Furacões, pandemia, dívidas e violência: contra o quê lutam as mulheres de Honduras

14/01/2021 |

Yamileth Gonzales

Yamileth Gonzáles fala sobre a situação das mulheres hondurenhas frente à pandemia e os furacões recentes.
Yamileth Gonzáles al centro de la foto, junto a sus compañeras en una manifestación, sosteniendo una pancarta de las Mujeres Socialistas de Honduras, por sororidad y lucha.

Foto/Photo: Gilberto Ríos Munguía

Diante da pandemia e dos fenômenos naturais Eta e Iota, nós, mulheres hondurenhas, estamos vivendo uma situação precária, mas estamos começando uma nova luta contra a história da invisibilidade de nossos direitos

Honduras está passando por uma situação muito difícil, que vem se agravando desde março de 2020. Devido à pandemia, estávamos e ainda estamos em confinamento, o que muitas vezes significa estar sob o mesmo teto que nossos agressores. Dentro de casa, assumimos muitas responsabilidades com nossos filhos e filhas, e cuidamos de todos, sejam eles parentes ou vizinhos. As mulheres assumiram a responsabilidade pelo acompanhamento educacional de seus filhos em casa, o que implicou em dificuldades no uso da tecnologia e no acesso à internet. Agora, também há vítimas dos furacões Eta e Iota, que se encontram em situação precária devido ao impacto desses ciclones tropicais.

Além disso, no último ano em Honduras, mais uma vez vimos como a desigualdade, a pobreza, a corrupção e a violência fazem com que nossos compatriotas migrem em busca de uma vida melhor, à custa de sua própria segurança. O regime do presidente Juan Orlando Hernandez (JOH) acredita que pode deter as pessoas que tentam migrar através do bloqueio da fronteira e aumento do aparato militar, para que nosso povo não passe pelos postos de controle na fronteira com a Guatemala. Ainda assim, as pessoas continuam buscando maneiras de deixar o país por causa da situação precária. Muitas delas perderam suas casas e estão deixando o país com seus filhos nos braços; são famílias inteiras que estão abandonando o país.

Violência contínua

Ao longo de 2020, a linha direta para denunciar casos de violência doméstica (911) recebeu mais de 70 mil ligações. O estado que registra o maior número de chamadas é o de Cortés, que corresponde justamente ao mais afetado pelas tempestades tropicais Eta e Iota. De acordo com dados do Centro de Direitos das Mulheres, que também tem visitado os abrigos de acolhimento do país, há um registro de mais de 37 mil ligações por denúncias de violência doméstica, o que representa uma média de 3.711 casos por mês, e 517 ligações por denúncias de violência sexual.

Soma-se a isso os efeitos dos furacões: há dez mil pessoas em abrigos superlotados, enquanto muitas pessoas estão nas ruas por não terem conseguido resgatar suas casas. Os abrigos não possuem as condições mínimas para que as mulheres e crianças permaneçam nos espaços durante a emergência. Fizemos uma incursão nos abrigos da região Norte do país um mês após o desastre. Lá, as mulheres têm que dividir os banheiros com os homens sem nenhuma divisão. Organizações como a Associação Qualidade de Vida (Asociación Calidad de Vida), que atua no atendimento às vítimas de violência no país, o Movimento de Mulheres pela Paz Visitación Padilla (Movimiento de Mujeres por la Paz “Visitación Padilla”, nome em homenagem à militante feminista hondurenha de mesmo nome) e o Centro de Direitos de Mulheres da Região Norte (Centro de Derechos de Mujeres de la Zona Norte) visitaram os abrigos para apurar as denúncias de assédio sexual, cometidos principalmente contra meninas.

A pandemia e os furacões aumentaram a violência contra as mulheres.

Para as mulheres que perderam suas casas, esta dura realidade é agravada pela violência estatal que vem se intensificando no país há anos e se reflete na migração. 

Mais uma vez, está sendo anunciada uma caravana migratória para as pessoas que perderam tudo aqui devido às tempestades. Tem sido divulgada a falsa ideia de que, com a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos, a situação nas fronteiras será flexibilizada e os EUA darão empregos e vistos a todos. E as pessoas arriscam tudo porque não tem nada a perder em seu país, já que perderam suas casas e seus meios de subsistência. Muitas estão vivendo na beira das estradas. É chocante ver as imagens das caravanas, onde as mulheres aparecem carregando uma criança em cada braço.

Os furacões Eta e Iota afetaram três milhões de pessoas. Entre os afetados, 15,2% são idosos e 34,5% são crianças. A combinação da pandemia de covid-19 e a passagem do Eta e Iota, sem nenhuma medida de segurança, gera uma realidade brutal. Alguns dos insumos hospitalares comprados no começo da pandemia ainda não chegaram ao país. Os testes rápidos não estão mais sendo realizados porque não há materiais disponíveis, o que significa, em termos concretos, um retrocesso na atenção à saúde.

As tormentas do capitalismo

É o povo quem está respondendo às emergências decorrentes da pandemia e dos furacões, porque o Estado não se responsabiliza e está praticamente saqueado. São milhões e milhões de dólares destinados a uma dívida pública que nós, nossas filhas e filhos, devemos pagar. Estão sendo realizadas campanhas e protestos cujo mote é “Onde está o dinheiro? Onde estão os hospitais?”. A previdência social, que é uma entidade para a qual todas e todos os trabalhadores contribuem, não está mais oferecendo atendimento no serviço de saúde público para pessoas com covid-19. O hospital que costumava receber pessoas com dificuldades cardiopulmonares também está saturado. A situação está se agravando.

Ouvimos dizer que janeiro será um mês difícil devido ao aumento de casos na região Norte, por causa da situação dos abrigos após as enchentes. Muitas pessoas não podem voltar para suas casas porque estas estão imersas em lama, que alcançam até o telhado. Em dezembro, havia 76 mil pessoas nos abrigos, 180 mil evacuados e 184 mil pessoas isoladas porque as pontes e estradas, utilizadas também para transportar alimentos, foram destruídas. Muitos camponeses perderam suas terras porque, com as enchentes, elas se tornaram um rio em que nada mais pode ser cultivado. As organizações que fazem parte da Via Campesina e do Conselho para o Desenvolvimento Integral da Mulher Camponesa (Consejo para el Desarrollo Integral de la Mujer Campesina — Codimca) estão realizando ações de solidariedade junto às companheiras que perderam suas casas, meios de subsistência e cultivos. A solidariedade feminista e de classe é permanente, sólida e muito diferente do assistencialismo de plantão, que leva um saco de feijão e arroz para o povo só para tirar uma foto.

A fome no país chegará com ainda mais força. A resposta do governo é apenas de que conseguirá mais empréstimos. Em dezembro, foram aprovados US$ 90 bilhões em empréstimos do Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE), supostamente para “reativar a agricultura” no país. Antes, mais de 4 bilhões de lempiras [moeda local] tinham sido destinados aos militares para incentivar a agricultura, e continuamos perguntando: onde está esse dinheiro? Nenhum apoio foi destinado às camponesas e camponeses, pelo contrário, estes são os mais esquecidos.

O desemprego, a criminalização e os despejos também estão aumentando. Os empresários falam que seria catastrófico aumentar o salário mínimo neste momento, sendo que o último aumento que concederam há muitos anos corresponde a duzentos lempiras (menos de US$ 10), ou seja, cerca de 3% do atual salário mínimo, de 6.762 lempiras (aproximadamente US$ 278).

Os cuidados para evitar a propagação de covid-19 diminuíram após as tempestades. O aumento da circulação levou a um aumento no número de casos. A falta de testes resulta na falta de dados, mas estamos vendo que muitas pessoas próximas a nós estão sendo infectadas e até mesmo perdendo suas vidas. Também vemos o aumento dos casos nos Estados Unidos e em outros países porque dizem que dezembro é um “bom mês para a economia”. Eles colocam sua visão monetarista da economia acima das nossas vidas. Isto também explica a manutenção das Zonas de Desenvolvimento Especial (ZEDEs). Essas zonas no território hondurenho funcionam com autonomia política, jurídica, econômica e administrativa, com base no livre mercado, e correspondem concretamente a uma entrega do território hondurenho e bens comuns do país ao capital estrangeiro. Essas atividades não foram paralisadas. Apesar de serem tempos de pandemia e furacões, eles continuam avançando com seus processos de despossessão, expulsão e criminalização do nosso povo.

Muitas pessoas foram assassinadas por fazerem oposição aos golpes de Estado e à fraude eleitoral de 2017. Aqueles que defendem a água, a terra e o território estão sendo criminalizados. Nove companheiros estão presos há mais de um ano, sem nenhum julgamento até agora. O país segue na trilha da despossessão e envia pessoas ao exterior para trazer de volta as remessas (moeda estrangeira). Em 2019, durante os atos que denunciavam a tentativa de privatização da educação e da saúde no país, o estudante Rommel Valdemar Herrera Portillo, preso político, foi julgado e considerado culpado como cúmplice do incêndio provocado na entrada da embaixada dos Estados Unidos em junho daquele ano. A audiência de individualização da pena está marcada para 15 de janeiro e, até lá, ele não tem permissão para voltar para casa.

Ao mesmo tempo, aqueles que roubaram milhões de lempiras no país estão em liberdade. Não se trata de um Estado falido, mas de um Estado que funciona apenas para alguns.

Diante da pandemia e dos fenômenos naturais Eta e Iota, nós, mulheres hondurenhas, estamos vivendo uma situação precária, mas estamos começando uma nova luta contra a história da invisibilidade de nossos direitos. O ano de 2021 promete ser muito difícil e, portanto, será um ano de muita luta. O Estado hondurenho não está preocupado com a vida das mulheres. Cabe a todas nós juntar forças para sobreviver a tanta violência capitalista e patriarcal e conquistar tudo aquilo que sonhamos enquanto mulheres.

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Yamileth Gonzales é integrante do Movimento Socialista de Mulheres de Honduras e participa da Plataforma 25 de Novembro, que reúne diversos coletivos feministas do país. Ambas as organizações fazem parte da Marcha Mundial das Mulheres.

Traduzido do espanhol por Luiza Mançano

Texto originalmente escrito em espanhol

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