As lutas pelas mulheres indígenas assassinadas e desaparecidas nos Estados Unidos

05/05/2023 |

Por Claire Charlo

5 de maio é dia de mobilizações pelo fim da violência contra as mulheres indígenas no Estados Unidos

As meninas e mulheres indígenas são fetichizadas desde 1492, quando os colonizadores ocuparam nossos territórios. Até hoje, as mulheres indígenas enfrentam um risco desproporcional de serem assassinadas, violentadas sexualmente e sofrerem outras formas de violência. Segundo uma pesquisa do Simpósio Internacional de Identificação Humana, “de todos os grupos dos Estados Unidos, as mulheres indígenas enfrentam os maiores índices de violência. De acordo com dados coletados pelo Departamento de Justiça dos EUA, em alguns condados do país, as taxas de homicídio de mulheres indígenas são dez vezes maiores que a média nacional. O mesmo relatório revela que as mulheres indígenas são quase três vezes mais suscetíveis a estupros e violências sexuais quando comparadas a mulheres brancas, negras e asiáticas. Além disso, um relatório publicado em 2016 sugere que há maior prevalência de violência inter-racial contra mulheres (e homens) indígenas do que de violência intrarracial – ou seja, os atos violentos são cometidos, em sua maioria, por agressores não indígenas”.

O primeiro entre os casos documentados de Mulheres Indígenas Mortas e Desaparecidas (Missing and Murdered Indigenous Women – MMIW) nos Estados Unidos foi daquela que a Disney chama de Pocahontas. O verdadeiro nome indígena dela era Matoaka. A história romantizada que se vê na Disney é, na verdade, uma mentira. Matoaka foi sequestrada, estuprada, utilizada como prisioneira de guerra e, por fim, envenenada e morta aos 19 anos de idade.

Sacajewea é outra figura histórica conhecida. Ela foi vítima de tráfico infantil, sabia falar diversas línguas indígenas e foi comprada por membros da Expedição de Lewis e Clark1. Ela era adolescente e engravidou. Lewis e Clark queriam Sacajewea não apenas como intérprete, mas também como escudo humano, caso fossem atacados, por sentirem que estariam mais seguros na companhia de uma adolescente grávida. Ela deu à luz durante a expedição. Não se sabe muito sobre o que aconteceu com ela após a expedição; ela viveu com o marido e desapareceu ou morreu misteriosamente. Ela é aclamada pela história colonizada como uma pessoa que escolheu ajudar a dupla de exploradores, e sua trajetória é descrita como a de uma mulher que viajou com a expedição da Dakota do Norte ao Oceano Pacífico, estabeleceu contatos culturais com povos indígenas americanos e contribuiu para o conhecimento da expedição sobre a história natural.

Essa é uma versão que encobre a história de uma adolescente indígena grávida e traficada que foi comercializada como propriedade.

No entanto, Lewis e Clark não teriam sobrevivido sem Sacajawea. 

Desde 2017, o dia 5 de maio é reconhecido nos EUA como Dia Nacional de Consciência pelas Meninas e Mulheres Indígenas Mortas e Desaparecidas. A data é o o aniversário de Hanna Harris, jovem de 21 anos e cidadã do povo Cheyenne do Norte, que desapareceu e foi encontrada morta na Reserva dos Cheyenne do Norte em 2013. A data e os esforços de incidência popular, além de documentários recentes, conseguiram chamar uma atenção maior da população para a crise.

No dia 5 de maio, milhares de pessoas de todo o país participam de marchas, fóruns, encontros comunitários e vigílias, em luto, como testemunhas de uma tragédia implacável.

A maioria das pessoas usa vermelho nesses eventos, algumas com uma mão vermelha pintada sobre a boca, como símbolo das milhares de mulheres indígenas que foram assassinadas ou desapareceram ao longo dos séculos.

Mulheres e adolescentes indígenas como Hanna Harris, Selena Not Afraid, Jermain Charlo, Kaysera Stops Pretty Places, Henny Scott e Ashley Loring Heavyrunner estão desaparecidas ou foram assassinadas, assim como, tragicamente, muitas outras que não chegam ao noticiário. O Centro de Paz Jeannette Rankin expressa solidariedade às famílias de Mulheres Indígenas Mortas e Desaparecidas e Parentes (Indigenous families of Missing and Murdered Indigenous Women and Relatives – MMIW/R). Desde abril, uma arte foi exposta na fachada do centro na esperança de informar à comunidade sobre o 5 de maio.

Se você tem interesse em fazer doações para apoiar essa causa, considere contribuir para uma organização ativa que auxilie famílias na busca e resgate de pessoas indígenas em Montana, para o Snowbird Fund ou para o financiamento coletivo da MMIP no GoFundMe, organizado por Charlene Sleeper, militante popular de Billings (estado de Montana), artista, poeta e estudante da Universidade Estadual de Montana, e defensora de pessoas indígenas mortas e desaparecidas da região sudeste. Ela também atua em defesa de famílias de acolhimento [foster care]. No dia 3 de abril de 2023, Charlene visitou familiares no cemitério da cidade de Hardin, em Montana. O túmulo de Selena Not Afraid fica próximo dali e não tem lápide. Charlene assumiu o compromisso de arrecadar fundos para uma lápide para Selena e para outra mulher indígena morta que não é tão conhecida na mídia.

  1. Meriwether Lewis e William Clark, que lideraram a primeira grande expedição exploratória do leste ao oeste do continente norte-americano no início do século 19. []

Claire Charlo é militante dos feminismos indígenas pela Rede Ambiental Indígena [Indigenous Environmental Network – IEN].
Edição por Tica Moreno
Traduzido do inglês por Aline Scátola
Idioma original: inglês

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