“Para os líderes dos países de clima frio”, de Kishwar Naheed

12/02/2021 |

Por Capire

Leia a tradução deste poema anticolonialista da paquistanesa Kishwar Naheed.

Foto/photo: Arif Mehmood/White Star

Kishwar Naheed vive no Paquistão e é uma poeta feminista urdu¹. É autora de 13 livros de poesia, alguns deles traduzidos e publicados em língua estrangeira em outros países. Kishwar é autora do reconhecido poema “Nós, mulheres pecadoras” (em urdu,  ہم گنہگار عورتیں), que depois tornou-se o título de uma antologia de poesia feminista urdu contemporânea [em inglês, We Sinful Women, 1991] traduzida e organizada por Rukhsana Ahmad.

“Não é surpreendente que, quando as mulheres passaram a usar o meio [da poesia] para transmitir questões reais e contemporâneas, elas tiveram de abandonar as formas mais convencionais e as imagens tradicionais de mulheres, e tiveram de buscar possibilidades de alargar a linguagem”, diz Rukhsana na antologia. Sobre a poesia de Kishwar, diz que “sua escrita se tornou cada vez mais política, desenvolvendo-se rapidamente, em parte, devido à sua determinação em expandir o seu trabalho e, em parte, como resposta ao clima político no Paquistão”.

Kishwar foi editora da revista literária Mahe Naw e também foi a responsável pela tradução do livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, para o urdu. Ao longo de sua trajetória, recebeu homenagens e prêmios em reconhecimento à sua contribuição literária. Publicamos no Capire seu poema “Para os líderes de países de clima frio” no idioma original e em quatro idiomas, com traduções inéditas para o português e o francês. Perguntada sobre o que a impulsionou para escrever o poema, Kishwar nos disse:

“Quando me recordo do poema, vejo como ele reflete as opiniões dos colonialistas britânicos, que escreveram em muitos lugares que pessoas do terceiro mundo nunca ultrapassariam suas necessidades básicas e políticas por terem crescido em climas muito quentes. Essas e outras observações depreciativas sobre as nações pobres despertaram em mim uma raiva contra a forma como eles nos descrevem e nos humilham. O poema foi escrito nos anos 80. O Paquistão estava tendo outra onda infernal de políticas militares, com leis severas aplicadas contra as mulheres. Essas mesmas leis estão vigentes até hoje.”

Para os líderes dos países de clima frio

Meu país é tórrido
talvez por isso, sinto minhas mãos quentes
Meu país é tórrido
talvez por isso, meus pés queimam
Meu país é tórrido
talvez por isso, tenho erupções em meu corpo
Meu país é tórrido
talvez por isso, o teto da minha casa derreteu e desabou.

Meu país é tórrido
talvez por isso, meus filhos passam sede
Meu país é tórrido
talvez por isso, ando despida.

Meu país é tórrido
talvez por isso, ninguém conhece as nuvens que trazem as chuvas
nem as enchentes que destroem.
E, para arruinar minhas colheitas, às vezes agiotas, às vezes bestas selvagens, às vezes calamidades
e, às vezes, autoproclamados líderes aparecem.

Não me ensinem a odiar meu tórrido país
Me deixem secar minha roupa molhada nesses quintais
me deixem plantar ouro nesses campos
me deixem matar minha sede nesses rios
me deixem descansar na sombra dessas árvores
me deixem vestir essa areia e enrolar-me nessas distâncias.
Não quero o abrigo da sombra dos raios chuvosos
Eu tenho o apoio dos raios do sol nascente.
O sol fez sua energia acessível para meu país
o sol e eu
o sol e vocês
não podem caminhar lado a lado.
O sol me escolheu para lhe fazer companhia.

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¹ O urdu é um idioma formado sob influência persa, turca, árabe e indiana, falado principalmente no sul da Ásia.

Tradução do poema por Helena Zelic, a partir da versão em inglês de Rukhsana Amhad.

Revisão da tradução por Aline Scátola.

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