A violência machista acaba de ser tipificada pelo Parlamento Europeu como um “euro-crime”, equiparado ao terrorismo. O Parlamento Europeu é uma ficção democrática dentro da União Europeia (UE), que atua a serviço do capitalismo. Evidentemente, a concretização disso será semelhante à atual situação legislativa no Estado espanhol, que vem legislando sobre a violência de gênero desde 2004. Trata-se de um avanço formal, sem esforço, sem recursos e sem audácia nas decisões políticas e, por isso, não se traduz em um avanço real.
Na Galícia, a legislação sobre violência de gênero é mais avançada em termos de tipificação. A Lei de Igualdade, aprovada em 2007, considera como violência de gênero não só aquela no âmbito conjugal (como a lei federal) e permite identificar e denunciar um leque mais amplo de violências. No entanto, sua aplicação prática também está sujeita à vontade política, atualmente inexistente com um governo de direita que tem cortado recursos e reduzido o número de funcionários dos equipamentos.
Nosso país é judicialmente dependente do Estado espanhol. Portanto, nossa luta não é só nacional, porque não temos soberania para legislar sobre nossa própria justiça. Isso nos obriga a incorporar também esse fator nas nossas lutas, denunciando a lógica colonial e defendendo a plena soberania dos nossos países para decidir sobre todos os assuntos. O fato de termos leis mais avançadas sobre violência de gênero e não podermos transferi-las para o sistema judiciário, que é espanhol, é um dos maiores problemas que enfrentamos.
Experiência feminista de enfrentamento à violência
A partir da Coordenação Nacional Galega da Marcha Mundial das Mulheres, realizamos um trabalho de análise e de denúncia sobre a situação das mulheres uma década após a implementação das leis para a proteção e prevenção da violência de gênero. Nesse trabalho, focamos na atuação da justiça, principal instituição que reproduz a violência e se recusa a colocar em prática os avanços legislativos, fazendo uso de todo tipo de subterfúgios e desculpas.
Estamos organizando reuniões abertas e debates para compartilhar o que tem acontecido nos tribunais com as denúncias de violência machista e processos judiciais de separação. Nesse último caso, mesmo que não haja denúncia de violência de gênero, ela começa quando o procedimento legal da separação é iniciado.
O primeiro desafio que enfrentamos foi conhecer detalhadamente o intrincado mundo judicial, estruturado de forma hierárquica e patriarcal. O Poder Judiciário é herdeiro do franquismo[1] e apresenta resistência a se formar e assumir os avanços formais que o movimento feminista conseguiu arrancar da classe política. Por outro lado, tem sido decisivo para a nossa organização nesse tema poder contar com mulheres que vivem esses processos em primeira pessoa e com companheiras que as acompanham no difícil e burocrático processo imposto pelo sistema judicial. Este sistema converte as mulheres, uma vez mais, em vítimas de violência, através da violência institucional, social e judicial.
O objetivo dessa campanha, que se aproxima de seu segundo ano de existência, é baseado em três linhas de trabalho que consideramos imprescindíveis para abordar nossa interpelação às instituições. Primeiro, é preciso pensar, por um lado, naquilo que é mais imediato: o que podemos mudar para avançar a curto prazo? Depois, pensar na dimensão nacional: como, através de quem e de que forma podemos abordar essa luta para que o debate seja massivo, esteja nos meios de comunicação e possa avançar? E, em terceiro lugar, qual é nosso objetivo final? Qual mudança estrutural precisamos para poder, realmente, viver uma vida livre de violência?
Dessa forma, trabalhamos nas assembleias, encontros, nas mobilizações e reuniões, conscientes de que existem diferentes níveis de trabalho. Conscientizamos nossa sociedade sobre a importância das grandes transformações sociais, da educação e de novos paradigmas. Assim, vamos avançando, com pequenas vitórias que nos permitem organizar cada vez mais e mais mulheres.
Temos consciência de que vivemos em uma parte do mundo na qual contamos, formalmente, com leis mais avançadas do que outras mulheres. Mas também sabemos que, neste centro capitalista que é a Europa, as leis escritas nem sempre são aplicadas. Atualmente, nossa luta tem sido incansável para que todos esses avanços que conseguimos nas mobilizações da última década possam, finalmente, se tornar realidade. Para que mais nenhuma mulher seja violentada ao apresentar queixa ou ajudar outra mulher a denunciar uma situação de violência. Para que nenhum agressor mais possa compartilhar a criação dos filhos com a mulher agredida por ele. Para que nenhum juiz mais nos culpe por ter sido violentada e agredida.
[1] O franquismo foi o regime ditatorial instaurado no Estado espanhol em 1939. O nome faz referência ao general Francisco Franco, que esteve no poder até 1975.