No dia 15 de abril de 2023, uma nova crise estourou no Sudão entre as tropas de Abdel Fatah al-Burhan, líder do exército do país, e Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como “Hemedti”, comandante do grupo paramilitar chamado Forças de Apoio Rápido (FAR). O conflito começou depois que os antigos aliados tiveram discordâncias com relação aos planos de integrar as FAR no exército oficial, uma das condições para a transição democrática sudanesa que começou em 2019. Naquele ano, o país foi abalado pela maior onda de protestos de sua história, que culminou na destituição do líder autoritário Omar al-Bashir, que estava na presidência havia quase 30 anos. Foi um processo para instituir uma democracia no país.
Um grupo de advogados comprometidos com um governo civil e com direitos civis chegou a um acordo com relação a um quadro jurídico, o que significa uma Constituição de transição com arranjos civis para negociar com os militares e estabelecer um Estado civil. Esse acordo tinha novas regulações contemplando questões e temas diversos, como uma justiça de transição, um conselho de segurança, o exército e outras questões relacionadas ao período de transição. O que deveria acontecer com os militares no período foi descrito nas regulações do Secretariado de Segurança, que exigia que o exército nacional, as milícias e outros grupos armados fossem dissolvidos e passassem por um processo de desarmamento.
Os dois generais — do exército e das FAR — foram os principais responsáveis pelo golpe de Estado de outubro de 2021. Todos os processos de transição que estavam ocorrendo no momento foram interrompidos e eles tomaram o poder após prenderem o então primeiro-ministro civil interino Abdallah Hamdok. Recusaram-se a pedir exoneração e aceitar medidas para entregar o poder. Os militares enfrentaram com assassinatos e prisões todas as manifestações democráticas e a oposição apresentada por diferentes grupos de jovens e da sociedade civil. Mesmo assim, as lutas contra esses grupos militares continuam.
As Forças de Apoio Rápido foram criadas em 2013 pelo Partido do Congresso Nacional, para serem utilizadas sobretudo como força do regime instituído, mas também para garantir a segurança do ditador al-Bashir. O grupo se desenvolveu e se tornou uma força à parte, com regulamentos próprios, armas avançadas importadas de outros países, controle das minas de ouro da região de Darfur e um contingente estimado de 150 mil soldados. O exército nacional não tinha autoridade nenhuma sobre as FAR.
O acordo sobre o quadro jurídico previa que o grupo das FAR deveria ser integrado ao exército nacional. O líder do exército, al-Burhan, afirmou que esse processo levaria dois anos. O líder das FAR, Hemedti, não concordou, afirmando que a integração deveria levar entre 10 e 15 anos. A partir dessa divergência, os dois iniciaram uma briga, em um plano para assumir o poder e controlar o país e seus recursos como força independente. A violência que estamos vendo desde 2023 é resultado da rivalidade entre esses dois homens e seus exércitos.
Com a irrupção do conflito, as pessoas se tornaram vítimas. Sofrem com a escassez de alimentos e o aumento das doenças, enquanto membros das FAR invadiram diversas cidades pelo país, incluindo a capital, Cartum. Eles atacam, saqueiam e matam pessoas dentro de suas próprias casas.
DESTAQUE: É tudo desumano. As principais vítimas do grupo são mulheres e crianças, e há muitos casos de estupro. Recebemos denúncias de mulheres que são escravizadas em Darfur. Estão destruindo cidades e povoados, hospitais e outros lugares públicos. Até o momento, todas as tentativas de negociação pela paz e por um cessar-fogo fracassaram.
Para fugir da violência das FAR e das milícias, as pessoas estão sendo expulsas para outros estados ou migrando para fora do país. O povo sudanês está enfrentando um desafio imenso, pois está sendo obrigado a migrar, mas não tem recursos para ir para lugar nenhum. Em muitos países, como no Egito, as leis são restritivas e é difícil entrar. Muita gente está morrendo na fronteira com esses países à espera de um visto.
Um conflito com motivações econômicas
O aspecto econômico desse conflito é evidente: os militares e as FAR estão competindo pelo controle do país, rico em recursos naturais. As FAR controlam regiões ricas, especificamente no oeste do Sudão, onde há minas de ouro. O controle da região foi concedido pelo governo militar quando o grupo ainda era responsável pela segurança de Al-Bashir. Eles lucraram, se expandiram e se beneficiaram de todas as maneiras possíveis com a extração e exportação desse ouro, sobretudo para os Emirados Árabes Unidos. O líder das FAR, também responsável pela mineração, tinha uma empresa responsável pela exportação de ouro do Sudão. Ele enriqueceu muito, e as pessoas estão tentando chamar atenção para essas práticas de corrupção da exploração e do controle dos recursos.
Nossa demanda é pelo desfinanciamento e desarmamento das FAR e por sua reintegração civil.
Omayma Elmardi
O exército, por outro lado, é associado ao Partido do Congresso Nacional e tem seus próprios interesses econômicos. Governou o Sudão durante 30 anos e teve envolvimento em práticas de todo tipo de corrupção que possibilitou seu enriquecimento. Os líderes do partido enriqueceram muito e suas fortunas foram guardadas em bancos internacionais na Turquia, na Malásia e em outros países. A maioria dessas pessoas mora nesses lugares e desfruta da vida com a família e o dinheiro do povo sudanês.
Além do conflito direto entre as FAR e o exército, outras partes estão envolvidas no nível internacional. Chade, Níger, Mali, República Centro-Africana, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estão diretamente dentro do conflito. Os Emirados forneceram armas e a Líbia, homens para as FAR.
Enquanto continuarem a lucrar com recursos sudaneses, esses países continuarão a apoiar o conflito.
Omayma Elmardi
Luta por democracia
O país está dividido entre partidos políticos e grupos que lutam pelo estabelecimento de uma democracia, e outros que apoiam os militares. No entanto, durante muito tempo as organizações da sociedade civil lutaram para derrubar o regime autoritário que estava no poder. Foi isso que vimos em dezembro de 2018, com a revolução. E elas continuam lutando.
As mulheres estão envolvidas em inúmeras organizações, trabalhando em diferentes áreas para dar apoio a outras mulheres em zonas de conflito. O trabalho inclui o oferecimento de serviços básicos, apoio na educação e na saúde e organização de capacitações em liderança e direitos humanos para fortalecer as mulheres. As mulheres estão em luta para alcançar a paz e contra a violência que sofrem em seus territórios, e também institucionalmente.
A luta continua, pois muitas redes de mulheres estão tentando engajar mais pessoas no processo que está ocorrendo pela paz, incluindo a realização de campanhas nacionais e internacionais para pressionar as duas partes. As mulheres estão se articulando para participar das negociações pela paz, para garantir que a agenda das mulheres seja contemplada. Defendemos que o acordo pela paz deve envolver todas as partes do Sudão.
A Marcha Mundial das Mulheres está atuando nessa luta, apesar do fato de que algumas de suas integrantes tenham tido que fugir do país. As mulheres que continuam no país estão tentando organizar o trabalho humanitário, para se comunicar e defender nosso povo, ativando o apoio feminista em petições e mensagens que promovem a sensibilização com relação ao conflito.
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Omayma Elmardi integra a Marcha Mundial das Mulheres no Sudão e vive hoje no Egito. Para saber mais sobre o contexto do conflito no Sudão, leia nosso artigo que explica o golpe de 2021.
Idioma original: inglês