O trabalho das mulheres cubanas diante dos desastres naturais: resiliência e solidariedade

03/11/2025 |

Elpidia Moreno

A militante feminista Elpidia Moreno apresenta as ações de resposta a emergências naturais, baseadas na organização comunitária e na solidariedade popular

Conhecer experiências de reconstrução feminista e popular em diversos territórios nos permite elaborar pontos de partida e jeitos coletivos para reorganizar a vida diante dos eventos climáticos extremos. Para a Marcha Mundial das Mulheres, os eventos climáticos extremos não são desconectados das causas das mudanças climáticas. Eles são parte do atual modelo de reprodução, produção e consumo no sistema múltiplo de opressões e aprofundam o conflito entre o capital e a vida. A partir da organização coletiva das mulheres, estabelecemos práticas e iniciativas que colocam a solidariedade no centro para garantir a sustentabilidade da vida em condições adversas. No webinário “Experiências de reconstrução feminista após desastres ambientais”, compartilhamos experiênciasde reconstrução no Brasil, Haiti, Cuba e Turquia. Em todos esses territórios, combinamos as práticas de reconstrução e a solidariedade feminista com uma agenda política que enfrenta as dinâmicas de expansão do capital. Esse webinário, realizado em 29 de setembro, foi organizado pelo Capire em parceria com as organizações brasileiras que integram a Marcha Mundial das Mulheres, SOF Sempreviva Organização Feminista e o CF8 Centro Feminista 8 de Março. Abaixo, leia a contribuição de Elpidia Moreno, da Marcha Mundial das Mulheres em Cuba.

Cuba, como país do Caribe, enfrenta com frequência fenômenos naturais como furacões, secas e tornados. Todos os anos, nossas comunidades se preparam para enfrentá-los. Desde a sua fundação, o sistema de defesa civil tem como objetivo primordial generalizar e sistematizar experiências no manejo de desastres, tomando como base a expertise nacional e internacional. Junto com as organizações sociais, desempenha um papel fundamental na preparação, resposta e recuperação diante desses eventos.

Em 29 de setembro de 2025 [data da apresentação], completaram-se 62 anos do furacão Flora, um momento decisivo para Cuba. Foi necessário mobilizar todas as forças para enfrentá-lo. Lamentavelmente, mais de mil pessoas morreram, e houve graves impactos na economia.

A mobilização demonstrou o quanto pode ser feito para mitigar os danos de um desastre natural. A liderança do comandante Fidel Castro, que dirigiu pessoalmente as operações de resgate — mesmo arriscando a própria vida —, foi decisiva. Essa experiência direta no local permitiu compreender a magnitude do desastre e a urgência de uma transformação estrutural.

A participação das Forças Armadas Revolucionárias, juntamente com brigadas médicas e de apoio, também foi crucial. Elas se mobilizaram em massa, marcando o início de uma cultura de resposta organizada diante de emergências. Após o Flora, os sistemas meteorológicos foram reforçados, programas de construção de barragens e reservatórios foram criados e a defesa civil foi estruturada como um mecanismo nacional de prevenção e resposta.

Além disso, foram estabelecidos protocolos de evacuação, abrigos e redes de monitoramento comunitário, que hoje são pilares da gestão de riscos em Cuba. Flora deixou uma marca profunda na consciência coletiva cubana. Desde então, cada temporada de furacões é enfrentada com preparação e uma ativa participação comunitária.

A experiência adquirida tornou Cuba uma referência internacional na redução do risco de desastres, com ênfase na proteção de vidas humanas. O furacão Flora não foi apenas uma tragédia, mas também uma lição histórica. Seu impacto catalisou o desenvolvimento de um sistema nacional de gestão de riscos que salvou milhares de vidas. Preparar-se para furacões em Cuba não é mais uma reação; é da cultura cubana.

As mulheres cubanas desempenharam um papel fundamental na preparação, resposta e recuperação diante desses eventos. Seu trabalho é essencial para a resiliência da comunidade. Constitui também uma garantia para a preservação de vidas e para a conservação dos recursos econômicos e naturais.

As mulheres cubanas não esperam a tempestade chegar para agir. Em seus bairros, clínicas médicas, escolas e Comitês de Defesa da Revolução, junto com as federadas, organizam evacuações, protegem os mais vulneráveis, estocam alimentos e medicamentos e garantem que ninguém seja deixado para trás.

Quando o desastre ocorre, as mulheres estão na linha de frente. Elas não apenas cuidam de suas famílias, mas também estendem sua ajuda para quem precisa. Cozinham para as brigadas, cuidam de crianças e pessoas idosas, improvisam abrigos e, muitas vezes, fazem isso sem recursos, mas com uma determinação inabalável.

Após o desastre, vem a reconstrução e a esperança
 Assim que a tempestade passa, começa outra batalha: a reconstrução. E lá estão elas novamente, liderando. Consertam casas, reorganizam a vida cotidiana, reativam redes de apoio e, acima de tudo, acompanham emocionalmente quem perdeu tanto.

Um exemplo claro foi o tornado de janeiro de 2019 em Havana. Em meio à destruição, muitas mulheres organizaram cozinhas comunitárias, ofereceram abrigo e coordenaram a ajuda com uma eficiência que só se consegue com um compromisso genuíno de seguir a diante.

Nos últimos anos, Cuba tem avançado na incorporação de uma perspectiva de gênero na gestão de desastres. Foram criados programas que capacitam mulheres em liderança, primeiros socorros e planejamento diante de emergências. Isso não só fortalece a resposta comunitária, como também empodera as mulheres como agentes de mudança.

As mulheres cubanas não apenas enfrentam desastres naturais: elas os transformam com força, criatividade e solidariedade. Elas reconstroem não só lares, mas também esperança. Reconhecer seu trabalho não é um gesto simbólico: é um ato de justiça.

A Federação das Mulheres Cubanas capacitou mulheres em temas como igualdade de gênero, prevenção da violência, autocuidado e economia local. Essas iniciativas empoderaram as mulheres para que participassem ativamente da tomada de decisões e do planejamento de políticas de gestão de riscos.

As mulheres enfrentam desafios particulares: maior exposição à violência em abrigos temporários, impactos na saúde sexual e reprodutiva e sobrecarga de trabalho doméstico. No entanto, sua participação ativa na recuperação pós-desastre oferece uma oportunidade para reduzir as desigualdades de gênero e fortalecer a coesão social.

Planejamento estratégico em defesa da vida

Foi elaborado e publicado um manual comunitário sobre gestão inclusiva da redução do risco de desastres. Esta ferramenta educativa incorpora estratégias de prevenção e resposta a diferentes tipos de desastres naturais a partir das perspectivas de gênero, infância e deficiência, com ênfase nas famílias e instituições escolares. Ela também incentiva e promove a formação de consciência sobre a proteção do meio ambiente.

A Tarefa Vida está sendo implementada apesar dos efeitos do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelo governo dos Estados Unidos por mais de 60 anos. A Tarefa Vida, composta por cinco ações estratégicas e onze tarefas de curto, médio e longo prazo, combina decisões de alto nível com uma gestão descentralizada em escala setorial e territorial, com foco na proteção da vida humana com qualidade e uma perspectiva de gênero.

Em março de 2021, o Programa Nacional para o Avanço das Mulheres foi adotado por decreto presidencial como parte da agenda do Estado cubano. O programa visa alcançar maior abrangência e efetividade na prevenção e eliminação de manifestações de discriminação. Ele está articulado aos programas, planos e projetos do país relacionados à mudança climática. Promove o empoderamento econômico das mulheres, seu acesso à terra e a outros recursos naturais, assim como uma maior participação na agricultura urbana, suburbana e familiar.

Solidariedade do povo cubano

Um grande número de mulheres em Cuba são chefas de centros de gestão de redução de riscos e responsáveis por pontos de alerta precoce em seus territórios. Em Cuba, uma certeza se apresenta diante desse panorama inevitável: a solidariedade que emana espontânea e multiplicada de sua gente. Nomes como Flora, Ike, Denis, Matthew, Sandy, Irma, Oscar e Rafael reafirmam que as cubanas e os cubanos têm uma longa história no enfrentamento a devastadores ciclones e tempestades tropicais.

E em cada uma delas, também existem centenas de histórias que contam com a irmandade entre vizinhas para se proteger nos momentos de maior tensão. Elas também contam sobre o apoio oferecido por amigos e familiares para abrigar os pertences daqueles que não têm um teto seguro sobre suas cabeças. Em tempos difíceis, provocados por um furacão ou uma tempestade tropical, a solidariedade se torna um anticiclone de amor e esperança.

Há muitas anedotas que refletem a solidariedade entre cubanas e cubanos: a daquela professora que, há alguns anos, transformou sua casa em escola para que as crianças não perdessem aulas por falta de salas após o furacão Irma; ou a dos vídeos comoventes que, após o furacão Oscar, mostram três moradores de Guantánamo enfrentando a correnteza de um rio no meio da cidade para salvar um idoso da enchente. A essas anedotas, soma-se, como em tantas outras ocasiões, a chegada, nas áreas mais afetadas, do apoio essencial das brigadas que restabelecem a luz, a água, o serviço telefônico, o acesso às estradas e a esperança nos bairros e comunidades.

Aprofundar o trabalho

Temos que continuar incorporando a perspectiva de gênero em todos os níveis de gestão de riscos. Temos que aplicar os protocolos com mais rigor para evitar a violência nos abrigos das pessoas evacuadas, e trabalhar mais para alcançar condições sanitárias que garantam o bem-estar das mulheres. É preciso continuar promovendo a formação técnica e a liderança de mulheres nas brigadas de resposta e fomentar redes de apoio entre mulheres para compartilhar saberes e experiências.

Furacões e outros desastres naturais continuarão a atingir Cuba. Não podemos impedi-los, mas as mulheres cubanas os enfrentarão, unirão esforços, tecerão redes de apoio e hastearão as bandeiras do humanismo e da solidariedade. Porque as mulheres cubanas são mais fortes do que um ciclone, que um furacão, que um terremoto, que um tornado. Somos cubanas.


Elpidia Moreno integra a Marcha Mundial das Mulheres em Cuba.

Edição e revisão da tradução por Helena Zelic
Tradução do espanhol por Aline Lopes Murillo
Idioma original: espanhol

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