Honduras: caravana feminista ocupa território garífuna com arte e memória

04/07/2022 |

Por Avispa

A caravana realizou atividades em defesa da terra e da memória de pessoas desaparecidas

Avispa, 2022

Mulheres de pelo menos 16 organizações feministas e independentes de distintas partes de Honduras se uniram à caravana “Viva Ofraneh!”. Entre 19 e 22 de maio, elas ocuparam o território garífuna, mais especificamente, a comunidade Triunfo de la Cruz, no município de Tela, no estado de Atlántida, um território em disputa, no qual a população afro-indígena está ameaçada de expulsão.

As mulheres ocuparam o território garífuna para “não apenas saber, mas compreender que solidariedade é estar juntas, conhecer os nomes e as histórias que nos fortalecem”, afirmaram em um comunicado.

“Esse ato é muito potente, um acampamento em um território marcado por muitos conflitos movidos por interesses empresariais. A própria presença das mulheres é um ato de resistência”, define uma das integrantes da Rede Nacional de Defensoras dos Direitos Humanos, Melissa Cardoza, que participou das atividades.

Entre as ações realizadas pelas mulheres, estão um itinerário pelo território, atividades para crianças, atividades pela memória de quatro garífunas desaparecidos, todas essas ações marcadas pela arte, pela música e pelos tambores. “A espiritualidade do povo garífuna é, provavelmente, um dos corações mais importantes da luta”, afirma Cardoza.

A caravana teve como objetivo ir contra a lógica de esvaziamento dos territórios pelo Estado e pelas empresas, diz Miriam Miranda. “O sistema de opressão patriarcal, militarista, capitalista e racista pretende retirar as pessoas de suas terras, se apropriar delas e transformar as pessoas em assalariadas miseráveis, em trabalhadoras do setor de serviços, seres humanos sem projetos de vida além da garantia de uma sobrevivência precária, assim vão roubando seu tempo e o gosto pela vida”, afirma Miranda.

A luta da Organização Fraternal Negra Hondurenha (Ofraneh), há mais de quatro décadas, é a defesa da terra e o território, “porque é justamente, materialmente e concretamente o local em que está assentada a vida comunitária, a procura do bem e felicidade comum, o anseio por estar em um mundo em que as pessoas sejam valorizadas, a arena habitada pelos grandes espíritos que protegem o povo”, reforça a Caravana Feminista em um comunicado.

Dessa forma, os processos de fortalecimento comunitário do povo garífuna crescem nos centros comunitários de saúde, nos coletivos de dissidências sexuais, na recuperação do óleo de coco e da comida ancestral que povoam a terra garífuna, e também na resistência contra as empresas extrativistas que buscam se apropriar de seu território.

“Perante o esvaziamento forçado dos territórios, nós convocamos os povos originários para que retornem a esse espaço ancestral. Convocamo-nos a escutar e acompanhar, a sustentar na luta pela vida no lugar onde nossos umbigos foram plantados”, afirmam as mulheres. Não é fruto do acaso que a Ofraneh tenha tantos inimigos e detratores, que utilizam todas as ferramentas que podem contra os processos da organização: assassinam, prendem, exilam e fazem desaparecer lideranças históricas e vitais para as comunidades.

“Nós, feministas e lutadoras diversas que nos organizamos na Rede Nacional de Defensoras, não apenas nos sentimos reconhecidas nas lutas, como também nos sentimos parte das aspirações e das vitórias da organização; é por esse motivo que hoje convocamos essa jornada no território rebelde do povo garífuna, para estarmos presentes, dialogar, poder aprender entre todas, sentir a brisa do mar e a vida governando nossos dias e nossos sonhos”, sustentam no comunicado.

Uma grande recordação

Em 18 de julho de 2020, quatro jovens garífuna foram levados violentamente de suas casas e estão desaparecidos até hoje. Desde então, a comunidade segue exigindo explicações oficiais, mas o silêncio continua.

As mulheres deixaram no centro da comunidade uma grande recordação pelos desaparecidos: um mural com os rostos dos quatro jovens sequestrados: Snaider Centeno, ex-presidente da Associação de Triunfo de la Cruz, Milton Joel Martínez Álvarez, Suami Aparicio Mejía García e Gerardo Mizael Róchez Cálix.

Moradores contam que, durante o amanhecer do dia 18 de julho, três caminhonetes invadiram a comunidade, cada uma delas com um grupo de homens armados a bordo. Um por um, os quatro jovens foram retirados de suas casas. A operação durou cerca de quarenta minutos.

Avispa, 2022

Corte Interamericana

As violações de direitos humanos contra a comunidade garífuna de Triunfo de la Cruz foi levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Comunidade Garífuna Triunfo de la Cruz e seus integrantes vs. Honduras. O tribunal regional responsabilizou internacionalmente o Estado de Honduras pela violação de diversos direitos da comunidade garífuna, entre eles, o direito à propriedade coletiva. Também colocou em pauta a discussão sobre o impacto dos projetos turísticos ou residências instalados sem o consentimento da comunidade, como aconteceu com a população de Triunfo de la Cruz, assim como em outras comunidades na Bahia de Tela.

Apesar da condenação de Honduras na CIDH neste caso, a administração do ex-presidente Juan Orlando Hernández, recém-extraditado aos Estados Unidos, fez muito pouco, praticamente nada, para cumprir a série de reparações determinada pelo Tribunal regional.

Solidariedade

A Caravana recebeu o apoio de organizações e mulheres de diversas partes do mundo. Entre elas, a Iniciativa Mesoamericana de Defensoras. “O povo garífuna e as comunidades organizadas na Ofraneh são um dos corações da nossa esperança. Não só porque têm enfrentado o poder mais depredador, violento, destruidor, o poder opressor do mau governo, das empresas extrativistas e seus capangas e os grupos do crime organizado (…), mas também porque têm tornado realidade, têm dado vida a esse outro mundo que precisamos e com o qual sonhamos, com o resgate de plantações originárias, rádios comunitárias, centros de saúde das comunidades tradicionais, com a luta pela soberania alimentar, a experiência do território libertado de Faya, com sua cosmovisão enraizada na terra, conectada com suas ancestrais, com a espiritualidade e a arte”, defende a iniciativa.

____

Texto originalmente publicado no site Avispa Midia em 24 de maio de 2022.

Redação por Sare Frabes
Traduzido do português por Luiza Mançano
Revisão da tradução por Helena Zelic

Artigos Relacionados