As armadilhas do agronegócio de dendê na vida das mulheres

24/08/2021 |

Por Capire

Leia um trecho da publicação “Nove razões para dizer não aos contratos com o agronegócio do dendê”.

Em várias partes do mundo, empresas do ramo alimentício fazem acordos com governos em busca de concessões de terra para o plantio de matéria-prima. A indústria do dendê, também conhecido como óleo de palma, está presente em três continentes. Suas ações nos territórios ameaçam a reprodução da vida das comunidades locais, representam um risco aos ecossistemas e ainda geram novos conflitos para as vidas das mulheres agricultoras, que se tornam alvos de violência sexual e patrimonial e precisam trabalhar ainda mais para sustentar a vida da comunidade.

Em uma estratégia de maximizar lucros sem “manchar sua imagem”, as empresas encontraram formas de terceirizar a produção fazendo acordos com comunidades de agricultura familiar, tradicional e camponesa. Esses acordos são armadilhas que ameaçam a soberania alimentar, passando por cima dos modos de vida e da diversidade cultivada nos territórios.

Devido ao impacto dessa indústria nos territórios onde atua, comunidades e organizações ambientalistas têm concentrado forças para resistir e denunciar essas práticas. Nesse processo, o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM) elaborou a cartilha Nove razões para dizer não aos contratos com o agronegócio do dendê, a partir de experiências reais de agricultoras e agricultores da América Latina, África Subsaariana e Sudeste Asiático.

Destacamos abaixo um trecho da cartilha que explica as armadilhas contratuais criadas pelas empresas transnacionais e pelo mercado financeiro. Os acordos podem durar até 30 anos, sendo um mecanismo de controle que aprisiona agricultoras e agricultores em práticas voltadas para o lucro das corporações. Ao longo desse período, as pessoas são obrigadas a produzir frutos de dendê e vendê-los ao preço estipulado pelas próprias empresas, sob o risco de contraírem dívidas e até de perderem suas terras. Essa é uma das razões para dizer não ao agronegócio do dendê. Recomendamos a leitura da cartilha na íntegra, disponível em português, inglês, francês, espanhol e indonésio.


Por que os contratos com empresas são tão perigosos para as pequenas e pequenos agricultores?

Existe um grande desequilíbrio de poder entre as partes. Empresas, governos e bancos gastam muito dinheiro, tempo e conhecimento jurídico redigindo contratos que lhes beneficiem. Eles também descobriram maneiras muito eficazes de fazer com que a outra parte – a pequena ou pequeno agricultor – cumpra as condições estabelecidas no contrato. Por exemplo, se a/o agricultor/a deixar de cumprir os termos, o contrato diz que ela ou ele sofrerá as consequências jurídicas, que podem incluir multas elevadas e até mesmo a perda da terra. Mas não há previsão desse tipo de penalidade ou multa para a outra parte do contrato: empresas, governos e/ou bancos.

As agricultoras e agricultores, por sua vez, têm menos experiência, dinheiro e tempo para dedicar a compreender os detalhes do contrato. Pode ser a primeira vez que uma determinada agricultora ou agricultor assina esse tipo de contrato, ao passo que a empresa provavelmente já assinou centenas ou milhares de acordos parecidos em diferentes partes do mundo. Essa experiência se reflete na estratégia da empresa para fazer com que a/o agricultor/a assine o contrato. 

Os contratos estão cheios de palavras e expressões que não costumam ser usadas pelo povo em geral. Às vezes, estão até redigidos em idiomas estrangeiros. Como resultado, ao assinar os papéis, as agricultoras e agricultores podem nem conseguir ler ou entender completamente o conteúdo.

As empresas costumam apressar as agricultoras e agricultores para que assinem os documentos. Elas não têm qualquer interesse em ajudar a/o agricultor/a a entender os detalhes do contrato, e é por isso que muitas vezes não lhes dão tempo suficiente para buscar orientação de pessoas em quem confiem. Elas sabem: uma vez que o documento é assinado, a/o agricultor/a fica preso ao contrato com a empresa e/ou banco por muito tempo, geralmente 15 a 30 anos. 

Em uma negociação entre agricultoras e agricultores, geralmente o que conta é a palavra dita, e não o que está escrito em um pedaço de papel. O representante da empresa vai explorar esse costume e dizer: “É isso que está escrito no contrato, é só assinar aqui”. Ele evitará mencionar partes do contrato que sejam perigosas ou arriscadas para a/o agricultor/a. E quanto mais perigosas ou arriscadas forem as regras, mais fica confuso ou difícil será de entender o que está escrito. Nenhuma agricultora ou agricultor assinaria se soubesse que essas regras arriscadas também faziam parte do contrato. 

Ao assinar um contrato na condição de membros de um grupo maior (por exemplo, uma associação), as agricultoras e agricultores podem nem perceber que estão assinando algo que os obriga a produzir frutos de dendê exclusivamente para aquela empresa.

Como as empresas de óleo de dendê fazem com que as pequenas e pequenos agricultores assinem o contrato?

A situação que leva a agricultora ou agricultor a estar preso a um contrato de integração geralmente começa com uma visita do representante da empresa de óleo de dendê em sua casa, às vezes acompanhado de uma autoridade local ou alguém com cargo público, como um vereador ou deputado. Depois de inspecionar a terra junto à agricultora ou agricultor, o representante da empresa falará sobre seu programa de integração de pequenos produtores e fará uma oferta de adesão.

A empresa afirmará que a agricultora ou agricultor pode enriquecer se aderir ao programa, que tudo o que ela ou ele tem que fazer é assinar um acordo (o contrato) se comprometendo a plantar dendê para a empresa nas suas terras. Muitas vezes, a empresa promete que a agricultora ou agricultor poderá continuar plantando alimentos em suas terras e se oferece para comprar todos os frutos que os dendezeiros produzirem.

Como discutiremos a seguir, isso não é uma oferta, e sim uma armadilha. A agricultora ou agricultor não poderá vender frutos a outros compradores potenciais e deverá aceitar o preço estabelecido pela empresa.

Porém, as empresas e o governo apresentam o contrato de integração como um negócio onde todos têm a ganhar, ou seja, um negócio que, segundo eles, só trará benefícios à pequena ou pequeno agricultor e à empresa. As promessas têm um só propósito: assinar rapidamente o contrato, de forma que o plantio de dendê para a empresa possa começar imediatamente. É por isso que eles se certificarão de que as agricultoras e os agricultores não tenham tempo para pensar sobre a decisão ou encontrar informações sobre as experiências de pequenas e pequenos produtores de outros lugares. Uma vez assinado o contrato, são obrigados a obedecer às regras da empresa e perdem sua autonomia.

Promessa:O programa de integração também inclui mulheres

O que as empresas escondem: Onde os programas de integração são ampliados, as mulheres ficam mais dependentes dos homens, e sua carga de trabalho aumenta. As mulheres tendem a assumir os fardos mais pesados nos domicílios rurais. Se ingressarem em programas de integração nessas condições, elas serão sobrecarregadas com o árduo trabalho de cuidar da plantação de dendezeiros, além de suas tarefas domésticas de sempre. Portanto, quando as empresas destacam o fato de também assinarem contratos com mulheres, não significa que tenham um programa dedicado a realmente apoiá-las e empoderá-las. Essa pode ser uma tática da empresa de óleo de dendê em áreas onde as mulheres são chefes de família e a empresa também quer ter acesso às terras delas.

Porém, na maioria dos casos, são os homens que assinam os contratos enquanto as mulheres fazem a maior parte do trabalho nas plantações, com exceção das tarefas de colheita. As mulheres perdem economicamente em duas frentes. Em primeiro lugar, quem recebe o dinheiro são os homens que levam o dendê à indústria. Em segundo lugar, correm o risco de perder boa parte do seu acesso à terra e de não mais poder cultivar outros alimentos para vender por conta própria. Isso também prejudica a capacidade das mulheres de reproduzir seus conhecimentos, práticas, usos e tradições sobre o cultivo de alimentos e plantas medicinais e os transmitir aos filhos.

Redação por Bianca Pessoa
Edição por Helena Zelic

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