Os debates apresentados a seguir fizeram parte de um ciclo de formação sobre economia feminista e justiça ambiental. Organizado pela Marcha Mundial das Mulheres (MMM) do Brasil, em colaboração com o grupo de Justiça de Gênero e Desmantelamento do Patriarcado de Amigos da Terra Internacional (ATI), a formação se dirigiu a integrantes da federação de todas as regiões do mundo.
Capire e Rádio Mundo Real publicam sínteses das discussões ocorridas nesse processo, como forma de registrar a memória dos aprendizados e de compartilhar as ideias com um público mais amplo, fortalecendo alianças. No texto anterior, publicado em junho de 2025, relatamos as reflexões do primeiro e segundo módulos do ciclo de formação, nos quais o conceito de economia feminista foi introduzido e os grupos puderam compartilhar experiências, práticas e desafios.
Os encontros reforçaram ideias-chave de economia feminista, que não é concebida apenas como elaboração teórica, mas como ferramenta de luta antissistêmica, e que é mobilizada em conjunto, nos processos de aliança. Por isso, diferentemente da sessão anterior, que contou com apresentações das militantes da MMM Tica Moreno e Sophie Ogutu, a sessão final se deu em uma dinâmica mais participativa, com o objetivo de elaborar possibilidades de aprofundamento da economia feminista na agenda de Amigos da Terra Internacional.
Introduzindo debates de economia feminista
Fazendo uma retrospectiva dos conteúdos trabalhados, a militante da MMM Natália Lobo apresenta: “Falamos um pouco sobre as críticas que a economia feminista faz à economia capitalista clássica. Para nós, quando falamos de economia feminista, falamos de uma economia de ruptura com o sistema capitalista, que não busca só organizar de outra forma a produção no sistema econômico, mas que pensa também no papel da reprodução nesse sistema econômico”.
Natália compartilhou as propostas de transformação da economia feminista: “Propomos que a reprodução deve ter outro grau de importância na forma de pensar a economia, porque, na verdade, o centro da economia está nos trabalhos que garantem a reprodução da vida”. A conclusão que apresenta é que, “portanto, a contribuição da economia feminista é afirmar que a sustentabilidade da vida é o que deve estar no centro do sistema econômico, e não o lucro das empresas transnacionais e de alguns bilionários, como acontece hoje”.
Temas da economia feminista como a interdependência e a ecodependência também foram abordados, e são vínculos importantes com a luta por justiça ambiental e em defesa de uma relação harmônica com a natureza, que só é possível sem os ataques do capital aos territórios. “Nós somos natureza e dependemos da natureza. Portanto, o sistema econômico não deveria considerar a natureza um fator externo”, afirma Natália.
Economia feminista para a justiça ambiental
O trabalho da última sessão partiu das agendas dos quatro programas da Amigos da Terra, que são: Justiça Climática e Energia; Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo; Soberania Alimentar; e Florestas e Biodiversidade. A partir disso, as pessoas participantes debateram os cruzamentos possíveis da economia feminista com os programas.
A participante Mariana Porras, por exemplo, conectou os princípios da economia feminista à conjuntura de seu país, Costa Rica, “onde a estrutura institucional pública está sendo desmantelada em nome da mercantilização e privatização dos bens comuns”. Para ela, a economia feminista deve ser uma ferramenta de luta. “Não se trata apenas de mencioná-la como um princípio, mas fazer com que seja compreendida e adotada pelas pessoas. É um trabalho que exige muita troca, articulação e ferramentas de comunicação”.
Ana María Vázquez, de El Salvador, compartilhou reflexões sobre como a economia feminista já está nos trabalhos de Amigos da Terra: “nosso trabalho, como ativistas e participantes ativas e ativos nos grupos que organizamos, também é parte da economia feminista”. Segundo ela, é preciso “ter como foco o reconhecimento do cuidado como trabalho e sustentá-lo”, inclusive no cuidado realizado dentro das organizações políticas.
Natalia Salvático, da Argentina, também afirmou a presença da economia feminista na federação: “para mim, o trabalho que fazemos está em total sintonia com os princípios da economia feminista, no sentido do conflito capital-vida, que nada mais é do que o ataque do capitalismo ao meio ambiente, à ecodependência, à interdependência. Colocar a sustentabilidade da vida no centro é o que defendemos também no movimento ambientalista, atentas às armadilhas de apropriação das instituições pelas empresas transnacionais e construindo nossas alianças”. Um dos debates que tem sido levado adiante é o da transição justa feminista, que propõe uma reorganização profunda do modelo energético.
“Acredito que a economia feminista nos permite ir além das fronteiras da nossa própria luta”, disse Natalia Carrau, do Grupo de Trabalho de Justiça de Gênero e Desmantelamento do Patriarcado. “Debater a economia a partir de uma perspectiva feminista, além de visibilizar quem são as responsáveis pelo funcionamento da economia para a vida e não para o lucro, também permite construir pontes com outras lutas que não são diretamente nossas, mas que fazem parte das lutas de outros povos, outros países ou setores da sociedade”, afirma, posicionando a economia feminista como uma ferramenta de articulação.
Os debates também passaram pela comunicação, refletindo sobre estratégias possíveis para ampliar o alcance da proposta da economia feminista e da crítica ao conflito capital-vida. “A economia feminista nos dá uma compreensão melhor, uma linguagem melhor para conectar o desmantelamento do patriarcado e o desmantelamento também do colonialismo e do capitalismo”, propôs Ghislaine Fandel, de Amigos da Terra Internacional. A proposta de uma transformação radical do trabalho e da organização da vida é especialmente relevantes em tempos de mais descrença, refletiram as participantes: “Às vezes, quase assusta ver como, para algumas pessoas, imaginar um mundo com devastação ambiental, colapso climático e a violação permanente de direitos humanos pode ser mais fácil do que imaginar um mundo sem capitalismo e com essas economias alternativas”.