Solidariedade para construir uma Palestina livre

07/06/2021 |

Por Capire

Solidariedade internacionalista é estratégia popular para acabar com a ocupação israelense

Durante todo o mês de maio, as mulheres e os povos do mundo se mobilizaram em solidariedade ao povo palestino. Os ataques de Israel contra a Palestina em Sheikh Jarrah, Jerusalém, e na Faixa de Gaza provocaram pelo menos 242 mortes e levaram à expulsão de cerca de 74 mil pessoas de suas casas. Nesse conflito, falar de solidariedade é um projeto de futuro igualitário e uma ação política de resistência e transformação.

A luta contra a ocupação israelense na Palestina não é apenas de palestinas e palestinos, mas de todos os povos do mundo que lutam por autodeterminação. Sistemas de apartheid ameaçam os povos diretamente afetados e oprimem toda a humanidade. Essa ocupação é uma criade poderes internacionais para servir aos interesses do projeto imperialista, que tem como objetivo a submissão dos povos do Sul global e a usurpação de nossos bens comuns, com base na violência contra culturas, soberania e diferentes modos de vida.

Isso ficou ainda mais evidente com o apoio de governos como dos Estados Unidos, do Brasil e do Uruguai aos ataques israelenses contra o povo palestino. No entanto, nesses países, os movimentos sociais mostraram solidariedade internacionalista a uma Palestina livre.

Falar da solidariedade internacional com o povo palestino faz mais sentido do que repetir o discurso de vitimização que se concentra em violações de direitos e crimes cometidos pela ocupação

Khadija RyadI, da Marcha Mundial das Mulheres no Marrocos.

Para Souad Mahmoud, da Marcha Mundial das Mulheres na Tunísia, devemos destacar que as lutas palestinas são parte importante da resistência anti-imperialista ao redor do mundo:

“Uma Palestina livre, multicultural e democrática, do mar ao rio Jordão. Livre, isto é, liberta do imperialismo e do sionismo. Multicultural, ou seja, onde as tradições, as línguas, as religiões são uma questão de escolha pessoal e coexistem na mais completa liberdade. Democrática, ou seja, um país governado pelo povo e para o povo”.

Muitas vezes, a luta palestina pela terra é ocultada atrás do discurso de um “conflito mútuo”, que invisibiliza o poder popular e o desequilíbrio injusto entre essas lutas e as forças armadas israelenses. Mas, enquanto a mídia corporativa esconde essa realidade, os movimentos e mídias populares criam ferramentas e organização para escrever e dar visibilidade a informações que vêm direto da fonte.

Zahra Awaly, da Marcha Mundial das Mulheres no Líbano, argumenta que uma forma melhor para a mídia lidar com todas as notícias sobre essa crise é adotar o conceito de resistência linguística. Utilizar palavras-chaves que descrevam a situação real com maior precisão pode mudar a opinião pública sobre o tema. Ela afirma:

“As palavras devem ser usadas para transmitir a cena mais exata: em vez de ‘guerra’, dizemos ‘agressão’; em vez de ‘conflito’, dizemos ‘luta’; ‘territórios ocupados’ em vez de ‘territórios israelenses’”

A deportação de mais de 500 palestinas e palestinos de suas casas em Sheikh Jarrah, em Jerusalém, não passou despercebida, apesar da tentativa de bloqueio dessa informação pela mídia corporativa. Palestinas e palestinos estão denunciando o assassinato, a prisão, a deportação, o bombardeio e a limpeza étnica.

“A solidariedade foi ampla em todo o mundo, pela primeira vez. As abordagens também foram radicais. Isso mostra o tamanho do esforço da resistência palestina para comunicar seu discurso. A interseccionalidade se manifestou a partir de muitos movimentos, do Vidas Negras Importam [Black Lives Matter], do movimento feminista, LGBTQ, indígena, todos passaram a relacionar a luta palestina com sua própria luta. Os sistemas de opressões se reforçam entre si e não é possível combater nenhum deles isoladamente.”

Zahra Awaly

Organizações de todo o mundo uniram forças e apoiaram a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (Boycott, Divestment, and Sanctions – BDS), um boicote cultural, acadêmico e econômico contra Israel e outras empresas internacionais que têm alguma ligação com os crimes e o apartheid de Israel. Movimentos sociais internacionais como a Via Campesina e a Marcha Mundial das Mulheres têm um compromisso profundo com a luta pela Palestina livre, denunciando e fazendo pressão internacional, além de participar de diversas marchas durante os dias de ataque em diversos territórios, como Quebec, Brasil, Marrocos e Tunísia.

Rabat, Maroc

Internacionalmente, as pessoas demonstraram solidariedade e contribuíram de inúmeras formas para sensibilizar e chamar atenção para a causa palestina. A Frente Marroquina de Apoio à Palestina e Contra a Normalização organizou protestos sentados e manifestações em mais de 50 cidades no dia 16 de maio e em 40 cidades no dia 23 de maio. Para Khadija Ryadi, a militância marroquina sempre considerou a luta das mulheres palestinas um modelo e um exemplo a ser seguido pela bravura que demonstram.

“As e os marroquinos sempre foram muito solidários com o povo palestino. As marchas organizadas no Marrocos sempre contaram com um grande número de pessoas e sempre houve muitas mulheres manifestando solidariedade a todo o povo palestino e, especialmente, às mulheres palestinas.”

Khadija RyadI

A reação popular pelo mundo elevou a solidariedade e a sensibilização internacional a um novo patamar. Ao longo dos anos, os movimentos a favor da Palestina fizeram ações de visibilidade para pressionar governos e outras instituições a se posicionarem e tomarem atitudes políticas e econômicas em defesa dos direitos humanos e da autodeterminação.

Na Irlanda, a população pressionou o governo a reconhecer a Palestina e a admitir e condenar a anexação de terras palestinas por Israel, refutando os crimes de guerra israelenses. Foi o primeiro país europeu a fazer isso, seguido depois pela Bélgica. Isso acontece 73 anos após a Nakba, a “catástrofe”. É assim que o povo palestino chama os desdobramentos da fundação de Israel, que significou a expulsão forçada de mais de 700 mil palestinos de suas terras em 1948. Essa história de violência é sustentada pela conivência de governos, da ONU e demais organizações institucionais.

“Acredito que essa é a primeira vez, desde a primeira Intifada¹, que sentimos que as pessoas do mundo todo estão marchando contra a ocupação ilegal de Israel em terras palestinas. É a primeira vez que sentimos que o mundo todo se une a nós e apoia nossa luta por justiça e liberdade. Acreditamos que, se esse apoio se mantiver, a Palestina será livre muito em breve”

Dalia Nassar, da Marcha Mundial das Mulheres na Palestina

Mesmo depois do cessar-fogo, instaurado em 20 de maio, Sheikh Jarrah e outras regiões continuam sendo ameaçadas, e as pessoas exigem voltar para suas casas. A violência continua, com a prisão e deportação em massa em Silwan, tudo longe dos olhares da mídia e da opinião pública. A luta pela Palestina livre é também a luta pela liberdade de todas as prisioneiras políticas, como Khalida Jarrar e Khitam Saafin, presidenta da União de Comitês das Mulheres Palestinas, cuja prisão política foi estendida de forma arbitrária por mais quatro meses.

“Precisamos organizar atividades online onde as palestinas possam contar sua história e contra-atacar a metanarrativa sionista. Devemos mostrar maior interesse na publicação da narrativa palestina, em vez de focar na rejeição do inimigo. Isso transmite uma posição de ataque, em vez de uma defensiva, em uma busca por liberdade, e não misericórdia.”

Jana Nakhal, integrante da MMM Líbano.

E Dalia Nassar pede ao povo que se mantenha em resistência:

“Nós convocamos vocês, assim como nos convocamos a continuar lutando por justiça para o povo palestino e para todos os povos marginalizados do mundo. Convocamos vocês a pressionarem governos para que parem de acolher Israel, para que boicotem Israel. Convocamos vocês à luta por justiça contra todos os governos imperialistas.”


¹ A palavra “intifada” significa, em árabe, despertar subitamente. A Primeira Intifada foi um levante palestino contra a ocupação israelense iniciado em dezembro de 1987 na Faixa de Gaza.

Texto por Bianca Pessoa
Edição por Helena Zelic e Tica Moreno
Traduções do inglês por Aline Scátola e do francês por Andréia Manfrin Alves

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