#EscolaFeminista: tecnologias, saberes e lutas compartilhadas

09/04/2021 |

Por Capire

Saiba como foi a oficina de acolhimento e capacitação técnica da Escola Internacional de Organização Feminista

As metodologias feministas de educação popular integram forma e conteúdo, seguindo os ritmos e cuidados para a construção coletiva do conhecimento orientado para a luta. Têm como ponto de partida as experiências individuais e coletivas de resistência e organização. Esses são princípios da Escola Internacional para a Organização Feminista Berta Cáceres que, no último dia 5 de abril, realizou uma oficina dedicada à capacitação técnica sobre as ferramentas utilizadas e à apresentação e acolhimento das participantes.

Compartilhar saberes e tecnologias e tornar visível o trabalho necessário para uma Escola Internacional online

Para se conectar e participar da Escola Internacional, algumas mulheres que vivem em terras indígenas e territórios quilombolas¹ tiveram que viajar para a cidade para ter acesso à internet. Algumas se conectam pelo celular, outras pelo computador. Aprender a usar ferramentas de videoconferência é um desafio que as participantes assumiram, e um processo que será permanente para participar da escola e para potencializar a organização das mulheres em cada lugar.

Na oficina, foram apresentadas, uma a uma, todas as ferramentas que serão utilizadas: videoconferência, aplicativos para registrar coletivamente as discussões, o espaço de memória de cada encontro.

As traduções são um desafio permanente na construção de movimentos internacionais e internacionalistas. A justiça linguística é um princípio e uma prática da Escola. A equipe de tradução que está acompanhando todo esse processo – em inglês, português, francês e espanhol – foi apresentada e todas puderam conhecer aquelas cujas vozes tornam possível o entendimento entre todas, a construção comum do conhecimento.

Tirar da invisibilidade o trabalho de tradução, colocando a justiça linguística como princípio político, é uma forma de reconhecimento do trabalho necessário e de compromisso coletivo com esse princípio: falar em um ritmo mais lento, com pausas, evitando siglas e acrônimos, entre outras práticas fundamentais para a compreensão e escuta ativa em uma Escola tão diversa. Os idiomas da escola não são, necessariamente, o idioma de origem das participantes, o que coloca ainda mais desafios e exige maior compromisso. As companheiras falantes de árabe indicaram que, também entre elas, organizarão práticas de tradução ao árabe durante a Escola.

Quando falamos das tecnologias, não as reduzimos ao digital. Nas três horas de conexão de cada encontro, é importante lembrar que, por trás das telas, estão corpos que precisam se alimentar, se hidratar, se alongar. As participantes se dividiram em comissões e grupos de trabalho para compartilhar as tarefas da Escola: as atividades para energizar os corpos e mentes, as místicas, as sínteses e relatorias e também as festas. As participantes também assumiram o compromisso de registro das reflexões políticas e metodológicas de cada encontro em diários, que serão fundamentais para organizar os processos de formação posteriores em cada região.

Quem são as participantes da Escola Internacional e quais são suas lutas

As participantes da Escola somam 132 militantes de diferentes povos e lugares situados em pelo menos 39 países e territórios: Zimbábue, Zâmbia, Venezuela, Uganda, Turquia, Tunísia, Tanzânia, Sudão, Somália, República Democrática do Congo, Reino Unido, Quênia, Quebec, Portugal, Porto Rico, Filipinas, Paquistão, Palestina, Nigéria, Moçambique, México, Marrocos, Líbano, Índia, Honduras, Holanda, Haiti, Iximulew/Guatemala, Galicia, País Basco, Estados Unidos, Cuba, Costa do Marfim, Chile, Canadá, Burkina Faso, Brasil, Bolívia, Argélia. Fazemos questão de escrever “pelo menos” porque muitas lutas das mulheres passam pela reivindicação e reconhecimento dos territórios de seus povos, seja pela demarcação de terras indígenas ou quilombolas, seja pelo reconhecimento e visibilidade da memória dos povos de cada lugar ocupado pelas colonizações. 

Cada uma das participantes traz para a Escola suas lutas e olhares, compartilhados neste encontro em catorze grupos de base realizados simultaneamente, divididos nos quatro idiomas praticados na Escola (português, espanhol, inglês e francês). São lutas diversas e múltiplas, mas com pontos de contato e conexão, articuladas na solidariedade e no internacionalismo.

As mulheres constroem a economia feminista, antirracista e solidária como prática, como horizonte e como programa para a transformação da sociedade.

As mulheres que participam da Escola estão inseridas em processos de disputa e defesa dos territórios, de resistência ao extrativismo, à contaminação e deslocamentos forçados, ao acaparamento das terras e florestas, à especulação imobiliárias nas cidades, às ocupações colonialistas e à expansão das fronteiras do capital impulsionada por empresas transnacionais. As mulheres afirmam a autodeterminação dos povos e a propriedade coletiva de territórios indígenas e quilombolas.

Essas lutas se articulam com as propostas de justiça ambiental e climática, e questionam os gasodutos e oleodutos que cortam territórios e dividem povos, as barragens e hidroelétricas que privatizam rios e os muros que impedem a livre circulação, a dignidade e os direitos. Nas grandes obras extrativistas, a violência sexual e racista se aprofunda. As participantes enfrentam as violências e os feminicídios, o tráfico e a exploração, a mutilação genital e a proibição do aborto. Afirmam a autonomia sobre os corpos, as sexualidades diversas e dissidentes, lutam para que mulheres e pessoas LGBT possam se mover com liberdade e segurança.

As mulheres constroem a soberania alimentar como projeto político, a partir de práticas e estratégias como a agroecologia no campo e na cidade e a defesa das sementes crioulas como patrimônio dos povos.

Em diferentes partes do mundo, as participantes da Escola enfrentam a criminalização, a vigilância, aos assassinatos e perseguição política, encontrando pontos comuns e se expandindo nas lutas antirracistas contra o encarceramento massivo e as prisões. Constroem as lutas pela paz em seus países e no mundo, enfrentando as agruras das guerras e dos conflitos armados, que são associados à disputa violenta em torno dos bens comuns e da natureza.

As participantes da Escola estão envolvidas na resistência ao avanço da extrema direita e ao fascismo, a golpes de Estado e forças políticas autoritárias que aprofundam o racismo, a misoginia e as dinâmicas heteropatriarcais que impõem a maternidade e o trabalho doméstico como responsabilidade exclusiva das mulheres nas famílias. As participantes da Escola lutam pelos direitos das trabalhadoras domésticas, enfrentam a pobreza e articulam as experiências cotidianas das mulheres em uma forte crítica às políticas neoliberais e de ajuste, ao endividamento imposto pelas instituições financeiras, aos acordos de livre comércio e as patentes que são obstáculos para a saúde pública. Estão envolvidas na defesa dos direitos das pessoas migrantes, em organizações comunitárias para que as comunidades excluídas dos direitos mais básicos tenham acesso a alimentação, cuidado e saúde. Defendem os serviços públicos e a reorganização dos trabalhos domésticos e de cuidados que tornam a sustentabilidade da vida possível. Participam de processos políticos para que a sustentabilidade da vida esteja no centro das legislações, inclusive em processos constituintes.

As participantes da Escola trazem, em suas práticas organizativas e nas alternativas que colocam em marcha, uma contundente crítica ao violento modelo de desenvolvimento capitaneado pelas empresas transnacionais. E, a partir daí, constroem a economia feminista, antirracista e solidária como prática, como horizonte e como programa para a transformação da sociedade. Reivindicam o feminismo popular, indígena, camponês. São anticapitalistas. Constroem iniciativas de apoio mútuo, práticas de cuidado e cura dos corpos e da natureza, de forma coletiva e auto-organizada em suas comunidades, enfrentando o racismo e o colonialismo, defendendo o corpo-terra-memória. Recuperam e reivindicam linguagens e saberes ancestrais e, ao mesmo tempo, constroem ferramentas de comunicação feministas e populares. Todas essas estratégias se encontram na construção de sujeitos políticos emancipatórios, e são os pontos de partida das mulheres que, até julho, farão dessa Escola Internacional um marco para a construção do feminismo popular. Acompanhe, aqui no Capire, as sínteses de cada encontro.

Como as participantes se sentiram no final da capacitação técnica, no dia 5 de abril.

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¹ Quilombos são comunidades de resistência e refúgio originalmente construídas por pessoas negras escravizadas durante o período colonial no Brasil.

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