#EscolaFeminista: em defesa da Mãe Terra

06/05/2021 |

Por Capire

 

Experiências de resistência e organização indígena, negra e camponesa são a base da formação feminista.

Nos dias 26 e 27 de abril, a Escola Internacional de Organização Feminista Berta Cáceres se dedicou à construção de conhecimento a partir das lutas em defesa da mãe terra. As místicas conectaram as participantes ao sentido dos dois dias, trazendo poemas e cantos de resistência, símbolos e elementos da vida, como são a água, o fogo, a terra e as sementes.

Em todos os lugares do mundo em que o capital avança sobre nossos corpos e territórios, encontra resistência. As palavras de Berta Cáceres nos convocaram a construir nossos movimentos de forma coerente com as demandas das comunidades, com a força e a criatividade dos povos. As mulheres são ousadia e esperança, colocam seus corpos na luta e são alvo de violência e criminalização. De todas as partes do mundo, as militantes compartilharam os nomes de mulheres que tiveram suas vidas ceifadas na luta, e daquelas que têm sido ameaçadas e perseguidas, construindo nossa memória viva e em movimento.

No último encontro da Escola, os grupos começaram a refletir sobre a imbricação das formas como o sistema de opressões opera sobre nossas vidas e a natureza. E, também, sobre as formas de dominação dos homens brancos e do capital, que submetem os territórios e os povos a múltiplas violências.

Somos natureza. Com as cosmovisões de diferentes povos indígenas e tradicionais e as experiências e saberes das mulheres camponesas, aprendemos a assumir a responsabilidade de cuidar da vida integralmente e a compartilhar esse cuidado como responsabilidade coletiva.

A natureza está sob ataque do capital, e isso significa que as condições básicas da vida estão ameaçadas. Em um painel potente, conhecemos diferentes lutas e perspectivas políticas que convergem na defesa da natureza, da Mãe Terra.

Karin Nansen, dos Amigos da Terra Internacional,retomou que, quando lutamos pelo direito à água, estamos colocando no centro da agenda política a luta para manter o ciclo da água e seus fluxos. Isso significa que precisamos de territórios saudáveis para ter a água limpa como direito. Nossa luta, portanto, não se reduz ao acesso, e está necessariamente ligada ao combate à mercantilização e à privatização, de acordo com o lugar do mundo que habitamos.

Nossas alternativas colocam no centro a importância do Estado e dos sistemas comunitários de gestão, em termos de alianças entre o poder público na perspectiva da integração dos povos, e também das relações entre o público e o comunitário.

Vivemos um momento em que o capital avança com mais mercantilização e mais financeirização. Empresas transnacionais e organizações internacionais impulsionam iniciativas “maquiadas de verde” (greenwashing).Constroem um discurso comum e uma arquitetura legal das “soluções baseadas na natureza”, que, efetivamente significam mais acaparamento dos territórios e mais controle dos povos.

Janene Yazzie, indígena Diné, explicou como esses mecanismos da economia verde estão ampliando o controle e o monopólio da vida, com espoliação e expulsão dos povos. Ela explicou como o “conservacionismo ambiental” é profundamente patriarcal e ancorado na supremacia branca: em nome da preservação da “pureza” da natureza, destrói os modos de vida dos povos indígenas, impedindo que interajam com os territórios em harmonia e equilíbrio como sempre fizeram. Nossa luta não cabe nos discurso do direito “humano” à água, porque vivemos uma disputa em torno de quem é reconhecido e respeitado como ser humano.

A violência das transnacionais que acaparam os territórios para projetos extrativistas dá continuidade à dinâmica colonial. O extrativismo colonial se instalou com o trabalho do povo negro escravizado e se perpetua hoje com o trabalho precarizado e o endividamento das pessoas e dos países. A contaminação da água, dos ares e nos subsolos se estende na contaminação dos corpos. A destruição da natureza potencializa o genocídio. “Quando o povo negro vai ter justiça?” pergunta Juslène Tyrésias, da Via Campesina do Haiti, que convoca à organização popular, única alternativa para enfrentar o poder das transnacionais e a violência do Estado.

Companheiras de diferentes povos indígenas trouxeram para o debate suas histórias e memórias, sua linguagem e ancestralidade que organizam as formas de lutar e resistir. A linguagem é política e posiciona as visões de mundo, por isso está no centro da força dos povos indígenas em resistência.

As resistências são locais, mas se fortalecem com a solidariedade internacional. Essa foi uma dimensão muito ressaltada nos grupos de discussão. A cultura, a educação popular e a comunicação foram compartilhadas como estratégias para romper os bloqueios informativos, tanto de corporações como de Estados. Cada experiência relatada evidencia cada vez mais a forma como o autoritarismo político acompanha o autoritarismo de mercado e faz uso de militarização e do terror para controlar povos e explorar territórios.

A segurança e a autonomia das mulheres são ameaçadas quando os sistemas alimentares e a água são atacados e contaminados. Aprendemos como as alternativas de produção, e particularmente a agroecologia como estratégia para a soberania alimentar, são fundamentais para a resistência. Não são apenas discursos contrapostos. São práticas, visões e formas de sustentar a vida em comum que formam a base das nossas alternativas. Articular a construção política e a sustentabilidade da vida nos territórios coloca desafios em torno dos tempos de vida, de produção, de cuidado e da política. Esse é  um aspecto fundamental da economia feminista como projetoemancipatório.

Diante de tanta violência, escutamos experiências de organização, resistência e luta, de vitórias cotidianas e estruturais, de organização permanente. Todas essas experiências nos deixam aprendizados, nos fortalecem, inspiram e renovam a esperança.

É o caso da resistência pacífica deLa Puya, na Guatemala, onde, há anos, as mulheres colocam seus corpos na luta para impedir que se abram os portões para a extração de ouro por uma mineradora estadunidense. As companheiras de Cajamarca, no norte do Peru, denunciam a forma como o governo autoritário abriu os territórios para a exploração das transnacionais mineiras, agroexportadoras e petroleiras. Lá, são as comunidades camponesas e indígenas que resistem para proteger a natureza e especialmente as nascentes dos rios.

As agricultoras na Índia estão em luta contra legislações neoliberais que destroem as possibilidades de sua autonomia econômica, com o desmonte dos mercados locais de alimentos e a abertura para as transnacionais. Ao mesmo tempo, batalham pelo reconhecimento de seu trabalho como agricultoras. Na Turquia, as companheiras relatam como defendem os fluxos da água e a natureza, preocupadas com a existência presente e as próximas gerações.

Nos inspiramos com a luta das mulheres indígenas da Dakota do Norte, Turtle Mountain, que conseguiram banir a fratura hidráulica (fracking)em seus territórios, transformando a vida e as possibilidades de futuro. A resistência se dá com teimosia, dança, organização e mobilização, como ficou registrado na luta de Standing Rock Sioux contra o oleoduto em seu território:

A defesa da Mãe Terra e a soberania sobre nossos territórios são componentes da economia feminista como projeto estratégico, e se conectam com nossas lutas por autonomia sobre nossos corpos e sexualidades. Esse será o foco da próxima sessão da Escola Internacional de Organização Feminista.

Revisão por Helena Zelic

Redação por Tica Moreno

 

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