Eleições no Brasil: a disputa por um projeto popular, feminista e democrático

08/09/2022 |

Por Adriana  Vieira

A militante Adriana Vieira analisa as lutas feministas na defesa da democracia brasileira

Elineudo Meira, 2022

Dia 02 de outubro de 2022. Essa data será decisiva para derrotar Jair Bolsonaro e encerrar o governo de extrema direita que golpeia o Brasil desde 2019. Eleger Luiz Inácio Lula da Silva como presidente na próxima eleição é fundamental para retomar a relação do país com a América Latina e contribuir para enfraquecer o eixo de extrema direita que vem se estreitando entre Brasil e Estados Unidos. Com Lula eleito, o Brasil se junta a México, Argentina, Bolívia, Peru, Honduras, Chile e Colômbia na luta por uma América Latina forte e democrática.

Se a vitória de Lula é importante para a região, no Brasil, essas eleições são decisivas para as mulheres, para a população LGBTQIA+, para as pessoas negras e para todo o conjunto da classe trabalhadora do campo e das cidades. As militantes da Marcha Mundial das Mulheres de todo o Brasil vêm construindo a luta por essa vitória de maneira coletiva e organizada porque queremos mudar radicalmente o nosso país.

Em 2018, já denunciávamos o quão desastroso seria a extrema direita, representada por Jair Bolsonaro, na presidência do país. E desde então as mulheres continuam mobilizadas e organizadas. Realizamos ações de rua em 2019, em 2020 em plena pandemia e seguimos nas ruas mobilizadas em 2021, também com diversas ações de solidariedade. Em 2022, várias ações foram organizadas pelas mulheres, na perspectiva da denúncia de racismo, machismo, homofobia e a violência política que as mulheres parlamentares no Brasil vêm sofrendo de forma mais intensa desde 2018.

Neste ano, nossa maior resposta será nas urnas, elegendo Lula presidente e escolhendo parlamentares que contribuam para a defesa da classe trabalhadora e de um projeto popular, feminista e democrático para o país.

              Nós, mulheres, temos demonstrado com nossa força coletiva – seja a partir dos bairros, das comunidades, dos roçados, a partir de ações de solidariedade e de denúncia nas ruas – que somos capazes de construir um projeto popular, feminista e democrático para o país. É necessário, portanto, que esse projeto seja alicerçado em conjunto com os movimentos sociais e toda a classe trabalhadora. Esse projeto precisa ter a capacidade de recuperar os desmontes que o país vem sofrendo desde 2016, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Portanto, para transformar o país, será necessário construir esse projeto com as bandeiras e a luta das mulheres. Apresentamos algumas dessas bandeiras fundamentais para organizar os eixos desse projeto:

A vida acima do lucro, a sustentabilidade da vida no centro

Esse é um eixo que disputa para onde vão os investimentos do nosso país e quem é visto como gerador de riquezas. A economia feminista é central para orientar a economia, tendo como base relações de respeito, igualdade e reciprocidade. Nesse eixo, é importante adotar ações que valorizem e reconheçam o trabalho das mulheres, que cuidem dos comuns e promovam a agroecologia e a soberania alimentar.

A economia feminista é o que garante a sustentabilidade da vida no centro. Com isso, esse projeto precisa estabelecer uma relação com outras formas de organização da economia, que se contraponham ao lucro e se articulem com experiências de agroecologia e economia solidária. Isso é necessário porque, para garantir a sustentabilidade da vida, é necessário também reorganizar o trabalho reprodutivo e do cuidado, assumido na maior parte do tempo pelas mulheres.

As mulheres trabalham quase 24 horas por dia cuidando de outras pessoas em casa e fora dela. A economia feminista ampliou a visão sobre essa dicotomia entre trabalho produtivo versus trabalho reprodutivo. Por isso, nesse projeto de reconstrução do Brasil, é necessário construir políticas públicas integradas que visibilizem e valorizem o trabalho doméstico e de cuidados, de modo que ampliem a responsabilidade do Estado com o cuidado e a reprodução. Essas políticas incluem educação — de creches e a escolas em tempo integral —, hospitais dia, restaurantes populares com alimentos da agricultura familiar e camponesa, entre outras políticas.

Soberania alimentar para defender a natureza

Depois de sair do mapa da fome, em 2014, a fome voltou a assolar novamente o Brasil no ano de 2022. De acordo com relatórios recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), o número de brasileiros que enfrentam situações de insegurança alimentar chega a 61,3 milhões. Esse grave problema é resultado do desmonte das políticas sociais e das políticas de apoio à agricultura familiar e camponesa, da perda da renda das famílias, da alta do preço dos alimentos e do apoio ao agronegócio. E para retirar novamente o Brasil do mapa da fome, é necessário que esse projeto de reconstrução de país, tenha a reforma agrária e a agroecologia como eixos para construir a soberania alimentar dos povos.

Trata-se de garantir o direito de comer, mas também de produzir e poder ter comida na mesa livre de transgênicos e veneno. Para garantir isso, será necessário retomar e ampliar programas de incentivo à agroecologia e à agricultura familiar e camponesa, tais como políticas de crédito, assistência técnica e garantia de acesso a mercados institucionais. A sustentação desse projeto passa pela valorização dos povos e pelo respeito aos territórios e à biodiversidade, contrapondo-se às transnacionais maquiadas de economia verde.

Por uma sexualidade livre, pela autonomia de nossos corpos e por uma vida sem violência e sem racismo

A violência contra as mulheres cresceu muito durante o governo genocida de Bolsonaro. Assim, outro eixo fundamental na retomada do país é o fortalecimento de políticas de combate à violência contra as mulheres, contra nossos corpos e territórios e, sobretudo, contra as mulheres negras. É necessário implementar políticas que combatam  o racismo que mata e encarcera as pessoas negras do nosso país, que criminaliza quem mora nas periferias das cidades e as nossas lutas. É importante adotar uma política que acabe com o assassinato de indígenas e lideranças camponesas e impeça a invasão e o desaparecimento de seus territórios.

A violência contra mulheres lésbicas, bissexuais, travestis e pessoas trans também foi uma marca dos últimos quatro anos no Brasil. Por isso, exigimos que esse projeto construa fortemente políticas de combate à LGBTfobia e promova ações práticas de igualdade e diversidade. Políticas que desencorajem o uso de armas e desorganizem as milícias urbanas e ruralistas pelo país.

A hipocrisia custou muitas vidas de mulheres, inclusive de crianças, impedidas de interromper uma gravidez indesejada. Também custou a vida de mulheres e meninas vítimas de violência. Nesse aspecto, as mulheres negras foram as mais penalizadas e estão entre as que mais têm o direito ao aborto legal negado e inviabilizado. Desse modo, esse projeto de retomada precisa incluir políticas que acolham meninas e mulheres e as retirem da rota da clandestinidade do aborto. Nesse novo projeto de Brasil, o aborto não pode ser um crime — deve ser um direito.

A construção desse projeto desde as bases

A construção desse projeto já está em curso e está se dando a partir da nossa organização coletiva nas ruas, nas redes, nas florestas e nos roçados. Estamos e queremos continuar construindo esse projeto a partir das nossas lutas e das nossas experiências de resistência e solidariedade nas ruas e em nossos territórios. Esses elementos são fundamentais para garantir a efetivação desse projeto popular, feminista e democrático. Isso passa, portanto, pela continuidade e pelo fortalecimento dos comitês populares, que pautaram as eleições mesmo antes da campanha eleitoral.

Os comitês populares e também os debates postos na campanha eleitoral são um campo fértil para contribuir para a construção de consciência popular. Nessas eleições, as mulheres representam 33,27% do total das candidaturas, o que representa o maior número entre as últimas três eleições presidenciais. Importante também foi o crescimento de candidatas negras. Esse aumento de mulheres na política também dá visibilidade aos casos de violência política contra as mulheres no país, sendo o Brasil um dos países com maior número de casos de parlamentares mulheres que já sofreram violência no exercício do cargo. Sem falar nos casos que ocorrem durante as campanhas, que incluem de ameaças à negação do direito de financiamento de suas campanhas eleitorais.

A Marcha Mundial das Mulheres tem muitas candidatas em diversos estados do Brasil, o que tem contribuído para qualificar as atividades de campanha para além do planejamento e do ato de pedir votos. Essas candidaturas têm transformado suas campanhas em verdadeiras ações de organização e formação da militância para além do contexto de eleições. Os encontros são espaços para discutir textos, vídeos e organizar debates sobre feminismo, racismo, LGBTfobia, movimentos sociais e os elementos que são necessários para a construção de uma sociedade onde caibamos todas nós, mulheres, com nossos sonhos e nossa diversidade.

Portanto, com o período eleitoral e o funcionamento dos Comitês Populares se fortalecendo, aumenta a organização popular e o debate da consciência de classe e da necessidade de um movimento feminista forte e organizado. E para nós, militantes, é reforçada a necessidade de nos fortalecer enquanto movimento, precisando elevar nossa capacidade de auto-organização. Isso será fundamental e muito mais necessário para enfrentarmos as consequências da gestão genocida de Bolsonaro. Além disso, precisamos fortalecer nossa capacidade de propor um projeto feminista, capaz  de atingir toda a classe trabalhadora do nosso país, com as suas diversidades e especificidades, seja nas áreas rurais, nas comunidades indígenas, nas periferias, sejam pessoas negras, lésbicas ou com deficiência.

Editado por Bianca Pessoa
Revisado por Aline Scátola

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