Sabemos que os sistemas opressores organizam nossa existência, mas eles não são inerentes à natureza humana. Nenhum ser humano nasce opressor ou explorador; isso é algo que as pessoas aprendem ao longo do tempo observando diferentes áreas e aspectos da vida e como as coisas são organizadas na sociedade. As pessoas não nascem opressoras, elas aprendem a ser assim e obedecem ao sistema conforme crescem e entram nesse mundo orientado pelo lucro que prioriza o acúmulo de posses acima de tudo.
É daí que vem a ideia de se buscar um meio alternativo. A construção de uma economia feminista como um novo modelo para a sociedade deve ser vista como um processo coletivo que procura desenraizar o atual sistema em que vivemos. Trata-se de criar um mundo que funciona para todas as pessoas. Quando falamos em construir uma economia feminista, não queremos dizer criar um mecanismo que funcione somente para as mulheres, mas sim criar um ambiente que seja justo para todas as pessoas do mundo. Um ambiente seguro para as mulheres e também para os homens, que cuide de nossas comunidades e de nossos direitos de autonomia… para todas as pessoas!
O mundo todo precisa de uma nova ordem, e a ordem que queremos não é uma cópia da ordem que temos hoje, mas uma completamente nova. A ideia de construir uma economia feminista é uma iniciativa internacional. Mas por que deveríamos construir uma economia feminista? Por que deveríamos lutar por isso? Acho que todos e todas conhecem Thomas Sankara. Nas palavras dele, uma verdadeira revolução só acontece com a libertação das mulheres. Essa é a raiz de tudo. É por isso que precisamos construir uma economia feminista. Se sonhamos com uma revolução, devemos saber que ela somente será real e completa se as mulheres não forem deixadas para trás. Por meio da economia feminista, tentamos enxergar um mundo livre da opressão, livre da exploração.
Na Tanzânia, diferentes movimentos e organizações locais procuram formas de construir alternativas que contribuam para a economia feminista. Na agricultura, as mulheres que vivem no campo estão tentando produzir com base nas práticas agroecológicas, ao mesmo tempo que defendem os valores da soberania alimentar. Produzimos alimentos para alimentar nossas comunidades locais. Produzimos alimentos reafirmando que se trata de um direito e não um produto. Mas também produzimos alimentos enquanto protegemos nosso ambiente e nosso próprio eu, nossas fazendas e nossas terras. Nessa nova ordem que queremos construir não cabe a ideia de que o alimento é meramente um produto.
Avançamos muito na cooperação de nossas sociedades rurais por meio da economia solidária, onde temos o que chamamos de bancos comunitários das vilas. Existem diferentes modelos desse tipo de banco, muitos dos quais são exploratórios. Mas em nossa organização, estamos tentando usar um modelo que prioriza ações solidárias a fim de garantir que os grupos se tornem mecanismos de ajuda mútua e uma melhor alternativa aos bancos comerciais. Os bancos comunitários das vilas são dessa forma estabelecidos para ajudar as mulheres e as comunidades. Nas zonas rurais, eles são uma alternativa ao modelo dos bancos comerciais, que são exploratórios por natureza e não consideram as pessoas pobres, como eles chamam, de beneficiárias em potencial.
Há muitos lugares no país alvo do turismo, o que tem degradado o meio ambiente e explorado as culturas indígenas. Mas, como uma alternativa, temos na Rede Nacional de Grupos de Pequenos Agricultores na Tanzânia [Mtandao wa Vikundi vya Wakulima Tanzania – MVIWATA] o ecoturismo e o turismo rural, em que as pessoas são recebidas nas fazendas por uma família anfitriã de agricultores e agricultoras. Como visitante, a pessoa passa um tempo lá, aprende sobre a cultura local; os agricultores e as agricultoras aprendem sobre a cultura dos visitantes. A pessoa que é recebida na fazenda aprende as práticas de cultivo realizadas na região, principalmente a agroecologia, e, em troca, paga à família anfitriã e à rede local pelos serviços.
A agroecologia é uma solução importante na luta pela justiça climática. E, ainda mais importante, são as ações nas quais nos engajamos. Por exemplo, por que deveríamos plantar árvores quando isso é uma demanda da crise climática criada pelo norte? Nós de fato plantamos árvores, mas não porque recebemos ordens para fazer isso. Plantamos árvores porque temos consciência de nossa dependência da natureza. Sabemos que, apesar das muitas ações que contribuem para as alternativas, ainda enfrentamos muitos desafios; por isso, prosseguimos com a luta pelo que acreditamos.
Theodora Pius é militante da Marcha Mundial das Mulheres na Tanzânia.