Elementos para falar sobre educação popular feminista

13/09/2024 |

Verônica del Cid

Da Escola Internacional de Facilitadoras, Verónica del Cid compartilha princípios feministas e decoloniais para a educação popular

Vanessa Ordonez

Ao falar de educação feminista e popular, temos que não apenas ler sobre dominação, mas também conseguir esperançar o mundo, olhando-o como algo que construímos e que podemos mudar. Partimos do que já estamos construindo, sabendo que não é suficiente, mas ainda assim é necessário e urgente. A partir desse poder hegemônico e desse sistema de morte, reconhecemos o padrão de poder instalado desde os tempos coloniais em nossos territórios.

Com a colônia, passou-se a racionalizar e sexualizar a vida e o trabalho. Homens, mulheres e povos foram designados pela cor da pele, assim como foram atribuídos trabalhos e instalados eixos de acumulação e mercantilização. Tudo começou a ser vendido e comprado. Não podemos separar esses sistemas de dominação. Uma contradição capitalista não pode ser compreendida sem a interconexão com o colonialismo e o patriarcado.

Estamos vivendo um processo neocolonial. A colônia não é uma expressão do passado histórico, mas sim uma forma de construção da sociedade que vem se movimentando ao longo do tempo. Hoje, reafirma uma forma de nos usurpar de tudo o que está na terra e abaixo dela.

Os corpos das pessoas tornam-se parte da pilhagem que nos domina e controla. As violências devem ser identificadas em diversas formas concatenadas. Quando uma mineradora entra em um território, por exemplo, ela entra com uma estrutura militar e as violências sexuais são agravadas, os corpos são controlados, pessoas se tornam presas políticas. Uma violência não pode ser separada das outras.

A hegemonia virá de tudo o que é rebelde. Nossos corpos não normativos já implicam uma rebelião que não agrada, que incomoda a normalidade. Esses corpos rebeldes foram invisibilizados e controlados ao longo da história. Há uma feminização da pobreza e um aprofundamento das políticas neoliberais a partir de fundamentalismos que possuem estratégias específicas para controlar os corpos invisibilizados.

Nós estamos marcadas por essas mesmas cicatrizes, mesmo quando somos formadoras em espaços de educação feminista e popular. Temos histórias de vida dolorosas, cheias de medos, culpas e outros traços mais desse modelo em nossos corpos. Então, precisamos de processos em que também façamos parte dessa construção. Nós, as mulheres, as dissidências e os povos indígenas temos uma concepção de vida diferente, expressa nas cosmogonias, nos ciclos lunares e nas nossas alterações hormonais. Tudo isso gera e regenera continuamente a vida, que não está dada nem determinada. Pensar que é possível mudar é o motor que nos faz propor uma educação feminista e popular. Há uma feminização da resistência porque no dia a dia as mulheres estão resolvendo o acesso à água, o papel dos cuidados, travando lutas contra os processos extrativistas. Não nos nomeamos, mas estamos. 

A formação política continua a fazer parte dessa estratégia fundamental de construir e desconstruir essas formas hegemônicas de pensamento. Tal como falamos de uma tríade de poder – o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado –, a partir de vários espaços coincidentes estamos falando também de emancipação. É urgente pensar como construímos um sujeito político capaz de delinear o nosso projeto político. As dimensões da emancipação têm de estar intimamente abraçadas, tal como está a dominação.

Falar de educação popular inclui necessariamente uma aposta feminista e uma aposta decolonial. Contudo, os nossos processos de educação popular provêm de uma tradição revolucionária que entendia a vida apenas a partir da contradição da exploração, mas não incorporava a dominação como parte da estratégia de exploração. Por isso, ainda temos muitas organizações que falam de educação popular, mas não de desvendar componentes patriarcais e coloniais. Começamos a incomodar ​​os próprios processos de educação popular quando começamos a adicionar corporeidade a ele, a falar sobre como pensamos, sentimos, amamos e como vemos tudo isso como dimensões políticas. A partir desse ponto de partida, começamos a dar outras chaves para uma educação popular diferente.

A educação popular feminista nos permite colocar em discussão: o que precisamos para nos constituirmos como sujeitos políticos? Qual é o projeto político em que apostamos? Como vamos dar corpo a essa emancipação? Algumas possibilidades nos permitem nos aproximar dessa proposta. Uma delas recupera os saberes e situa a dimensão da geração natural do mundo. A partir daí, começamos a repensar nossas fontes epistemológicas e a conhecer a capacidade de cura da Terra.

Ao nos encontrarmos, não apenas nos reconhecemos, mas também aprendemos a nos amar. Não se constrói um horizonte e um projeto de vida com alguém que você não conhece. É necessário saber quem somos. Os processos de educação popular feminista nos permitem fazer isso: aprender de perto as diferenças e as sintonias que temos.

A educação popular feminista é tão ousada que começa a falar das dissidências a partir dos povos. Não é uma educação exclusiva, mas tem como ponto de partida o invisível, que é feito dos corpos não nomeados.

Nós sobrevivemos. Estamos hoje vivendo depois de mais de 500 anos de invasão na América Latina. Vivenciamos a acusação de uma contradição, como se as lutas das mulheres pelos seus territórios e direitos fossem reivindicativas, mas não políticas. E elas são.

Quando o golpe de Estado aconteceu aqui em Honduras, a questão “o que eu faço com o medo?” foi levantada com muita força. Tínhamos medo de sair na rua, tínhamos medo de que nossas filhas não retornassem, que acontecesse alguma coisa com nossos filhos… Como formadoras, içamos esse medo. A partir do medo, geramos outras forças para lutar e mudar. Precisamos nos curar, poder falar, ter espaços de confiança. Os nossos espaços formativos devem ser espaços de ternura e de muita confiança política em todas as dimensões da palavra.

Como cuidamos e despatriarcalizamos nossas metodologias? Como fazemos processos de diálogo? Como trabalhamos outra forma de administrar o tempo? Como recuperamos saberes próprios, histórias negadas? Partimos da ideia de que hoje é preciso criar dispositivos de pensamento novos, mas não negamos os acúmulos dos povos. Como formadoras, realizamos esses processos provocando a suspeita, a questão e a capacidade de responder.

A pedagogia feminista nascida na academia não é suficiente. Precisamos nos vincular às experiências concretas cotidianas dos movimentos e das lutas dos territórios, que nos dão muitas respostas. Não podemos nos setorizar. Precisamos nos vincular e fazer alianças e articulações de movimento. A educação popular feminista e decolonial tem a ambição de revolucionar a própria educação popular e enchê-la de sentidos que contribuam para despatriarcalizar, decolonizar e desmercantilizar a vida.


Verónica del Cid é guatemalteca e coordena a Rede Mesoamericana de Educação Popular – Red Alforja. Este artigo é uma edição de sua apresentação na Escola Internacional de Organização Feminista para Facilitadoras (IFOS), que aconteceu em Honduras em agosto de 2024.

Edição e revisão da tradução por Helena Zelic
Tradução de Aline Lopes Murillo
Idioma original: espanhol

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