As lutas pela paz e contra o terrorismo no Mali

19/04/2022 |

Por Nana Aïcha

Nana Aïcha retoma os acúmulos da Marcha Mundial das Mulheres na luta pela paz e expõe a situação da guerra em curso no Mali

Mali, 2010

Na região do Mali e nos países ao redor, a questão da guerra e dos conflitos armados é diária. Há muito tempo a Marcha Mundial das Mulheres se interessa pela paz e pela desmilitarização. Ela já realizou muitos trabalhos sobre essa questão e eu me envolvi nesse nível também. Foi assim que participamos de ações de solidariedade no Congo para apoiar as mulheres em zonas de conflito. Infelizmente, cerca de dois anos depois disso, meu país se vê na mesma situação que a República Democrática do Congo.

O Mali está em guerra desde 2012. É uma guerra muito difícil de gerir porque ela não é uma guerra convencional. Estamos falando de jihadistas – extremistas religiosos –, de terroristas que traficam armas e drogas. São inimigos que não vemos, mas que estão em nosso território. Nosso exército está se esforçando para combatê-los, mas não é nada fácil, porque eles não sabem onde encontrá-los. Por outro lado, os terroristas sabem onde está o exército do Mali. Por causa dessa situação, hoje, no Mali, temos mais de 30 mil soldados de todos os países do mundo.

Temos a Operação Barkhane, que é o exército francês, e os exércitos de vários outros países da União Europeia. Temos a Minusma [Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para Estabilização do Mali], os Capacetes-azuis, como são chamados, e um grupo militar de soldados de dezenas de países da África, Europa e Ásia. Mas, apesar da presença desse grande lote de militares e dos diversos recursos existentes, a guerra continua. Em vez de melhorar a segurança, estamos vivendo o oposto. No início, quando as tropas estrangeiras se estabeleceram no Mali, a guerra estava nas regiões do Norte, que, em sua maior parte, é o deserto.

Desde 2012 e até agora – estamos em 2022 –, a insegurança se deslocou. Ela invadiu o centro do país e agora está no sul. Toda a região do Mali foi afetada. É isso que faz com que a população não entenda a necessidade da presença de tropas estrangeiras. Dizem que o exército do Mali sozinho não consegue lidar com esse conflito. E é verdade. Mas as tropas estrangeiras que estão aqui e têm mais recursos do que o exército do Mali também são incapazes de lidar com a situação.

Atualmente, temos vários vilarejos que desapareceram do mapa. Os terroristas, os jihadistas estão chegando, eles pegam as pessoas de surpresa. Eles entram nos vilarejos e ateiam fogo, queimam as casas com os habitantes dentro. Eles queimam os celeiros onde estão as provisões do ano para as famílias, quando a colheita já foi armazenada. Quando a plantação está madura, eles incendeiam todos os campos. No entanto, temos no Mali todas essas tropas, com todos os seus grandes recursos. As pessoas estão se perguntando para que eles servem.

Nesse conflito político entre o Mali e a França, as pessoas dizem que os franceses que estão no Mali são eles próprios os terroristas. São eles que armam os terroristas, que os treinam para lidar com as armas. Porque toda vez que os terroristas chegam para atacar, os franceses desaparecem. Não os vemos mais, não sabemos para onde eles voltaram. Eles vieram, criaram o caos, mas não sabemos mais onde estão. O espaço é grande, mas há drones e aeronaves militares. Eles podem ver por imagens de satélite o que está acontecendo, acompanhar o deslocamento de qualquer pessoa. Nós nos perguntamos por que eles não conseguem ver o deslocamento dos terroristas que vêm atacar os vilarejos. Isso significa que eles são cúmplices. É daí que vem a rejeição da presença da França no Mali.

Agora chegamos a um ponto em que a França decidiu retirar suas tropas. Houve um grande conflito diplomático quando o Mali enviou o embaixador francês de volta ao país dele. Há outros países que também estão retirando suas tropas. Os malianos estão felizes com isso, porque a presença deles não é a solução, e a Marcha Mundial das Mulheres sempre denunciou essa situação. As pessoas reconhecem que a presença dos Capacetes-azuis não resolveu a situação. Eles estão aqui há mais de vinte anos.

Nyeleni Forum, 2007

Portanto, a iniciativa da Marcha Mundial das Mulheres e sua posição em relação ao aumento da militarização é real. A Marcha deve continuar a trabalhar nesses aspectos porque, de fato, agora, em vez de desmilitarizar, eles estão supermilitarizados. Por exemplo, 22% do orçamento do Estado do Mali, que já é bastante pequeno, vai para os armamentos. E onde os homens compram as armas? É desses países que dizem que vêm nos ajudar a lutar em conflitos que compramos as armas. Será que eles, em razão de seus interesses, vão querer que a guerra acabe? O Mali, o Burquina Faso e o Níger estão na mesma situação.

Não temos o direito de comprar armas onde quisermos, muito menos de escolher que tipo de arma queremos. Temos um acordo militar com a França, que nos obriga a sempre pedir permissão a ela antes de comprar as armas. É ela quem decide o que compramos, o que não compramos. É por conta dessa situação que os malianos se revoltam hoje e pedem a releitura desse acordo, que eles rejeitam. As autoridades do Mali consideram que esse acordo não é mais válido, porque fizeram propostas de melhoria, mas a França nunca respondeu.

Como resultado, recorremos a outros parceiros para nos ajudar a combater o terrorismo. Em particular, a Rússia, que, desde a independência, sempre foi parceira do Mali em termos militares e de desenvolvimento. Em termos de educação, temos muitos malianos estudando lá. A presença da Rússia também criou outro problema entre o Mali e a França. A França decidiu que a Rússia não viria, mas nós decidimos que ela viria. A partir de agora, vamos chamar o parceiro que pode nos ajudar a terminar com esse problema de terrorismo no Mali.

As mulheres da Marcha trabalham em colaboração com outras organizações. Em nosso contexto, uma única organização não pode trabalhar por conta própria. Nós nos reunimos para enfrentar isso e sermos capazes de lutar como mulheres contra o terrorismo no Mali. Além disso, existe a situação sócio-política que estamos vivendo. Temos uma mudança de regime. O povo foi às ruas para exigir a renúncia do presidente eleito. Os movimentos se intensificaram e o exército chegou a pôr fim ao poder do presidente eleito.

Atualmente, estamos em uma transição militar. Uma situação que a população do Mali acolheu com prazer e que acompanha porque é um militar que está à frente do país. Ele não foi eleito. Mas, pelas ações que ele propõe todos os dias desde que está lá, os malianos sentem que seus interesses estão sendo levados em consideração, e que o país está sendo administrado como eles desejam.

Por outro lado, a Cedeao [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental], uma organização sub-regional da qual o Mali é membro, impôs sanções ao país. Ela fechou as fronteiras com todos os outros países membros da Cedeao, que são 15, administrou a receita do Mali nos bancos e suspendeu a participação dos malianos nos órgãos da Cedeao. Estamos então nessa situação. Felizmente para o Mali, a Mauritânia não é membro da Cedeao, ela se retirou há vários anos. Portanto, a Mauritânia não fechou suas fronteiras conosco. Um pouco como Mali, a Guiné, que também sofreu um golpe de estado e está na mesma situação, diz que não está fechando suas fronteiras conosco.

O Mali é um país sem litoral. Agora usamos o porto da Guiné e o porto da Mauritânia para trazer nossos produtos. O Mali tem sete países ao seu redor, e todos eles são membros da Cedeao. Mas as populações desses países apoiam o Mali. Elas também estão em movimento, fazem manifestações, organizam reuniões para apoiar a população do Mali. Um grupo de senegaleses, mulheres e homens, deixou Dacar (são mais de 1300 km até Bamaco) e caminhou a pé para vir a Bamaco em sinal de solidariedade e apoio ao povo do Mali. Tivemos uma grande reunião e as mulheres se mobilizaram para recebê-los oficialmente.

A Marcha sempre defendeu a solidariedade entre os povos e é isso que está acontecendo em nosso território. Os chefes de Estado estão juntos para punir o povo, mas os povos de todos os países se uniram e estão lutando pela paz e contra a militarização.


Nana Aïcha integra a Marcha Mundial das Mulheres no Mali.

Este artigo é uma versão editada da sua intervenção no diálogo “Mulheres contra as guerras” realizado por Capire a 28 de Março de 2022.

Edição por Bianca Pessoa
Tradução do francês por Andréia Manfrin Alves

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