As Filipinas são consideradas um sinal de alerta. Na região da Ásia-Oceania, sofreremos primeiro o que o resto do mundo vai sofrer depois. Em 2013, perdemos mais de 6,3 mil vidas com o tufão Haiyan. Antes disso, foi o tufão Ketsana que levou a inundações e matou centenas na região metropolitana de Manila. Depois do Haiyan, foi o Meranti em 2016, o Goni em 2020, o Surigae e o Rai em 2021. Temos visto os tufões mais fortes das últimas décadas e, embora medidas de mitigação de risco tenham virado moda entre as intervenções e estejam avançando, reduzindo o número de vidas perdidas, ainda faltam políticas estatais e internacionais para enfrentar as causas que estão nas raízes da crise climática.
A população continua a perder suas casas, plantações e meios de vida. As mulheres são vitimadas e, em consequência disso, continuam mais vulneráveis ao tráfico e à prostituição. A Coalizão contra o Tráfico de Mulheres – Ásia-Pacífico (Coalition Against Trafficking in Women – Asia Pacific – CATW-AP), como coordenação da Marcha Mundial das Mulheres nas Filipinas, atua na linha de frente da prevenção, resposta e recuperação.
A elevação do nível do mar provoca a acidificação dos recifes de corais e leva a uma redução do volume de pesca em possivelmente 50%. Nas Filipinas, o nível do mar está subindo em um ritmo duas vezes maior que a média global, o que leva as pessoas de áreas litorâneas a serem expulsas e desalojadas de suas casas. Como sabemos, se o aumento das temperaturas globais ultrapassar a barreira dos 2 graus, a produção agrícola vai despencar e provavelmente haverá maior ocorrência de pandemias.
A principal causa do problema é o modelo industrial de crescente extração e produtividade para o lucro de alguns.
Precisamos substituir o capitalismo – que significa a apropriação patriarcal da natureza, das vidas das pessoas e das mulheres, e seu modelo de crescimento infinito para alcançar lucros ilimitados – por um novo sistema que seja participativo, que enfrente as desigualdades e busque a harmonia entre seres humanos e natureza.
Precisamos de um sistema que conecte direitos humanos e justiça climática e garanta a proteção das comunidades mais vulneráveis, como as de pescadores, agricultores, trabalhadores e pessoas pobres de áreas urbanas, e reconheça os direitos dos povos indígenas.
O planeta e seus recursos naturais não conseguem sustentar as necessidades de consumo e produção dessas sociedades industrializadas globalizadas. Exigimos um novo sistema que atenda às necessidades da maioria, e não de apenas alguns. Para seguir nessa direção, precisamos de uma redistribuição da riqueza que hoje é controlada pelo 1% mais rico. Por sua vez, isso exige uma nova definição de bem-estar e prosperidade para toda a vida no planeta, dentro dos limites e em reconhecimento dos direitos da Terra e da natureza.
Atualmente, a situação das Filipinas está se agravando pela agressão do desenvolvimento da China, como no projeto iminente da barragem Kaliwa, nas montanhas de Sierra Madre, que desalojará 1,4 mil famílias indígenas e inundará áreas protegidas. A cordilheira foi nossa principal defesa contra supertufões como o Noru, em 2022. A China construiu bases militares nas Ilhas Spratly e financiou a construção de uma ponte em Mindanau, que ameaça nossos recifes de corais.
Enquanto isso, os EUA têm acesso a 22 portos nas Filipinas e destruíram recifes de corais de um santuário ecológico em Palawan. O Acordo de Cooperação pela Melhoria da Defesa (Enhanced Defense Cooperation Agreement – EDCA), assinado em 2014 na gestão de Barack Obama, permite que os EUA acessem bases militares filipinas para realizar treinamentos conjuntos, preparar o posicionamento de equipamentos e construir instalações como pistas, depósitos de combustíveis e alojamentos militares, mas sem uma presença permanente.
De modo geral, é crucial responsabilizar Estados e corporações transnacionais. Defender compromissos vinculantes, e não promessas voluntárias, firmados no acordo de Paris de 2015, para controlar o aumento da temperatura do planeta e mantê-la abaixo de 1,5ºC neste século, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa anualmente. Deixar mais de 80% das reservas de combustíveis fósseis debaixo do solo e do relevo oceânico. Afastar-se do extrativismo de recursos, proibindo todas as novas explorações de petróleo, areia betuminosa, xisto betuminoso, carvão, urânio e gás natural, incluindo infraestruturas de gasodutos como o de Keystone XL. Acelerar o desenvolvimento e a transição justa para alternativas de energia renovável, como energia eólica, solar, geotérmica e maremotriz, com mais controle e propriedade comunitária e pública.
Portanto, nas Filipinas, resistimos à privatização das cooperativas elétricas. Com a liderança do Centro de Trabalhadoras e Trabalhadores Progressistas e Unidos (Sentro ng mga Nagkakaisa at Progresibong Mangagawa – Sentro), central sindical que reúne 100 organizações nas Filipinas, também estamos atuando para reivindicar o setor energético que está em mãos privadas, pois os últimos 20 anos comprovaram o fracasso do poder privatizador da legislação. A seção de mulheres do Sentro integra a Marcha Mundial das Mulheres nas Filipinas.
Algumas propostas sintetizadas pela Focus on the Global South em 2014 são cruciais para enfrentar as mudanças climáticas a partir do paradigma da transição justa. Por exemplo: promover a produção e o consumo local de bens duráveis para atender às necessidades fundamentais da população e evitar o transporte de bens que podem ser produzidos localmente; estimular a transição, de uma agricultura industrializada voltada para a exportação para o supermercado global, para uma produção de base comunitária que atenda às necessidades alimentares locais com base na soberania alimentar; adotar e aplicar estratégias de desperdício zero para a reciclagem e descarte de lixo e a readequação de construções para conservar energia para fins de aquecimento e resfriamento.
Também é crucial aprimorar e ampliar o transporte público para o deslocamento eficiente de pessoas e cargas por trem dentro de centros urbanos e entre cidades em áreas urbanas. Nesse sentido, nas Filipinas, o Sentro também luta por uma transição energética justa no setor de transporte público, conectando a luta de motoristas de jeepney por melhores condições de trabalho com a necessidade de assistência do governo na transição para motores de veículos que operem de maneira mais limpa.
Os jeepneys tradicionais são o meio de transporte mais barato das Filipinas. Mas, por utilizarem motor a diesel, são uma grande causa da má qualidade do ar nos centros urbanos. Em 2017, o governo aprovou leis para eliminar gradativamente os jeepneys movidos a diesel e obrigar o uso de veículos elétricos. No entanto, o programa de modernização não apresentou mecanismos de apoio para os motoristas substituírem seus veículos. Essa falta de apoio levou a greves e protestos nacionais entre trabalhadores do setor.
“Sem transição justa não há modernização” se tornou o principal lema da campanha da Confederação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores do Transporte (National Confederation of Transport Workers’ Unions – NCTU), afiliada ao Sentro. Depois que uma greve nacional dos transportes paralisou cidades importantes em 2017, as autoridades concederam um período de transição de três anos para que os motoristas de jeepney pudessem adotar veículos elétricos ou movidos a energia mais limpa.
Os motoristas de jeepney perceberam o poder da união, e muitos que antes faziam parte da economia informal se organizaram em cooperativas de transporte. Por meio delas, seus integrantes começaram a adquirir jeepneys modernizados, alguns elétricos, utilizando subsídios parciais do governo. No entanto, ainda falta um pacote abrangente de apoio financeiro direcionado a motoristas vulneráveis e informais.
Há necessidade de desenvolver novos setores da economia para gerar postos de trabalho que restabeleçam o equilíbrio e a estabilidade da natureza e do clima no planeta, como empregos climáticos para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e vagas relacionadas à restauração do planeta.
Também é urgente desmantelar a indústria da guerra e a infraestrutura militar para reduzir as emissões de gases do efeito estufa geradas pelos conflitos armados, e realocar os orçamentos de guerra para a promoção genuína da paz.
Ao conectar suas lutas por novas moradias públicas em lugares seguros e menos afetados pela crise climática, os sindicatos de base comunitária do Sentro transformaram essa batalha em uma luta por novas moradias ecológicas, com painéis solares. Comunidades de famílias que vivem em assentamentos informais e que estão sendo realocadas para novas moradias públicas estão exigindo que seus novos lares tenham painéis solares, permitindo uma redução no custo da energia elétrica e o aumento da independência energética. No entanto, em função dos altos custos envolvidos na instalação dessa estrutura, os governos locais hesitam em apoiar as demandas dos sindicatos, o que limita substancialmente o sucesso da campanha. Garantir financiamento e apoio do governo local para adaptar moradias públicas com energia solar é um grande desafio.
A CATW-AP também vem construindo capacidades comunitárias em áreas litorâneas e naquelas mais vulneráveis a desastres, na prevenção voltada para as pessoas sobreviventes e na resposta ao tráfico de mulheres e à prostituição, com a criação de grupos de vigilância comunitária de mulheres afetadas pelos desastres, voltados para a promoção de direitos e respostas com perspectiva de gênero. Entre as formações, é oferecido treinamento de defesa pessoal para mulheres.
Como resultado disso, observou-se um declínio quantificável nos casos de violência contra as mulheres nos acampamentos de evacuação. Ao se tornarem detentoras de seus corpos e espaços como não mercadorias, assim como a natureza, elas também despontaram como autoridades comunitárias locais, exigindo do Estado direitos e a responsabilização daqueles que cometem violência. Ao mobilizar recursos para proteção, as mulheres também deixaram situações de violência e começaram a reconstruir suas vidas para alcançar a autossuficiência.
Ao lado de mulheres sobreviventes de violência, criamos hortas comunitárias, bancos alimentares e preparo comunitário de refeições para contribuir com alternativas à produção corporativa.
Ao mesmo tempo, também devemos ter consciência de que nem todas as ações são adequadas e que algumas iniciativas podem piorar a situação. Talvez o desafio mais urgente seja o fato de que as grandes corporações transnacionais continuam capturando a agenda climática para criar novos negócios para tirar vantagem das crises.
Podemos confiar em movimentos populares, como a Marcha Mundial das Mulheres, para dar base a ações e marcos radicais no enfrentamento à crise climática.
Texto apresentado por Jean Enriquez no Fórum sobre mudanças climáticas e militarização realizado pela Marcha Mundial das Mulheres em Bali, no dia 11 de maio de 2023.
Jean Enriquez é coordenadora da CATW-AP e da Marcha Mundial das Mulheres nas Filipinas.