Digitalização da agricultura na África: o que precisa ser feito?

17/12/2022 |

Por Barbara Ntambirweki

As alternativas passam por desenvolver tecnologias a partir dos princípios da agroecologia

Justiça Ambiental/Amigos da Terra, Xai Xai, Moçambique.

O impacto da digitalização nos sistemas alimentares é um problema que vem tomando forma em toda a África. A digitalização da agricultura tem sido retratada por governos e empresas do agronegócio como uma força propulsora para acelerar a transformação digital. Na África, nossos sistemas alimentares não são exceção à tendência da conversão digital: as atividades que envolvem plantar, cultivar, processar, embalar, transportar, consumir e distribuir alimentos já estão ficando dependentes das dessas tecnologias.

Estamos testemunhando na África o rápido surgimento de aplicativos de celulares oferecidos por empresas de agrotóxicos a agricultoras e agricultores com o pretexto de que esses aplicativos vão auxiliar na tomada de decisões sobre o que plantar, quanto agrotóxico aplicar e o que cultivar. Essa abordagem high tech é muito desconexa das realidades da agricultura de pequena escala, que constitui a espinha dorsal de muitas economias africanas. A população global conectada à internet continua a crescer a uma taxa alarmante, passando de 3,4 bilhões em 2016 para 5,2 bilhões em 2021. O crescimento acelerado da internet na África tem facilitado o surgimento de tecnologias digitais nos sistemas alimentares do continente1. Um relatório publicado recentemente  sugere o número de 33 milhões de usuários registrados em 2018, 13% dos quais eram pequenos/as agricultores/as da África Subsaariana, número que deve chegar aos 200 milhões nos próximos anos.

Os aplicativos de alta tecnologia digital devem seguir os primeiros apps introduzidos e incluir, entre outros, tratores sem operadores e drones equipados para pulverizar agrotóxicos – tecnologias cujo desenvolvimento não leva em consideração pequenos/as agricultores/as. O principal objetivo dessas empresas digitais do agronegócio é integrar milhões de pequenos/as agricultores/as a uma ampla rede submetida a um controle central. Quando a agricultura de pequena escala for incorporada à rede, os agricultores e as agricultoras sofrerão pressão cada vez maior para comprar os produtos dessas empresas (insumos, maquinário e serviços financeiros) e fornecer a elas commodities agrícolas para serem revendidas em seguida.

Não só os agricultores e agricultoras que trabalham em escala comercial, mas também aqueles/as na agricultura de subsistência já estão utilizando tecnologias digitais.  A tecnologia digital pode ser aplicada em toda a cadeia de fornecimento com base em princípios da agroecologia para as comunidades. A agroecologia vem sendo cada vez mais reconhecida como a arte do cultivo sustentável, em que as agricultoras e os agricultores assumem o palco central e seu conhecimento e suas habilidades são indispensáveis.

A noção de que aparatos tecnológicos vão resolver todos os nossos problemas não passa de uma falácia.

Precisamos colocar as pessoas que cultivam a terra acima dos lucros e abraçar e promover tecnologias desenvolvidas conforme os princípios da agroecologia.

Barbara Ntambirweki é advogada e ativista em Uganda e integrante do grupo ETC.

  1. Dr. Nina Rismal; Doing Development Digitally: Scoping paper on Digitalization, food systems and Development [Desenvolvimento por meios digitais: Estudo sobre digitalização, sistemas alimentares e desenvolvimento (tradução livre)] []

Tradução do inglês por Rosana Felício dos Santos

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