A comunicação comunitária em Cuba: experiências libertadoras

21/07/2022 |

Por Marilys Zayas

Leia a contribuição de Marilys Zayas ao debate sobre as estratégias de comunicação feminista e popular

Red Feminista Berta Cáceres – formación comunicación comunitaria

Já faz algum tempo que, justamente através de uma iniciativa do Capire e da Marcha Mundial das Mulheres das Américas, eu vinha me aproximando da pesquisa de temas relacionados à comunicação popular e comunitária com uma perspectiva feminista em Cuba. Penso que se há algo que nós, pessoas que trabalham com esse tipo de comunicação, precisamos fazer, é parar e ver como estamos fazendo e o que mais podemos fazer com relação a isso. Em Cuba, nós já temos um grupo de premissas relacionadas com a comunicação comunitária.

Uma das questões fundamentais que deve ser levada em consideração ao pensar a comunicação comunitária em Cuba é o fato de que a informação e a comunicação são articuladoras de direitos. De fato, a informação é o fator central da comunicação popular. Ela deve ser levada em conta em todos os aspectos da vida que propiciam a criação de códigos culturais para o desenvolvimento de uma atividade comum, de resistências e alternativas. Esse é um caminho que reconstrói táticas e estratégias, pois fortalece o trabalho de base para a interação com o povo. Por isso, é importante tê-la em conta não só a partir da comunicação, mas também a partir da organização política.

Quero resgatar alguns temas que estão relacionados aos antecedentes da comunicação em Cuba. Muitas vezes, os temas começam a estar na “moda”, mas é preciso considerar que, em Cuba, tudo aquilo que está relacionado aos meios de comunicação começou a se ampliar a partir da institucionalidade. Foram garantidas rádios e televisões comunitárias que ajudaram a colocar em movimento esse tipo de comunicação. Claro, isso tem alguns problemas: elas vêm com uma visão institucional e talvez seja hora de mudar os papéis com base nisso. Mas o certo é que as rádios e televisões estão nas comunidades, mesmo as de mais difícil acesso, e isso permitiu que fizéssemos um tipo diferente de comunicação. Essas iniciativas têm cumprido seu papel em alguns lugares do país e definem, segundo minha perspectiva de pesquisa, os paradigmas de comunicação.

Red Feminista Berta Cáceres – formación comunicación comunitaria

A comunicação comunitária em Cuba é, acima de tudo, emancipadora. Em primeiro lugar, por sua essência libertadora. Ela não é apenas uma categoria de estudo, é um campo de luta, um refúgio de significados históricos, culturais, políticos, ideológicos, simbólicos, e deve ser, acima de tudo, um sentido comum para as maiorias.

Honestamente, ao pensar como um país bloqueado faz uso da comunicação comunitária, eu diria que, se há alguma vantagem nisso, é justamente permitir fazer mais com menos. Quando falamos de comunicação popular em Cuba, não estamos falando só de comunicação. Os meios de comunicação são populares, têm conseguido alcançar a população e levar informação. Em Cuba, realmente há uma organização nos territórios que possibilita que essa comunicação seja diferente.

Estou me referindo, por exemplo, à comunicação realizada na área de saúde. Durante a pandemia, se não tivéssemos encontrado uma forma de se comunicar nos consultórios de médicos das famílias, a partir do boca a boca, das pessoas, dos cartazes fixados na entrada dos edifícios; se não tivéssemos experiências de organização como os Comitês de Defesa da Revolução (CDR), como a Federação de Mulheres Cubanas (FMC); e se não tivéssemos ido de “porta em porta” para saber quem estava doente e quais sintomas tinham, como forma de apoiar os serviços médicos, seria bem difícil chegar a uma comunicação comunitária e popular que funcionasse, que estivesse articulada e chegasse às pessoas nesse período.

Se esse tipo de comunicação na ilha tem algum ponto forte, é a existência de rádios e televisões comunitárias até mesmo nas comunidades mais afastadas. Uma das maiores conquistas vem da televisão comunitária de Sierra Maestra, a Televisión Serrana. A Sierra Maestra é uma área de difícil acesso que conseguiu levar à TV a realidade do povo e das comunidades, a tal ponto que os programas da Televisión Serrana são transmitidos em cadeia nacional. Conseguir um minuto na cadeia nacional não é uma das coisas mais fáceis, nem em Cuba nem em outros lugares do mundo. Muito menos quando vem de uma televisão comunitária pequena, onde a própria comunidade forma os atores fundamentais que tornam esse sonho realidade. Acho que é um passo muito avançado conseguir que essa realidade seja mostrada na televisão. Além disso, quando são realizadas premiações de jornalismo em espaços como a União de Jornalistas de Cuba, são essas televisões que, de alguma forma, ganham visibilidade nos espaços culturais, existe um reconhecimento do trabalho realizado nessas áreas.

Há muitas formas de chegar até as pessoas. E eu acho que temos muito a ser feito.

Um dos grandes desafios que enfrentamos hoje é o de conseguir nos aproximar das pessoas, e que elas também possam construir a comunicação. Que a comunicação não chegue como uma orientação vertical, mas se torne algo horizontal, onde todo mundo pode contribuir.

As pessoas nos bairros têm que se munir dessas ferramentas para garantir que as tarefas dos nossos líderes sejam realmente executadas de forma coerente. Para poder olhar a situação real das mulheres e saber de onde elas estão partindo, temos que praticar a comunicação comunitária a partir de uma visão feminista, inclusive a partir da visão da Federação das Mulheres Cubanas.

Novas experiências em ação

Em Cuba existem muitas experiências de trabalho comunitário. Quando se fala em comunicação comunitária e com uma perspectiva feminista em Cuba, é impossível não mencionar o trabalho realizado pelo Centro Martin Luther King (CMLK). O CMLK tem avançado nesse tema em inúmeras comunidades do país, a partir de uma teoria libertadora. Também existem alternativas que surgiram durante a pandemia e que eu gostaria de destacar porque foram feitas de diferentes maneiras. Tivemos que nos afastar, deixamos de nos ver cara a cara. E conseguimos criar ou fortalecer, a partir das redes sociais, as redes que temos nos bairros.

Chimarronas

Um exemplo significativo é o do coletivo Cimarronas, um dos espaços mais simbólicos em tempos de pandemia. As Cimarronas são um grupo de mulheres e jovens universitárias que se declara feminista e que foi criado há dois anos e meio, um pouco antes da pandemia começar. Elas entraram nas redes e começaram a chegar às pessoas, especialmente às jovens e adolescentes que estavam dentro de casa, com mensagens feministas. E fizeram isso a partir de uma visão nova, com uma diversidade muito interessante. Além disso, começaram a trazer temas atuais. A vantagem foi que também começamos a colocar as questões de gênero a partir de um meio alternativo.

Em segundo lugar, gostaria de apontar as ações realizadas pelo Espaço Feminista Berta Cáceres. Esse foi um movimento que, embora já estivesse estruturado há bastante tempo, conseguiu alcançar dimensões inimagináveis em termos de trabalho. Nele, pudemos trazer importantes questões internacionais.

Trazer e apresentar a realidade é algo importante para nós. Eu sou diretora de uma revista chamada Muchacha, da Editora da Mulher da Federação de Mulheres Cubanas. Uma revista que foi fundada pensando em um público bem jovem. É uma revista impressa, que circula nas bancas, em papel, mas que teve sua tiragem diminuída justamente devido à realidade do bloqueio contra Cuba. Em Cuba, nós não temos papel suficiente, mas podemos fazer algo para colocar em circulação os meios de comunicação dedicados a diferentes públicos, e esse é um deles.

Em tempos de pandemia, quando acabamos ficando em casa, fizemos uma movimentação interessante, mudando nossa maneira de pensar. Chegamos à conclusão de que nossa revista praticamente não era mais impressa, mas tínhamos a esperança de que ela continuasse circulando. Então decidimos levá-la às redes. É uma revista que já tem o costume de se encontrar com seus atores nas escolas, escolas do ensino médio e cursos preparatórios. A essa altura, poderíamos passar a encontrar nosso público também nas redes. Nossa chamada esteve dedicada a trabalhar esse tipo de comunicação popular nas redes. E assim realizamos oficinas presenciais com jovens e adolescentes. E continuamos trazendo, a partir das redes sociais, nossos temas relacionados à desconstrução dos mitos da masculinidade em Cuba, com a formação de novos tipos de masculinidade, com as discussões sobre a violência em uma perspectiva de gênero. Além da revista Muchacha, outros espaços foram trazendo os temas comunitários e com perspectiva de gênero. Um desses espaços que cabe destacar é a Coluna Letras de Género, dirigida pelas jornalistas Dixie Edith e Ania Terrero.

Tudo isso foi um imenso desafio, justamente pelas limitações que Cuba enfrenta hoje em termos de conexão a internet. Não é um segredo que a conexão em Cuba pode ser extremamente custosa. Embora ela seja garantida para que os meios de comunicação tenham algum tipo de conectividade, nem sempre é suficiente para nós que trabalhamos nisso. Mesmo assim, conseguimos manter esse tipo de comunicação nas nossas redes e nossas mensagens continuaram chegando.

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Marilys Zayas é jornalista. Faz parte da Federação de Mulheres Cubanas e da Marcha Mundial das Mulheres em Cuba. Esse artigo é uma edição de sua apresentação no webinário “Estratégias políticas de comunicação feminista e popular”, realizado pelo Capire no dia 05 de julho de 2022.

Edição de Helena Zelic
Traduzido do espanhol por Luiza Mançano

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