O papel histórico das mulheres da Via Campesina na crise atual

19/01/2023 |

Capire

Leia a fala de Geum-Soon Yoon sobre a força das mulheres para impulsionar mudanças sistêmicas

KWPA, 2011

Hoje vivemos um tempo de diferentes crises: a pandemia de covid-19, a crise climática, a crise alimentar e a guerra… Uma nova era de “guerra fria” se aproxima na medida em que a hegemonia imperial dos Estados Unidos desaba. Embora o capitalismo neoliberal pareça estar em colapso, ele se renova usando a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização das Nações Unidas (ONU) e outras instituições internacionais para tentar reconstruir a economia global.

A crise da guerra é uma consequência inevitável do sistema econômico neoliberal, e é necessária para dar destino aos produtos excedentes. Esses produtos são as armas das quais os Estados Unidos dependiam para sobreviver. A guerra também é um produto de uma sociedade capitalista patriarcal.

E o que podemos pensar de uma sociedade pós-pandemia? É fundamental refletir sobre o capitalismo como um sistema desastroso, que causa as crises que vivemos. Precisamos de uma inovação profunda, não da renovação do capitalismo. Precisamos de uma transformação do sistema capitalista em um sistema focado na convivência harmoniosa entre as pessoas e a natureza. Ao superar o neoliberalismo em nossas subjetividades, poderemos buscar um sistema que não seja baseado na competitividade infinita e no individual, mas no cooperação.

Nós, as camponesas, vamos criar o futuro do mundo

A crise climática é urgente. Nesse contexto, a agricultura tornou-se uma questão importante para o futuro da humanidade, e nisso as mulheres desempenham um papel fundamental. Temos que resgatar a dignidade do ser humano. As mulheres devem se posicionar em um lugar importante, pois têm uma função central na promoção da soberania alimentar.

Devemos mobilizar as mulheres camponesas não individualmente, mas como um coletivo, como uma grande força.

O coletivo das mulheres camponesas é complexo, e sua interseccionalidade deve ser entendida em relação à classe, etnia, raça e localização, por meio das quais o sistema capitalista explora e oprime as mulheres. Dentro do sistema do capitalismo neoliberal, as mulheres são afetadas tanto pela divisão do trabalho por gênero e raça, como por acordos de livre comércio, mineração, transgênicos, guerra e outras ferramentas de dominação.

O patriarcado existiu em diferentes momentos da história e impôs padrões de comportamento e dominação sobre os corpos das mulheres na sociedade, deixando-as em uma posição subordinada. O sistema patriarcal é sustentado pela propriedade privada e pela sociedade de classes. Diante de tudo isso, a luta contra o sistema de classes e os papéis de gênero são necessários para destruir o modelo capitalista patriarcal.

Para alcançar a igualdade de gênero nas áreas rurais e na agricultura, devemos eliminar a cultura sexista e lutar contra a violência de gênero. Só assim alcançaremos a igualdade de gênero no campo, o que contribui para a construção da igualdade em toda a sociedade.

Nós, as mulheres camponesas da Via Campesina, temos lutado para mudar o mundo.

Somos agentes principais dessa luta e o fazemos em nome de todas as mulheres para tornar a soberania alimentar uma realidade. A mulher que luta é grandiosa. Temos que romper a desigualdade e respeitar a vida, porque é assim que se começa a mudança. Lutemos ativamente pela mudança. Resistamos a todo tipo de discriminação. A verdadeira libertação é a transformação estrutural e cotidiana.

Geum-Soon Yoon mora em Seongju, Coreia do Sul, e é integrante da Associação de Mulheres Camponesas da Coreia [Korean Women Peasants Association – KWPA] e da Via Campesina. Esta fala foi feita na atividade “Nossa história e os desafios que temos pela frente para avançar em direção a um movimento sem violência, com inclusão e respeito”, realizado em 10 de agosto de 2022 pelas mulheres da Via Campesina.

A Via Campesina está comemorando 30 anos de organização, luta coletiva e atuação em defesa da soberania alimentar e dos direitos camponeses. Neste momento, a Via Campesina lança sua convocatória para a 8ª Conferência Internacional (#8ConfLVC), que será realizada em Manágua, na Nicarágua, de 23 a 28 de novembro de 2023. Espera-se que cerca de 400 pessoas de organizações camponesas e indígenas de todo o mundo estejam presentes no evento. #LVC30anos

Nesse contexto, serão realizadas também a 6ª Assembleia Internacional das Mulheres da Via Campesina e a 5ª Assembleia da Juventude Camponesa. Esses espaços orgânicos são momentos de debate, avaliação, intercâmbio e construção da agenda política do movimento, composto por povos indígenas e camponeses, mulheres, pessoas assalariadas, migrantes, sem-terra e pessoas LGBT+ que propõem modelos alternativos ao capitalismo, ao agronegócio e ao extrativismo.

As Conferências Internacionais da Via Campesina são realizadas a cada quatro anos e são o órgão de decisão coletiva mais importante da organização. Até hoje foram realizadas conferências em Mons, Bélgica (1993), Tlaxcala, México (1996), Bangalore, Índia  (2000), São Paulo, Brasil (2004), Maputo, Moçambique (2008) e Derio, País Basco (2017).

Traduzido do espanhol por Aline Lopes Murillo
Edição e revisão da tradução por Helena Zelic

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