical”.
Foi independentista até o fim, co-dirigindo o livro Un Québec-pays. Le OUI des femmes [Um Quebec-pais. O SIM das mulheres] (Editora Remue-ménage, 2018). Era também uma aliada inabalável das nações autóctones, e uma lutadora contra toda discriminação. Ela não tinha medo de nomear os problemas: a expressão racismo sistêmico lhe parecia legítima. Através da prática do debate, buscava formas de passagem, consensos desejáveis e a possibilidade de ações conjuntas.
Democrata até as pontas dos dedos, militou por um sistema de votação proporcional, mas também para as mulheres conseguirem o lugar e o reconhecimento que merecem na política. Além da democracia representativa, pesquisou e experimentou estratégias de democracia participativa. Nos círculos comunitários, era reconhecida por sua notável capacidade de trazer ideias, projetos, de explicar e de mobilizar.
Acima de tudo, sua tenacidade e coragem nos inspiravam. Em Qui sommes-nous pour être découragées ? [Quem somos nós para desanimar?], livro escrito em parceria com Pascale Dufour (Editora Ecosociété, 2019), Lorraine se entrega com uma franqueza desarmante a respeito de suas lutas, suas dúvidas, suas esperanças. Ela tinha algo que fazia lembrar a grande Madeleine Parent, sindicalista e feminista que morreu em 2012: essa convicção absoluta de que não temos o direito de desistir, seja qual for o período em que vivemos.
Lorraine gostava de citar Francis Scott Fitzgerald: “É preciso estar convencido de que as coisas não têm esperança, mas estar determinado a mudá-las de qualquer maneira.” A esperança que ela nos inspirava a torna preciosa aos nossos olhos, porque às vezes, diante dos retrocessos da história, acabamos perdendo o fôlego.
Seu legado está aí: perseverar mesmo quando as coisas dão errado, apesar da guerra, apesar da recusa desesperadora dos líderes econômicos e políticos em enfrentar resolutamente as mudanças climáticas, apesar dos direitos violados, diante das crescentes desigualdades e da intolerância, perseverar em prol do dia em que poderemos avançar novamente.
É isso que a vida e as ações de Lorraine Guay nos ensinam. É isso que suaviza nossa dor e nos dá ânimo para seguir em frente com nossas lutas.
[1] Marcha que aconteceu no dia 26 de maio de 1995, por iniciativa da Federação das mulheres do Quebec, com o objetivo de lutar contra a pobreza, dentro de um contexto econômico bastante delicado, e que, anos depois, serviu de inspiração para a criação da Marcha Mundial das Mulheres.