Participação política das mulheres na Costa do Marfim: uma missão para a paz

11/06/2021 |

Por Capire

Em entrevista, Solange Koné fala sobre a participação política das mulheres, desafios da pandemia e as práticas feministas pela paz

Marche Mondiale des Femmes Cote d’Ivoire, 2019

A Marcha Mundial das Mulheres (MMM) na Costa do Marfim teve início em 2004. O país vivia uma guerra civil e as mulheres se organizaram para ir a um encontro no Mali sobre a participação feminina nos processos de paz. Naquele encontro, uma companheira da MMM do Burkina Faso expressou solidariedade e apoio às mulheres da Costa do Marfim. Foi, assim, a partir da prática da solidariedade internacional, que é constitutiva da Marcha Mundial das Mulheres, que as mulheres organizadas na Costa do Marfim conheceram e decidiram se integrar ao movimento.

Solange Koné, membro do Comitê Internacional da MMM, conversou com Capire sobre a atual participação política das mulheres no país e sobre como elas se organizam na luta pela solidariedade e pela paz. Para ela, “as mulheres precisam estar realmente envolvidas na resolução de conflitos. Precisamos pensar de forma concreta na relação da violência contra as mulheres nos campos de batalha”. Confira:

Compreendemos que a participação política das mulheres que se candidatam a cargos políticos é extremamente importante, porque nos permite mudar a política de dentro para fora. Além disso, os processos eleitorais, de modo geral, nos dão a oportunidade de eleger um governo mais representativo, que considere melhor nossas agendas econômicas. Você poderia fazer uma breve análise da situação dos processos políticos africanos e da participação das mulheres?

Os processos políticos na Costa do Marfim são altamente discriminatórios. Existem várias leis e textos que dizem “falamos pelas mulheres”, mas, no mesmo texto, há artigos que bloqueiam os processos de participação das mulheres. Por exemplo, a quota de representação.

Diz-se que é necessária uma representação de pelo menos 30% das mulheres nas assembleias eleitas. Ao mesmo tempo, os processos eleitorais são realizados em todas as regiões e as mulheres não podem ser uma prioridade quando existe apenas uma vaga disponível para elas, o que é o caso de muitas regiões. Temos uma lei que não faz sentido, pois ela não pode ser aplicada em razão da realidade local.

Os partidos políticos do nosso país não colocam as mulheres em destaque. Em geral, são os homens que ocupam os cargos principais. As mulheres permanecem à sombra deles, o que não é normal. Quando consideramos instituições como a Assembleia Nacional ou o Conselho Econômico e Social, não encontramos uma única mulher à frente deles. As mulheres estão sempre em comissões, como se não fossem capazes de tomar decisões ou pensar. 

Durante as campanhas eleitorais, as mulheres estão limitadas a acolher as pessoas. São elas que vão recebê-las, buscar água etc. Onde há reflexões e onde as decisões são tomadas, elas são minoritárias. Se há alguma votação, o resultado é contra elas. Em termos políticos, pelo menos no meu país, a situação das mulheres é difícil, e é isso que eu denuncio.

Durante o webinárioResistência e solidariedade feminista ao redor do mundo, você observou que, no momento das eleições deste ano na Costa do Marfim, a percentagem de mulheres nas eleições legislativas aumentou de 10% para 15%. Quem são essas mulheres e quais foram suas propostas? Qual é a razão para esse aumento?

Não considero isso um aumento, porque as mulheres têm hoje a capacidade de estar bem representadas. Elas existem. Há mulheres intelectuais, empresárias, políticas, agricultoras. Elas são líderes. Do ponto de vista da liderança, elas estão de fato ocupando seus lugares. Isso deve caminhar lado a lado com suas representações políticas. Mas, infelizmente, não é esse o caso.

Continuamos a seguir a lógica das escolhas dos partidos políticos. As mulheres independentes não podem ser eleitas porque não têm dinheiro. Para ser candidato, é preciso ter muito dinheiro. Financeiramente, as mulheres ainda não são capazes de ocupar seus lugares e organizar uma campanha. Do ponto de vista do apoio, ao nível da Marcha Mundial, tentamos analisar o que podemos fazer.

Começamos a encontrar formas de apoiar a candidatura de uma mulher para as eleições parlamentares, municipais, regionais ou presidenciais. Sei que precisamos de muito dinheiro, mas temos de começar por algum lugar. Eu gostaria realmente de mencionar aqui a solidariedade entre nós para impulsionar as mulheres. 

Trata-se de uma questão realmente importante: para ampliar a participação política das mulheres, especialmente das mulheres de esquerda, do feminismo popular, temos de lutar para democratizar a política, para que a eleição não dependa tanto de dinheiro. Nesse sentido, gostaríamos de saber qual é a relação entre os parlamentares eleitos e o movimento das mulheres? Como o movimento se articula para a disputa política durante e depois do processo eleitoral?

Infelizmente, não existe uma ligação real entre as mulheres das classes políticas e aquelas dos movimentos. Nós vivemos uma crise, uma guerra e existe uma espécie de ruptura entre as mulheres da esfera política e as mulheres dos movimentos. Assim, as mulheres políticas dos partidos dominantes tendem a demonizar as mulheres dos movimentos. Para elas, nós somos contra o governo, somos adversárias, e é realmente complicado poder trabalhar em conjunto. 

É uma pena, porque acreditamos que a união faz a força. Mas ainda não conseguimos estabelecer essas relações. Acabamos de ver todas as eleições que foram realizadas nessa perspectiva e queremos abordar as mulheres políticas. Podemos ter ideias que não são necessariamente comuns, mas temos muitas lutas em comum. Temos muitas coisas que podemos defender juntas. A Assembleia Nacional acaba de instituir o presidente. Em junho do ano passado, as mulheres se reuniram para propor atividades periódicas em torno dos temas da promoção das mulheres. 

Como movimento organizado por mulheres, vocês têm alianças com outros movimentos sociais, como as camponesas, por exemplo?

Estamos em contato com a associação de mulheres comerciantes, que são mulheres que negociam. Elas são numerosas. Estamos em contato também com os sindicatos de professores, com os meios de comunicação ligados à criação do direito fundiário. Acreditamos ser preciso nos aproximarmos de tudo isso. Direito à terra, direito econômico, político, social. Construir alianças é algo muito forte para nós. 

Queremos conhecer a história de luta e de organização das mulheres na Costa do Marfim. Você pode compartilhar histórias de luta que inspiram as mulheres?

Na época em que a Costa do Marfim estava conquistando sua independência, havia forças coloniais. A maioria dos homens dos partidos políticos que deveriam tomar o poder na época foram enviados para a prisão em uma cidade próxima a Abidjan, Grand-Bassam. Na época, era uma prisão perigosa e foi para lá que enviaram as pessoas recalcitrantes. Os homens foram enviados à prisão e as mulheres se tornaram chefes de famílias. 

A certa altura, uma das líderes femininas, que se chamava Marie Koré, disse: “Não podemos ver nossos maridos permanecerem na prisão, sobretudo sem saber por quê. Reivindicar a independência é crime? Acreditamos que já fizemos o suficiente em relação ao colonialismo e hoje queremos a independência do país. E é por isso que os nossos esposos estão na prisão. Então, mulheres, vamos também até a prisão!” 

Quando ela lançou esse apelo à união, as mulheres apareceram vindo de toda parte. Mulheres que sabiam ler e escrever, mulheres agricultoras, mulheres vendedoras, mulheres de meios pobres, esposas de pescadores. Elas caminharam pelo menos 50 quilômetros e foram até a prisão onde seus maridos estavam. Elas caminharam com uma determinação que as forças militares não conseguiram barrar. Foi assim que puderam libertar seus maridos. Mari Koré é um símbolo para a Costa do Marfim.

Não se deve pensar na luta feminina como se fosse algo das mulheres contra os homens. Nossa luta é para reconhecermos a todos como seres humanos. Há homens que estão conosco. Há homens que vêm ao nosso encontro quando promovemos atividades. Nós unimos nossas forças com os homens que reconhecem nossa luta. 

Durante o webinário, você comentou sobre o caso da Tanzânia. A vice-presidente assumiu o cargo principal após a morte de John Magufuli e conseguiu lidar com a pandemia no país melhor do que seu antecessor, que estava em negação sobre a realidade da Covid-19. Você poderia nos dizer como vocês se organizaram durante a pandemia?

Quanto à questão da pandemia, os movimentos realizaram uma enorme quantidade de ações em benefício das comunidades. Fizemos comunicados sobre prevenção, para transmitir uma mensagem sobre o que era preciso fazer. Durante e após o confinamento, houve muita violência doméstica, violência sexual, violência com crianças etc. Nós denunciamos tudo isso.

Os serviços médicos também foram contactados porque crianças e mulheres não estavam em segurança. Fizemos uma pesquisa e interpelamos o governo. Foi também realizado um estudo sobre o impacto da Covid-19 nos serviços de saúde materna e infantil. Trabalhamos muito ao lado do Ministério da Saúde. Atualmente, nosso cuidado é com a vacinação. Nem todos querem se vacinar. Tentamos explicar que é importante fazê-lo. Do outro lado, estamos tentando pressionar o governo para que assuma a responsabilidade pela qualidade das vacinas e evite consequências mais graves.

A pandemia, a vacina e a política, em geral, têm sido alvo de desinformação e de fake news. Como você vê essa questão? Eu queria perguntar também se vocês têm estratégias de formação política feminista para lidar com essas estratégias de desinformação da direita e para aumentar a participação popular e feminista na política?

Neste momento, não existe uma verdadeira estratégia que se destaque. Tal como se apresenta, é como se a pandemia sugasse a força das pessoas. Não sabíamos para onde levar as coisas, as informações eram contraditórias e, além disso, não conhecíamos a situação, nunca tínhamos vivido nada parecido antes. Recebemos imagens assustadoras de situações graves.

Esse medo já existia, de uma situação que desarmou as pessoas, que fez com que elas não fossem capazes de agir e pensar em estratégias. Agora vejo que estamos numa lógica em que o capitalismo continuará a exercer pressão sobre nós, porque estamos diante da disputa pelo poder dos grandes atores deste mundo.

Hoje, para esse caso da vacina, nós questionamos aqui na África: “Por que há malária há muito tempo, por que há HIV há muito tempo, e por que não houve vacina para o HIV imediatamente?” E agora temos muitas vacinas para Covid. Isso mostra que há muita coisa por trás disso. São as grandes indústrias que continuam procurando posicionamentos para obter mais lucro. Nós percebemos isso. 

Em nossos países, disseram que a OMS [Organização Mundial da Saúde] vai nos apoiar, que ela nos dará vacinas pelo consórcio Covax. Quem vai doar as vacinas para a Costa do Marfim, para o Senegal e outros países? Soube que chegaram à Costa do Marfim 500 mil doses de vacina. Trata-se de uma vacina que precisa de duas doses para cada pessoa, o que significa que serão 250 mil pessoas a ser vacinadas dos 25 milhões da Costa do Marfim. É só uma gota d’água no mar.

Nós, os movimentos sociais, nos perguntamos o que está por trás dessa gratuidade. A vacina foi produzida, tem um custo. Não podem vir a um país e dizer que é de graça. Nossa resposta é “não”. Há certamente algo por trás disso e nós vamos pesquisar, entender e, juntos, como movimentos sociais, saber o que vai resultar disso para sermos capazes de agir à altura.

Caso se trate de reforçar a dominação sobre os pobres, sobre as mulheres, estaremos lá para denunciar essa dominação econômica e hiperpolítica. Concordamos em participar da luta contra a pandemia, mas não será a qualquer custo. Precisamos deixar isso claro. Então, esperamos, mas não com os braços cruzados. Estamos tentando compreender as coisas. E se essas coisas estiverem no meio dessa disputa de poder, se as mulheres e as crianças ficarem mais marginalizadas, nós não vamos concordar.

Entrevista realizada por Bianca Pessoa e Tica Moreno
Traduzido do francês por Andréia Manfrin Alves.

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