8 pontos fundamentais para construir comunicação feminista e popular

02/08/2022 |

Por Valentina Machado

Valentina Machado, da Rádio Mundo Real, compartilha suas visões sobre a comunicação feminista e fala sobre a aposta na aliança entre movimentos populares

Se há algo que a comunicação feminista e popular tem é este aprendizado constante com o intercâmbio que fazemos entre nós. A Rádio Mundo Real  é um meio de comunicação que faz parte da Amigos da Terra Internacional. E nessa tarefa de intercâmbio, nessa visão orientada à colaboração, tem sido fundamental a construção de confiança nessa jornada de quase duas décadas junto com a Marcha Mundial das Mulheres e agora também junto com o Capire.

A Marcha Mundial das Mulheres foi fundamental para pensar o marco de Justiça de Gênero e Desmantelamento do Patriarcado da Amigos da Terra Internacional. Também foi fundamental para pensar a comunicação populara partir da Rádio Mundo Real. Hoje, para nós, o Capire é uma grande referência.

Nosso trabalho conjunto já tem algum tempo e foi se fortalecendo graças a uma série de questões. É sempre bom relembrar e trazer um pouco de história. A história é sempre uma boa forma de nos trazer até o presente e nos mostrar, por exemplo, que trabalhamos juntas na Convergência de Meios de Comunicação, em 2012. Na Convergência, já existia um acordo de seguir lógicas colaborativas. A colaboração entre meios de comunicação é uma questão essencial para a comunicação popular. Esse caminho foi sendo aprofundado e fortalecido até hoje. Atualmente, desde 2015, estamos juntas na Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo.

Após essa breve apresentação, que considero importante para poder situar onde estamos hoje, trago alguns pontos ou tópicos que construímos juntas nessa caminhada e que não podemos perder de vista. É preciso que eles estejam presentes e sejam trabalhados no momento de planejar as estratégias de comunicação feminista e popular. Como temos visto, já conquistamos algumas coisas, mas não podemos nos distrair. Quando ficamos distraídas, começamos a perder muitas das questões nas quais já tínhamos avançado. Sempre há uma reação àquilo que fazemos, esperando que nos distraiamos. Então vou compartilhar uma lista com oito pontos que considero importantes para o nosso trabalho como comunicadoras:

#1 Perspectiva feminista transversal

Para não perder de vista a estratégia política na comunicação feminista e popular, um dos principais desafios continua sendo imprimir uma perspectiva feminista e territorial em todos os temas que abordamos, sejam eles econômicos, políticos, culturais, ambientais, eleitorais ou cotidianos. É importante ressaltar que esse é um dos nossos desafios, apesar de já termos avançado bastante. Se trabalhamos nisso, colocando nossos esforços e nossa atenção, conseguimos não reduzir a participação de mulheres, dissidências e diversidades sexuais a um campo de ação apenas. Pelo contrário, vamos poder ampliá-la, mostrando-a em todas as esferas políticas.

#2 Empatia para visibilizar as violências

Conseguir mostrar e dar visibilidade às diferentes camadas de violações e violências que recaem sobre o corpo das mulheres e das dissidências, especialmente nas bases da sociedade. É um exercício de empatia: compreender que, dentro dos sistemas patriarcais e neoliberais, são várias as camadas de violações que podemos ver – machismo, colonialismo, racismo, elitismo, capacitismo, adultocentrismo, gerontofobia, gordofobia (ou “gordoódio”), e assim podemos seguir elencando. Penso que esse é um exercício fundamental para a comunicação feminista e popular. 

#3 Olhar para o poder

Entender que por trás de cada conflito existem relações de poder. O sistema patriarcal tem, essencialmente, relações de poder assimétricas e injustas para as mulheres. Não mostrar uma única causa por trás daquilo que relatamos.

#4 Somar vozes populares

Somar vozes, trazer conhecimentos e experiências do campo popular*, das bases. Não manter sempre as mesmas vozes e fontes que já estão consolidadas. Para ampliar, além de tantas vozes que podemos trazer, de analistas, especialistas e estudiosas, as vozes populares são essenciais, as que efetivamente dão sentido à comunicação popular. Com isso, a partir de histórias particulares e de experiências pessoais, podemos denunciar uma realidade estrutural e sistêmica. Porque o pessoal é político. Ou seja: deixar de contar casos isolados para poder contar uma história que representa ou é consequência de um grande sistema. 

#5 Comunicar para transformar

Narramos as desigualdades estruturais das nossas sociedades não só para informar ou gerar conteúdos, mas para que algum dia elas deixem de existir. Isso deve se refletir no tom da nossa comunicação. Nós comunicamos, narramos histórias, contamos realidades para transformar. Nosso objetivo não é só a informação, é a transformação, o alerta, a denúncia. Nós temos, além de tudo, o grande desafio de abarcar várias regiões (algo que o Capire faz muito bem), e que as pessoas se apropriem dos projetos comunitários de comunicação, que se identifiquem, façam parte.

#6 Mostrar as lutas a partir da dignidade e não da revitimização

Temos que fazer um esforço para não cair na revitimização, mas sim mostrar as lutas. As lutas que as mulheres empreendem muitas vezes são duras, não são nada alegres. Mas temos que fazer o exercício de mostrá-las a partir da dignidade, que é o que a luta nos dá, afinal. É a dignidade de querer transformar tudo aquilo que não vai nada bem, e que pode ser bem difícil de escutar e ver.

#7 Fazer uma comunicação coletiva

A comunicação feminista e popular deve ser sempre coletiva. É a única forma como pode ser. Acredito que as mudanças conjunturais e as lutas que construímos a partir dos feminismos abriram várias portas, e agora temos a oportunidade – negada durante muito tempo – de fazer intercâmbios, articular, coordenar, pensar e fazer juntas. É uma possibilidade de nos conhecer, apoiar, divulgar, recomendar e consultar umas às outras a partir do amor, do cuidado e da rebeldia do feminismo popular. A comunicação em rede é tecedora de possibilidades. 

#8 Trazer a memória feminista e popular

A construção da memória também é machista, branca e capitalista. Tanto no feminismo popular quanto na comunicação, precisamos nos enxergar como parte de uma história. A memória feminista e popular é imprescindível. Sempre menciono uma pesquisa feita pela companheira María Noel Sosa González, que se chama “De laorfandad al linaje [“Da orfandade à linhagem”]. Isso significa que não devemos ver a nós mesmas como órfãs, mas sim como participantes de uma história. Existe uma história da comunicação popular e feminista. Temos que buscá-la, trazê-la, recordá-la, reconhecer esse caminho, por quem eles foram abertos e como chegamos até aqui. Penso que é sempre importante seguir os passos daquelas que caminharam antes de nós para, dessa forma, poder transformar o que vem pela frente. 

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Valentina Machado é ativista feminista, graduada em Ciências da Comunicação e pós-graduada em Gestão de Redes Sociais. Faz parte do coletivo de comunicação Rádio Pedal e da equipe de Comunicação da REDES – Amigos da Terra Uruguai. É jornalista na Rádio Mundo Real.

Este artigo é uma edição de sua contribuição durante o webinário “Estratégias políticas da comunicação feminista e popular”, realizado pelo Capire no dia 05 de julho de 2022. Você também pode ler ou escutar as contribuições de Ama Pratt, Anuka Vimukthi e Marilys Zayas.

Edição e revisão da tradução por Helena Zelic
Traduzido do espanhol por Luiza Mançano
Idioma original: espanhol

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