Monocultura de dendê: as mulheres resistem à violência do agronegócio

30/11/2021 |

Por Capire

Leia e ouça a contribuição de Marié Crescence no webinário “Lutas antissistêmicas para viver sem violência”

RADD, 2017.

É preciso dizer que, desde a independência, as empresas se estabeleceram nos Camarões e, junto dos programas de adaptação estrutural impostos pelas instituições de Bretton Woods, os Estados foram forçados a privatizar essas grandes plantações. Elas passaram para as mãos das empresas privadas, que são sociedades puramente capitalistas. Até hoje, são essas empresas privadas que geram grandes plantações de palmeiras de dendê por toda a África. Temos cerca de três milhões de hectares de palmeiras de dendê que foram plantados em terras que pertencem à população, e as consequências são mais sofridas pelas mulheres.

As mulheres rurais primeiro perderam suas terras, que eram seu principal recurso. É a mulher quem precisa produzir comida para a família, para a sociedade. Quando perde sua terra, ela já não pode mais praticar sua agricultura, já não pode produzir alimentos para alimentar sua família, vender parte da sua produção e ter uma pequena renda. Esta já é uma violência muito grande para ela, porque ela tem que fazer de tudo para encontrar algo para comer e um meio para sobreviver com sua família.

Junto com as plantações, as mulheres também perderam a água. Água é vida. Era nessas águas que elas tinham tanques para pescar peixe e era com isso que elas conseguiam fazer economias, vendendo os peixes para obter alguma renda e poder enviar seus filhos para a escola. Elas perderam tudo, porque hoje a água está poluída por pesticidas, por produtos químicos que são despejados em plantações, e não podem mais consumi-la. Como elas já não podem mais utilizar a água, não existe uma compensação real. As empresas não foram obrigadas a perfurar poços para garantir que essas mulheres pudessem obter água potável, o que ainda acarreta outras doenças.

As mulheres também perderam a floresta. As plantações destruíram todas as florestas e era lá que elas obtinham produtos florestais não madeireiros que elas podiam colher, processar e vender para ganhar dinheiro. Era lá que elas estavam construindo sua economia. Elas também perderam tudo o que havia como medicamento, devido à instalação dessas agroindústrias. Foi tudo cortado. As mulheres também perderam o ar puro para respirar, porque atualmente ele está constantemente poluído.

Nós entramos na casa de uma família, fomos até lá a trabalho. Havia formigueiros, aglomerados de moscas e insetos colados em nós, em nossas roupas, na comida. Tudo isso são violências a que as mulheres estão sujeitas. Problemas causados por empresas capitalistas cujo único interesse é produzir lucros e que não querem ver o que está acontecendo ao seu redor. As mulheres também perderam a liberdade de ir e vir.

As violências da agroindústria

As empresas criaram grandes buracos que estão a quatro metros de distância e de profundidade, e as mulheres não têm mais o direito de acessar as plantações. As empresas recrutaram militares que se instalaram por toda parte. Quando saem do quarto de manhã, as mulheres encontram soldados à porta. Esses soldados vêm até suas cozinhas para ver se elas colheram nozes porque eles consideram que as nozes das palmeiras que as mulheres usam vêm de suas plantações, sendo que as mulheres também têm plantações de palmeiras de dendê. Mulheres perderam bebês em suas barrigas simplesmente porque os militares abusaram delas. Mulheres foram ameaçadas porque estavam em posse de nozes das palmeiras.

O que é ainda mais difícil de aceitar é o acesso à plantação. As mulheres já não têm outros meios, não têm outra oportunidade de viver e sobreviver, a não ser entrar na plantação. Para isso, elas são obrigadas a negociar a entrada na plantação, e durante essas negociações, chegam ao ponto de ter que oferecer seus corpos, prostituir-se para poder acessar as terras e colher os cogumelos que cresceram, para coletar os produtos florestais. A violência sexual acontece em algumas famílias onde as mulheres chegam a ter até oito filhos.

Elas receberam vários homens que voltavam da plantação, e também em suas casas. Se as suas filhas forem até as plantações, terão a mesma relação com o homem, simplesmente porque querem ter acesso à plantação para poderem sobreviver. É uma violência imensa, que leva a muitos divórcios dentro das famílias, porque as pessoas não podem continuar a viver em um ambiente familiar ruim.

Da mesma forma, elas perdem a dignidade. Se transformam em ladras. Eles vão roubar, seus filhos vão roubar e até seus netos já estão roubando. Isso não é digno, elas estão perdendo a esperança. Quando nós chegamos na casa delas, eles não sabiam o que fazer. Elas estão sem saída e isso também é mais uma violência contra elas. São violências inimagináveis. Elas se sujeitam a essas violências porque têm de levar comida para casa. É o papel delas. Elas precisam mandar seus filhos para a escola. Estão até perdendo sua própria cultura. Plantações foram feitas em locais sagrados, considerados muito importantes, e que faziam parte dessas mulheres. Tudo foi destruído junto com as plantações.

Há também muita violência física. Eles são ameaçadas de prisão simplesmente porque carregam nozes em suas bolsas. São nozes que elas precisam consumir, estão na base de sua dieta. Nessas regiões, uma mulher não pode ter uma noz de palmeira em casa. Se tiver, é porque a roubou e é provável que seja condenada pela justiça. Uma vez que a polícia prende uma delas, as outras são obrigadas a ir até para poder negociar. E toda a família é forçada a se mobilizar, seja de dentro do país ou fora dele.

A família virá para salvá-la, ou enviará dinheiro para subornar os policiais. Essas mulheres não têm a ajuda dos líderes da cidade, ou da sua administração, porque as administrações também estão subordinadas a essas empresas. A mulher, portanto, encontra-se abandonada a si mesma. É assim nos Camarões, no Gabão, na Costa do Marfim, em todos esses países que estão envolvidos com as agroindústrias de óleo de palma e de cana-de-açúcar. As mulheres estão fadadas a terem todas o mesmo destino, mas elas não desistem.

Estratégias feministas

Começamos a organizar essas mulheres, a dizer que elas precisam se levantar e se defender. Elas não vão continuar assim. Hoje, por meio das mídias, elas têm a oportunidade de denunciar, de agir, de apresentar queixas, de construir redes que são muito importantes. Desde que estou neste webinário, já se falou sobre esta rede que tem de começar no nível das cidades e estamos construindo uma rede forte, em nível local, que possa agrupar uma região, ou até chegar ao nível continental. Continuamos aproveitando a oportunidade desta reunião de hoje e pensamos que um dia teremos essa rede que será construída em nível global e que poderá levar as queixas das mulheres a outros níveis, para que elas possam ser libertadas de todos esses abusos, de toda essa violência.

As mulheres apresentam queixas, organizam parcerias e alianças entre si, e é isso que nos fará sair desta situação. Aproveito esta oportunidade para agradecer à Aliança Informal Contra as Plantações Industriais de Óleo de Palma. Pouco a pouco, conseguiremos construir essa pirâmide para que o problema das mulheres seja realmente levado em conta, elas têm que ser corajosas e muito firmes para acabar com todas essas frustrações e toda essa violência.

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Marié Crescence Ngobo é membra da Aliança  Informal Contra as Plantações Industriais de Óleo de Palma. Ela coordena a Rede de Atores do Desenvolvimento Sustentável (Réseau des Acteurs du Développement Durable – RADD) nos Camarões. Este artigo é uma transcrição de seu discurso no webinário “Lutas antissistêmicas para viver sem violência”, promovido pelo Capire em parceria com a Marcha Mundial das Mulheres, Via Campesina e o Movimento Global pelas Florestas Tropicais, em 18 de novembro de 2021.

Edição de Bianca Pessoa
Tradução do francês por Andréia Manfrin Alves

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