Metodologias para uma transformação feminista

25/09/2024 |

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Militantes de 26 países se reuniram em Honduras para mais uma edição da Escola Internacional de Organização Feminista (IFOS)

Vanessa Ordonez

A primeira edição presencial da Escola Internacional para a Organização Feminista Berta Cáceres (IFOS) para Facilitadoras, com a presença de 75 militantes de 26 países aconteceu no Centro Ecosol, em Honduras, entre os dias 5 e 9 de agosto de 2024. A proposta da Escola para Facilitadoras é ampliar e aprofundar perspectivas e metodologias feministas para desenvolver capacidades de formação política e incentivar a organização de escolas regionais e locais.

A Escola foi também um momento importante para o fortalecimento das alianças entre as organizações e movimentos populares que constroem esse processo de formação. Participaram representantes de movimentos e articulações continentais, como Alba Movimentos, Amigos da Terra América Latina e Caribe (Atalc), Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA) e a Marcha Mundial das Mulheres de diversos países. Também estiveram presentes feministas que integram organizações nacionais ou locais, vinculadas ao ambientalismo, ao sindicalismo, à economia feminista, à soberania alimentar, ao movimento negro e migrante, entre outras.

Nesse coletivo, a memória de Berta Cáceres, que dá nome a escola, e de Nalu Faria, uma de suas fundadoras, foi retomada desde a abertura da Escola. A mística inicial trouxe práticas espirituais maias de saudação aos ancestrais, aos pontos cardeais e aos quatro elementos da natureza. Também durante a abertura, a coordenadora da IFOS, Sandra Morán, recuperou os ensinamentos de Nalu ao compartilhar que, se não sentimos frio na barriga no início de algo novo, é preciso que nos preocupemos. “Precisamos aprender e também desaprender. O frio na barriga vem por sabermos que não estamos totalmente prontas, que vamos aprender com o processo”, explicou Sandra.

Formação em processo e em movimento

O processo de criação da IFOS começou em 2018. Desde então, um de seus principais enfoques é a reflexão sobre a construção de um sujeito político feminista, capaz de interpretar a realidade, propor um projeto político alternativo e de auto-organizar as mulheres para essa transformação.

Essa reflexão se dá a partir da compreensão dos sistemas de opressão e de construir a economia feminista como a ferramenta central desse projeto político. “A economia feminista é diversa e assume novas propostas a depender do território, mas é importante localizar como essas propostas se unem”, afirmou Sandra. Assim, ela indicou uma importante conexão entre as diferentes lutas das mulheres ao redor do mundo, que se encontram na rebeldia contra a exploração capitalista, racista e patriarcal. Segundo ela, Cuba e Venezuela são exemplos de povos que praticam essas propostas políticas e que devem nos inspirar diariamente.

Vanessa Ordonez

Durante a Escola para Facilitadoras, as participantes buscaram aprofundar perspectivas sobre a educação popular a partir do feminismo popular decolonial.  Este é um movimento coletivo e amplo, posicionado para reivindicar a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidades, o cuidado com a natureza e a força de uma proposta política capaz de reorganizar a sociedade. As metodologias utilizadas e a forma que os temas são debatidos constroem o saber feminista que parte dos territórios e experiências diversas de lutas.

Sujeito político: feminista, popular e diverso

Carmen Díaz, que integra o comitê político da escola, defende que a Escola é a nossa universidade: “Somos seres epistêmicos, ou seja, estamos produzindo conhecimento. Não precisamos de diplomas. Só precisamos reconhecer nossa capacidade de conceber o pensamento. Também não podemos separar o pensar, o sentir e o teorizar. Isso permite que nos apropriemos do que significa construir um sujeito político, emancipador, feminista e popular”. Esse sujeito político se constrói no feminismo popular, um movimento que conecta as realidades locais e globais. “Temos capacidade epistêmica e criatividade. A capacidade epistêmica só é reconhecida nas universidades, mas nós também estamos construindo conhecimento”, complementa Sandra.

O sujeito político feminista se fortalece quando evidencia que, além de coletivo, está em permanente construção. É um sujeito formado e alterado pelo cotidiano em sua diversidade, mas capaz de se unir na luta contra o sistema capitalista, patriarcal e racista. Os debates na Escola trouxeram à tona a necessidade de articulação e fortalecimento entre os movimentos populares, com visão internacional, uma estratégia fundacional da Marcha Mundial das Mulheres. Em países marcados por um autoritarismo muito intenso, muitas vezes as mulheres lutadoras se sentem sozinhas, isoladas. Espaços internacionalistas como o da IFOS criam possibilidades de fala e escuta, assim como de alianças que fortalecem e protegem as mulheres nos territórios. A Escola não é apenas um encontro ou um evento pontual, mas um processo que contribui para o fortalecimento do movimento feminista internacionalista.

Os guias metodológicos

Em entrevista para a Rádio Mundo Real, María de los Ángeles, do Movimento de Afetados e Afetadas por Represas da América Latina (MAR), fala sobre a metodologia feminista implementada na IFOS. “Essa concepção político-pedagógica da educação popular, a partir de sua metodologia, se baseia em um conjunto de princípios que resgatam a construção coletiva do conhecimento, o diálogo de saberes a partir da diversidade, buscam descolonizar as subjetividades e os padrões educacionais eurocêntricos, patriarcais, coloniais que se instalam em nossas ações. Dizemos que a metodologia transversaliza a produção de aprendizados emocionais significativos que fazem parte do nosso pensar, sentir e agir”, diz ela.

Vanessa Ordonez

As metodologias e ferramentas desenvolvidas ao longo das edições virtuais da IFOS foram sistematizadas em uma perspectiva de formação popular. Hoje elas compõem uma espécie de “caixa de ferramentas” para a realização de novas ediçõesda Escola. Não são receitas prontas e imutáveis, são orientações e instrumentos para a facilitação da educação popular feminista, cujo objetivo é construir movimento

“Esse processo de planejamento metodológico é aprendido com a prática. É difícil ter toda a teoria na cabeça. Por isso, à medida que trabalhamos, colocaremos mais dúvidas, mais perguntas e, de repente, algumas que já trarão resoluções”, compartilha Verónica del Cid, da Rede Mesoamericana de Educação Popular (Rede Alforja). Essas metodologias e ferramentas apoiam a construção do projeto anticapitalista, feminista e popular para mudar o mundo e a vida das pessoas a partir de uma proposta política que passa por redes de cuidado e afeto que nos sustentam e nos mantêm na luta.

Dentre as tarefas necessárias para realizar uma formação feminista, foi discutido o trabalho da síntese, que pode se dar em diversos formatos e linguagens. Pode, também, ser um trabalho compartilhado, e que explicita a importância da memória dos processos organizativos feministas.

As ferramentas compartilhadas, desenvolvidas ou aprofundadas na Escola apoiam a compreensão e elaboração de eixos temáticos baseados na identificação e no enfrentamento aos sistemas de opressão. Esses eixos se relacionam com recuperar o protagonismo na história de luta das mulheres e dos povos, assim como os contextos de luta popular e rebeldias feministas. A partir de um projeto político emancipatório, buscam fortalecer a construção do sujeito político feminista popular.

Durante a Escola, foi organizado um fórum com  participações presenciais e online. Nele, representantes de diversos  países e continentes compartilharam suas visões sobre o crescimento da extrema direita nos processos eleitorais locais. As companheiras africanas foram protagonistas desse fórum e relataram situações de violência e disputa na região. Assim, as participantes estabeleceram vínculos entre seus territórios e debateram sobre o papel das guerras, dos conflitos armados e demais formas de avanço do capital sobre os corpos e territórios das mulheres.

A caixa de ferramentas debatida durante essa edição da Escola para Facilitadoras é composta por metodologias que expressam o caminho pedagógico da IFOS. Parte da metodologia inclui o diálogo e o reconhecimento de  diferenças e tensões na construção política compartilhada. Como explica Verónica, uma característica desse processo é dialogar com a diversidade dos movimentos populares e superar as contradições para fortalecer a capacidade de organização, mobilização e luta: “a contradição é provocada metodologicamente, porque reconhecemos que não pensamos igual e valorizamos isso porque é um motor para os novos conhecimentos”.

Vanessa Ordonez

Redação por Bianca Pessoa
Edição por Helena Zelic e Tica Moreno

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