#EscolaFeminista: para entender e enfrentar os sistemas de opressões

21/04/2021 |

Por Capire com contribuições de Gina Alfonso

Capitalismo colonialista, heteropatriarcal e racista: imbricações que exploram e dominam os povos

O encontro da Escola Internacional para a Organização Feminista dos dias 12 e 13 de abril se dedicou ao debate sobre sistema de opressões. O dia se iniciou com a potência das palavras de Berta Cáceres, registradas em 2007. “Que concretamente desmontemos o capitalismo, o patriarcado, a discriminação, o racismo”, nos convoca Berta, e é esse o sentido da construção política que realizamos nesta Escola.

Entender o sistema de opressões, hoje, nos exige partir de trajetórias diversas das colonizações, marcadas pelas violências contra as pessoas e seus corpos, contra os povos, seus saberes e idiomas, seus modos de vida e cosmovisões, sua relação com a natureza e os territórios.

A dominação capitalista se expressa em múltiplas opressões: econômica, político-ideológica, sociocultural, ecológica, simbólico-midiática e dos saberes. Estas múltiplas formas de opressões se integram em um único e hegemônico sistema de dominação que aprofunda a contradição capital-vida.

O capitalismo expropria tudo o que pode gerar lucros, e o faz por meio das corporações transnacionais da moda, dos alimentos, do setor farmacêutico. Faz isso com apropriação e exploração do trabalho, da vida e do corpo das mulheres, das subjetividades, impondo formas de ser binárias que são funcionais para a acumulação. 

As opressões têm especificidades, e ao mesmo tempo estão imbricadas. O endividamento atravessa todas nós. Vivemos em países muito industrializados e outros muito pobres. Isso nos afeta e nos obriga a nos deslocar, nos torna migrantes permanentes e também nos obriga a gerir os tempos e espaços de outras formas. 

Quando nos vestimos, muitas vezes não conhecemos o processo pelo qual esta roupa foi produzida. Não há consciência da precariedade, da exploração, das situações que muitas mulheres vivem nestes empregos produzindo para as transnacionais, com a ajuda dos governos, sob o silêncio da criação de empregos nos países pobres, às custas da saúde e da vida das mulheres trabalhadoras. São trabalhos alienantes, repetitivos e escravizadores nas maquilas, no trabalho doméstico, no trabalho agrícola poluente. A terceirização do trabalho recai sobre as mulheres migrantes, pobres, indígenas e negras. Elas pagam, como trabalhadoras precárias, os custos que as empresas não assumem. As mulheres são vendidas como escravas do trabalho e do sexo. Identificamos ausência generalizada de ética nestas situações, permitidas e organizadas pelas mãos do “livre mercado”.

O consumismo e o individualismo corroem a sensibilidade para frear esses poderes que mercantilizam. O sistema também nos leva à competição entre as mulheres em vários espaços, o que nos desune. O complexo do sistema de opressões é localizá-lo no cotidiano e ver como ele entra em nossas vidas e se torna invisível. Por esta razão, as lutas antissistêmicas estão relacionadas à vida pessoal. Em nossos países há muita alienação e o sistema rouba ideias. Eles nos despojam dos conceitos, slogans e símbolos de nossas lutas. O capitalismo também expropria nossas alternativas. É por isso que devemos dar nossas ideias umas às outras, para nos fortalecer.

Os Estados estão submetidos aos interesses das corporações transnacionais. Os governos perdem sua legitimidade e tornam-se associados ao tráfico de drogas e à corrida armamentista. Os Estados justificam o deslocamento forçado, e as lideranças comunitárias que se opõem às tentativas de expulsar as pessoas são criminalizadas. A migração em massa é encorajada por uma situação econômica, social e política instável, onde as pessoas não deixam o país porque querem, mas porque não têm outra escolha. Não há empregos, não há outras condições de vida dignas, há uma luta pela terra, pelo direito à autodeterminação, ao autogoverno e à participação na tomada de decisões políticas, econômicas e sociais.

A exploração dos bens comuns e da natureza pelas empresas transnacionais é mais brutal nos territórios dos povos indígenas. A exploração da mãe terra leva à expulsão dos territórios. As mulheres indígenas têm uma cultura de produzir suas próprias roupas, que é parte de sua identidade e é uma ação importante que também lhes permite preservar a natureza.

As transnacionais são instituições de dominação, elas se apropriam de tudo que é nosso e nos utilizam, depois nos tratam como descarte. Queremos viver sem ser colonizadas. Existe uma divisão Norte-Sul renovada a partir de plataformas tecnológicas e sistemas digitais. Estas são formas renovadas de exploração e colonização. A lógica patriarcal também é acentuada por esta via, desrespeitando os tempos de cuidado, impondo tempos lineares e acelerados de produtividade. As fronteiras do capital se expandem, mas também das resistências, tais como as da tecnologia livre e criativa. Aprender o uso crítico e concreto das tecnologias, enfrentar as contradições e criar alternativas que nos sirvam para a organização, como esta escola é um exemplo.

O sistema condiciona os gostos, as cores e nossos corpos. Nosso corpo é o primeiro território a ser defendido. O sistema de opressões afeta a autoestima e é necessário levar adiante nossa força e espiritualidade. Somos mulheres guerreiras, de luta, em nossas lutas ancestrais territoriais, mas o sistema nos impõe a classificação étnico-racial.

A seguir compartilhamos um vídeo no qual Gina Alfonso, uma das facilitadoras desta sessão, apresenta a visão acumulada na construção da Escola sobre sistema de opressões. O vídeo é narrado em espanhol, e as legendas estão disponíveis em português, inglês e francês.

Seguindo na construção de uma visão política comum, as discussões realizadas nos grupos e no plenário, seja por escrito no chat ou pela voz de cada participante, expressaram como esta Escola é um espaço intenso e único de reflexão e intercâmbio. Experiências tão diversas quanto são os processos históricos e a luta em cada lugar encontram pontos em comum e surpreendentemente semelhantes, mesmo quando separados por oceanos, continentes e muros. Foram compartilhadas perspectivas sobre o lugar das religiões de diferentes matizes na opressão das mulheres, assim como as diferentes leituras históricas do patriarcado e sua imbricação com o capitalismo colonialista.

Em um painel comum, foram apresentadas as visões e análises sobre a supremacia branca, o colonialismo e o racismo, a partir de quatro contextos.

Com a diversidade dos povos que hoje habitam os 54 países da África, e suas histórias de luta por libertação contra o colonialismo, aprendemos que as bases para a assimetria do livre comércio e o endividamento que caracteriza o atual período neoliberal foram colocadas, em muitos países, nos acordos de independência. Posteriormente foram legitimadas por organizações multilaterais, reforçadas pelas instituições financeiras internacionais. A militarização e o extrativismo seguem a todo vapor, controlando os territórios e usando a violência contra as mulheres como instrumento de dominação e controle. Última colônia da África, o Saara Ocidental é território em luta por independência e autodeterminação.

Com a experiência das mulheres dos povos originários de Iximuleu, aprendemos que existe um continuum de resistências, expressados nas dinâmicas de continuidade da luta pela vida das pessoas e da natureza, incluindo todas suas expressões e relações entre si. O colonialismo ataca os povos, sua memória e história. A colonização do saber ancestral, as línguas maternas proibidas, ainda hoje e em diferentes partes do mundo, são instrumentos da dominação. Existe um deslocamento dos saberes, dos idiomas, das culturas e das identidades. 

A luta anticolonialista carrega o potencial de questionar todas as estruturas de dominação, trazendo os corpos para o centro da luta. Aprendemos sobre as raízes coloniais da transfobia nos Estados Unidos. A construção social de gênero é uma construção profundamente violenta, sobretudo para as pessoas negras, não binárias e para as diversidades sexuais, LGBT. Essa construção binária de gênero também cumpre um papel funcional na acumulação do capital. Compreender estas imbricações e enfrentá-las a partir dos sujeitos coletivos é parte dos desafios desta Escola.

Seguimos enfrentando os efeitos do colonialismo em todo o mundo, e a atualidade da ocupação colonialista de Israel sobre a Palestina. O sionismo se apoia historicamente em uma visão que apaga e nega a existência do povo palestino em seu território hoje ocupado. Não se trata de um conflito religioso, e sim de processo de colonização, despojo e expulsão, que se apoia em fundamentalismos religiosos. Pelo menos 66% da população palestina é composta por pessoas que foram expulsas de suas casas e terras.

A autodeterminação dos povos sobre seus territórios e destinos está profundamente conectada à autonomia e autodeterminação sobre os nossos corpos, sexualidades e identidades. E todas essas são lutas que nos articulam em movimento e solidariedade, no feminismo internacionalista que enfrenta o sistema de opressões e organiza nossas alternativas de sociedade.

Vivemos em luta, precisamos nos unir e nos acompanhar em solidariedade. A Escola contribuirá para nos fortalecer em aliança. 

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