Na Confederação Nacional de Mulheres Camponesas (Conamuca), trabalhamos para que as mulheres tenham terra para viver e para produzir. Somos mulheres capazes de defender nossos direitos, corpos, nossa autonomia e nossos territórios. A partir do feminismo, enfrentamos as mudanças climáticas, a violência de gênero, e lutamos pelos direitos sexuais e reprodutivos, pela agroecologia e a soberania alimentar. Somos uma organização que integra a Marcha Mundial das Mulheres. Entendemos a Marcha como um espaço de articulação internacional, que cria espaço para a participação política das mulheres nas lutas por igualdade e melhores condições de vida para todas.
Em nosso trabalho cotidiano, a formação é um eixo fundamental. A educação feminista e popular que realizamos é o que permite fortalecer os vínculos entre as mulheres e as comunidades, e que nos permite ter um outro olhar sobre os condicionamentos patriarcais da nossa sociedade. Nossas formações estão voltadas para a transformação das ideias normativas sobre o papel dos homens e das mulheres na sociedade.
Uma trajetória de educação feminista e popular
Comecei na luta feminista em 2011. Entrei para a Confederação Nacional de Mulheres Camponesas (Conamuca) em uma escola de formação política. Foi ali que comecei a sentir uma inquietação. Eu fui a primeira e a única mulher da minha família a entrar para um movimento de mulheres que lutava contra o patriarcado.
Na escola, tivemos um primeiro módulo sobre autoestima e superação pessoal. Também debatemos os direitos sexuais e reprodutivos, refletimos sobre os impactos do patriarcado na vida das mulheres, falamos sobre os sistemas de opressão e as lutas feministas. Os módulos da escola mudaram nossas vidas como mulheres.
Uma das tarefas das participantes da formação era replicá-la dentro da comunidade. Quando acabou a formação, uma companheira que estava na organização há mais tempo sugeriu que formássemos um grupo de mulheres na comunidade, localizada em uma área rural da província de San Cristóbal.
Nosso objetivo era fazer com que essas mulheres também pudessem aprender o que tínhamos aprendido na formação e, como nós, pudessem perceber que não tinham muita consciência do que estava acontecendo na sociedade. Queríamos ajudá-las a compreender como nos fizeram normalizar muitas coisas – que elas pudessem perceber, por exemplo, como nós, mulheres, estamos sendo violentadas há muito tempo, e que isso não é algo natural.
Depois de todo esse processo de formação e multiplicação, algumas mulheres se recusaram a fazer parte da nossa organização por impedimentos religiosos, com discursos conservadores de submissão aos homens. Outras entenderam, tomaram consciência e passaram a ser parte como nós. Foi assim que formamos a Associação de Mulheres de Base da comunidade, uma agrupação que integra a Conamuca.
Nós encorajamos essas mulheres da mesma forma que fomos encorajadas no processo da escola de formação da organização, e depois muitas delas também participaram da escola. Essas mulheres continuaram se envolvendo, passaram a fazer parte da organização e continuam nela até hoje.
A juventude organizada
Em 2018, começamos a fazer parte da campanha Ativismos da Juventude pela Igualdade de Gênero, que já existia em oito países da América Latina e do Caribe. A campanha buscava desmontar os imaginários sociais que fortalecem as violências contra as mulheres – como as ideias de que as mulheres são feitas para o lar e os homens para a rua, ou de que “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.
Formamos o grupo de jovens Renovação Juvenil por um Mundo sem Preconceito. Decidimos não trabalhar apenas com jovens mulheres, mas também com os rapazes, porque eles também reforçavam os imaginários de violência. Fizemos um mapeamento na comunidade para saber como essas e esses jovens estavam vivendo, do que gostavam ou não, e poder planejar uma forma de integrá-los. Vimos que a juventude gosta de música em nossa comunidade. E foi assim que decidimos criar um grupo de canto e outro de dança para, através deles, desconstruir os imaginários de violência.
Muitos jovens ainda pensavam que o homem é quem deve mandar. Na formação, faziam comentários sobre algumas situações como a de ter uma namorada, vê-la conversando com outro homem e achar que isso é um flerte. Partindo disso que elas e eles estavam trazendo para a formação, começamos a escrever músicas falando desses imaginários de violência que afetam as mulheres.
Assim que fizemos isso dentro da nossa comunidade, constatamos a necessidade de levar nossas atividades a mais comunidades. Fizemos mais um mapeamento e realizamos um campeonato esportivo, no qual cada chute tinha um significado: “uma rebatida na desigualdade”, “uma tacada pelo fim da violência”, etc.
Também organizamos campeonatos educativos. Entregávamos um material para que as e os participantes estudassem para o dia da olimpíada, de acordo com o tema escolhido, e fazíamos perguntas para que mostrassem o quanto sabiam sobre o assunto. Também fizemos podcasts e criamos muitas outras estratégias para que a juventude se integrasse.
Até agora, temos 11 grupos de jovens em diferentes comunidades. Todo esse trabalho tem um só objetivo: continuar disseminando o feminismo, desmontando tudo aquilo que aprendemos e colocando um ponto final em todos esses imaginários de violência que afetam as meninas e os meninos dentro das comunidades. Conhecendo melhor a organização política e se aproximando dela, muitas das jovens que fazem parte desses grupos criaram propostas que foram apresentadas até no Congresso Nacional, reivindicando que se trabalhe em questões como a violência e o casamento infantil.
Temos também os clubes comunitários de meninas, nos quais falamos sobre casamento infantil e gravidez na adolescência, e os clubes para mães e amigos da comunidade, para trabalhar a questão da violência contra crianças, mulheres e jovens. Temos grupos de escuta segura nas comunidades, formados por jovens e mulheres capacitadas para ouvir as vítimas que ainda não conseguiram sair do ciclo da violência. Nós fazemos o acompanhamento dessas vítimas junto às autoridades competentes e às organizações das comunidades, com a discrição necessária, para criar formas de sair da violência.
Com toda essa formação e organização, nós, mulheres e jovens, estamos sempre prontas para qualquer mobilização, estamos sempre lutando para enfrentar esse sistema patriarcal e opressor. Isso é o mais importante.
Daniela Javier faz parte da Confederação Nacional de Mulheres Camponesas (Conamuca) e da Marcha Mundial das Mulheres na República Dominicana.