Não à Frontex: mulheres contra a vigilância das fronteiras europeias

14/05/2022 |

Por Capire

No dia 15 de maio, a Suíça terá uma votação popular para decidir se aumentará o financiamento à Frontex  

Os problemas que as mulheres migrantes enfrentam começam bem antes da chegada ao países onde pediram asilo. Muitas mulheres perdem suas vidas no trajeto, e as que conseguem chegar às fronteiras são impedidas de entrar e, muitas vezes, criminalizadas. A Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, conhecida como Frontex, é a entidade responsável por guardar as fronteiras de todos os países membros da União Europeia (UE) e do Acordo de Schengen1. A Frontex é um órgão armado que tem servido para impedir a entrada de pessoas migrantes, e não para garantir a “segurança” e gerir pedidos de asilo, como consta dentre seus objetivos.

No dia 15 de maio, a Suíça passará por uma votação popular para decidir sobre sua participação e ação como país-membro da Frontex. A agência pretende aumentar seu contingente de pessoal, exigindo mais orçamento das nações-membro. Para entender o posicionamento dos movimentos populares e feministas nessa votação, Capire conversou com Sophie Malka, coordenadora da L’associationVivre Ensemble, e Aude Martenot, militante da associação SolidaritéTattes. Durante a entrevista, elas contestaram as políticas de migração da União Europeia, denunciaram as ações violentas da Frontex e as diferenças entre as políticas de asilo às pessoas de países da UE e de países do Sul global.

Na Europa, os movimentos populares e feministas denunciam as políticas de migração violentas, que não respeitam os direitos das pessoas de pedir e receber asilo. Com um modelo racista e patriarcal, baseado na divisão entre Norte e Sul global, as fronteiras sustentam a precarização do trabalho e a violência contra as pessoas migrantes, em especial as mulheres, exploradas em trabalhos mal remunerado de cuidados e serviços e vítimas de violência sexual.

Em seu site, a Frontexafirma que sua visão é “proteger o espaço europeu com liberdade, segurança e justiça”. Quais são as ferramentas dessa chamada “proteção”? Como as feministas europeias construíram uma visão crítica a esse respeito?

Aude: a Frontex é atualmente um exército, cerca de cem pessoas em campo que protegem as fronteiras externas europeias e usam diferentes ferramentas de controle dessas fronteiras. Constatamos que nada é feito para proteger as pessoas ou denunciar quando há abusos; pelo contrário, os abusos são ignorados. Tudo isso faz parte da política europeia de asilo que visa bloquear a imigração ilegal das pessoas que aqui chegam. Exceto que – ao menos no que diz respeito à Suíça – a imigração legal não é possível. Portanto, é claro que o trabalho da agência só pode ser impedir que as pessoas cheguem.

A Frontex tem sido frequentemente denunciada, especialmente nos últimos tempos, a tal ponto que há reações no Parlamento Europeu e, há alguns dias, o diretor-executivo da agência renunciou. Isso mostra claramente que a Frontex não funciona. Além disso, do ponto de vista pessoal, acredito que é um tipo de agência que não pode dar certo, pois no âmbito de uma fortaleza que visa apenas se proteger da chegada das pessoas, é impossível fingir organizar ou proteger as pessoas que chegam. Qualquer formato que um exército use para bloquear o espaço só levará à violência e à morte.

Sophie: Conforme os princípios do direito internacional, toda pessoa tem o direito de solicitar asilo fora de seu país. Esse princípio, amplamente reconhecido, é violado pela Frontex, que impede que as pessoas cruzem as fronteiras.

A missão da Frontex de “proteger as fronteiras” é problemática, porque ela age contra a segurança das pessoas que estão em perigo.

Há realmente um problema com a missão dessa agência. Não haveria nenhuma necessidade de segurança se a missão da Frontex fosse, de fato, combater o tráfico de drogas e o tráfico de pessoas. Mas temos um sentimento de que a principal ação da Frontex é travar uma guerra contra as pessoas migrantes.

Como podemos pensar as relações e a responsabilidade da Frontex em relação a essa política de migração e à precariedade do trabalho na Europa? Por exemplo, os imigrantes sem-documentos que estão atualmente na Europa, trabalhando nos setores de limpeza. Qual é o papel da Frontex em relação a essa política de precariedade do trabalho?

Aude: Quando falamos das pessoas sem-documentos, estamos falando das que chegam e não solicitam asilo. Elas se inserem no mercado de trabalho por conta própria e sem documentos, graças às suas redes de contato e com seus próprios meios. Talvez não sejam as mesmas pessoas. O que é certo é que tudo isso faz parte da forma de gestão geral da Europa em relação à migração.

A Suíça tem uma prática muito clara de manter no nível máximo a precariedade das pessoas que chegam ao país. Isso pode ser visto na Frontex para os pedidos de asilo na Suíça, que tem uma reforma recentemente que funciona junto com centros federais, concentrando as pessoas durante as primeiras semanas de chegada para mantê-las o máximo possível em mãos e determinar quem pode ser devolvido rapidamente e quem pode então permanecer no sistema e gradualmente obter um status.

O mundo do trabalho, o mundo dos empregadores e o funcionamento da sociedade garantem a si mesmos uma reserva de trabalhadoras que podem ser exploradas com salários próximos à escravidão.

Isso é possível porque as pessoas não têm meios para acessar a justiça ou buscar apoio, nem ao menos para conhecer seus direitos e fazê-los respeitar. Isso faz parte de uma reflexão mais ampla sobre a precariedade das pessoas migrantes, que permite preservar esse sistema e explorá-las amplamente de forma variável, dependendo da situação.

Vimos, com todos os fluxos migratórios da Ucrânia, que talvez seja possível uma política migratória mais solidária e mais humana. Qual seria a mudança na atual política migratória à luz da recepção e da solidariedade em relação aos refugiados ucranianos?

Sophie: Aude falou anteriormente sobre os centros federais. As pessoas estão, entre aspas, praticamente em semidetenção nesses centros. Com horários de entrada e saída extremamente rigorosos, com penalidades se não retornarem a tempo, com revistas corporais em todas as entradas e saídas desses centros. Todas essas medidas, as proibições de trabalho desde o momento da entrada na Suíça, tudo isso foi vivido pelos ucranianos. Essa nova realidade lança um olhar que mostra a brutalidade e a desumanidade da prática para com os refugiados de hoje. Confiando nessa nova atuação de denúncia da sociedade civil, deveríamos tentar imaginar uma nova política de acolhimento das pessoas que fogem das guerras, e sem discriminação.

Aude: Essa abertura à solidariedade também foi imposta porque a população suíça se mobilizou muito por esse acolhimento. O Conselho Federal não teve escolha a não ser se adaptar. Então, de fato, se um dia, em troca de uma política mais dura, acontecer o que tememos, teremos que manter o máximo possível essa solidariedade da população. Não há diferença entre as pessoas que fogem da guerra, da miséria. Tudo isso é chocante e revela um racismo profundo, já que as pessoas que vêm da Ucrânia são brancas, muitas vezes cristãs, e por isso muito mais próximas da população suíça em termos de origem.

Os outros, que geralmente são negros ou, ao menos racializados, e que têm outras religiões, outras etnias ou outras culturas, sofrem um racismo que víamos e que denunciávamos e em alguns círculos. Essa discriminação se tornou perceptível e óbvia. Não há outras explicações possíveis para esses dois níveis de tratamento.

Ao regular as fronteiras externas dos paísesmembros, a Frontex também é responsável por controlar os fluxos migratórios de pessoas para esses países. Após a crise migratória de 2015, a agência retrabalhou seus planos para poder aumentar seu corpo operacional de guardas de fronteira e guarda costeira até 2027. O que significa esse fortalecimento dos controles de fronteira na vida das mulheres migrantes?

Sophie: O fortalecimento das fronteiras cuidará de impedir que as pessoas as cruzem, até mesmo para registrar um pedido de asilo. Ao mesmo tempo, todas as redes de contrabando estão sendo fortalecidas e essas mulheres estão sendo colocadas à mercê de traficantes de pessoas, em situações extremamente violentas. Existe uma relação entre o controle das fronteiras e as violências que as mulheres sofrem nessas jornadas. Seria bom se elas pudessem vir legalmente, se pudessem apresentar um pedido de asilo nas embaixadas, como deveria ser, e se esses pedidos fossem examinados com benevolência.

Aude: Na petição FeministAsylum [Asilo Feminista], isso foi colocado como prioridade, porque os governos dos diferentes países devem levar em consideração o motivo do asilo e toda a violência que o acompanha, tudo o que foi construído em torno do percurso migratório, mas também as razões para as saídas das mulheres em particular.

Por trás do slogan “por um mundo sem fronteiras”, quais são as propostas políticas de transformação? Como chegar ao mundo que queremos?

Aude: Ele se inscreve mais amplamente no mundo em que vivemos, que é capitalista, que visa acima de tudo o lucro, e que não tem nenhum interesse em abrir as fronteiras. Além disso, esse é o caso do capital, dos bens e de outros objetos e formas de deslocamentos transfronteiriços que nunca são prejudicados, pelo contrário, são favorecidos. Pode-se ver claramente que não é uma questão de problema, mas de quem se beneficia e de qual é o benefício, de quem dirige e de quem escolhe como isso acontece. Se tomarmos a situação atual, sem sonhar com uma revolução para os próximos dias, o que poderíamos fazer primeiro?

No nível da Suíça, há uma observação bastante óbvia: é que todas essas políticas em torno do asilo são tão complexas, com tantas formas e com tantas pessoas envolvidas, que é preciso remunerá-las, empregá-las em diferentes níveis. Há muitas pessoas também do lado da defesa do asilo, muitas associações que precisam encontrar fundos para financiar projetos, advogados. Existem realmente muitos recursos que estão sendo usados em torno dessa política de asilo e, inversamente, acho que mesmo antes da crise relacionada à guerra na Ucrânia – que é peculiar –, tínhamos talvez entre 20 e 25 mil pedidos de asilo por ano, com flutuações. 

A emissão sistemática de uma licença que permite trabalhar e ter direitos é realmente muito mais barata para a Suíça e seria uma maneira simples de garantir os direitos de todos, de forma bastante simples. Isso seria mais rápido e exigiria menos esforço do que hoje. Seria uma maneira de não permitir manter essa forma de precariedade que mencionei antes e não possibilitar a limitação dos direitos e o controle das pessoas. Esse é um jogo político que, na minha opinião, precisamos mudar mais rápido.

  1. O Acordo de Schengen compreende 26 países europeus que flexibilizam controles de fronteira para viagens internacionais, com uma política de vistos comum. []

Entrevista realizada por Bianca Pessoa e Marianna Fernandes
Editado por Helena Zelic
Traduzido do francês por Andréia Manfrin Alves

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