2023, um ano de luta feminista e reencontros

22/12/2023 |

Capire

Confira um panorama da produção do Capire sobre a luta feminista e anti-imperialista pelo mundo

Fechamos o ano de 2023 com uma retrospectiva repleta de lutas e solidariedade, ideias e reflexões coletivas vindas das experiências das mulheres de todo o mundo. Foi um ano de defesa urgente da vida, da liberdade e da autodeterminação dos povos, contra o imperialismo e suas guerras, sanções, embargos e a criminalização de quem luta. Nos reencontramos em espaços de construção do internacionalismo feminista. Nos despedimos de companheiras fundamentais para a nossa luta, criamos formas coletivas de memória e seguimos na construção do feminismo popular.

No Capire, amplificamos a voz de mulheres militantes com 19 entrevistas, 25 textos autorais e 31 relatos de experiência, além de vídeos e áudios. Publicamos conteúdos exclusivos e também em convergência com outros meios de comunicação contra-hegemônicos e dos movimentos populares. Nos esforçamos para que nossa plataforma facilite diálogos, alianças e intercâmbios que aprofundam a compreensão global do feminismo popular e da urgência de uma transformação antissistêmica. Como sempre nos dizia nossa companheira Nalu Faria, as respostas para os problemas dos povos não precisam ser inventadas por teorias, pois já estão sendo praticadas pelos próprios povos. Cabe à comunicação feminista e popular registrá-las, transmiti-las, colocá-las para conversar, fortalecendo assim a construção de movimento, o sujeito político feminista e as práticas concretas do internacionalismo.

Solidariedade urgente: seguiremos em marcha até que a Palestina seja livre!

A defesa da Palestina livre do rio ao mar, contra a ocupação sionista e o genocídio em curso é uma luta fundamental das mulheres anti-imperialistas. Nos somamos às mídias populares respondendo ao chamado de Leila Khaled: “conclamo a mídia. Vocês. Vocês também são o povo que luta. Vocês, que também podem ter força suficiente para passar uma mensagem para o mundo.

Ao longo do ano de 2023, ampliamos a luta em defesa do povo palestino, denunciamos o genocídio em curso em Gaza e demos visibilidade à luta das mulheres palestinas em defesa da sua vida, dos seus corpos e da sua terra em entrevistas e análises que nos dão um panorama sobre a força dessa resistência. Com a escritora Maryam Abu Daqqa, lemos sobre a perseguição que sofrem as mulheres palestinas dentro e fora das suas terras; a militante da MMM Abeer Abu Khdeir denunciou o genocídio em curso, no momento em que o conflito começava a se intensificar; com Leila Khaled, aprendemos sobre a legitimidade da resistência palestina contra a ocupação sionista e as necessidades de ação concreta, em cada um dos nossos países, em defesa do povo palestino; e Yasmeen El-Hasan falou da profunda e enraizada relação do povo palestino com sua própria terra, afirmando a luta pela terra como central para a defesa da Palestina livre. Os conteúdos publicados por Capire são instrumentos para fortalecer essa luta, que terá em 2024 uma fase crucial: é urgente por fim aos ataques de Israel, ao genocídio e à ocupação sionista. 

Um feminismo anti-imperialista e anti-colonial

Marcando os 200 anos da Doutrina Monroe, publicamos a denúncia da MMM e da ALBA Movimentos sobre o passado e presente do imperialismo estadunidense nas Américas, e manifestamos solidariedade feminista na campanha “Cuba Vive e Resiste”.

Fortalecendo a solidariedade feminista pela soberania e auto-determinação do Saara Ocidental, publicamos o artigo de Ayla Chejh sobre o papel central das mulheres na organização política do Saara Ocidental e o vídeo Uma Bandeira Fincada na Areia, produzido pelo Capire e o Secretariado Internacional da MMM, que mostra o cotidiano das mulheres nos acampamentos de refugiados saarauís na Argélia.

Reencontros presenciais e coberturas internacionais

Desde 2021, acompanhamos de perto a realização da Escola Internacional de Organização Feminista (IFOS, sigla em inglês). Em agosto desse ano, mais de 100 mulheres de todas as partes das Américas se encontraram em Honduras para a realização da edição regional e primeira presencial da Escola, envolvendo um conjunto de movimentos e organizações que atuam em aliança na região. Publicamos no Capire as reflexões sobre descolonizar corpos e sexualidades, sobre a importância da mística na formação feminista e sobre a construção de um sujeito feminista plural, acúmulos do conteúdo debatido na Escola, além de um trecho do livro “Educação popular feminista decolonial”

Natália Blanco, 2023

Em outubro desse ano, a Marcha Mundial das Mulheres realizou seu 13º Encontro Internacional, o primeiro em formato presencial após a pandemia. A atividade aconteceu em Ancara, Turquia, com representações de coordenações nacionais da Marcha e movimentos aliados de 65 países. Em preparação ao Encontro, publicamos textos sobre a economia feminista como ferramenta política da Marcha Mundial das Mulheres e também sobre experiências históricas do movimento, como a criação da Colcha da Solidariedade, em 2005, e o encerramento da 3ª Ação Internacional na República Democrática do Congo, em 2010.

A cobertura do 13ª Encontro Internacional foi contada em artigo e vídeo. Também publicamos entrevistas com a feminista indiana Sehjo Singh e a palestina Abeer Abu Khdeir

Em setembro e outubro, participamos da 3ª Conferência Dilemas da Humanidade da Assembleia Internacional dos Povos (AIP), nas etapas regional (em Santiago, Chile) e internacional (em Joanesburgo, África do Sul). Regionalmente, apresentamos nossa experiência de comunicação popular e publicamos uma edição da fala da socióloga equatoriana Irene León. Na etapa internacional, dialogamos com as mulheres participantes e escrevemos sobre os acúmulos das lutas antipatriarcais e anticapitalistas na construção do socialismo, e publicamos o discurso de Ana Priscila Alves (Brasil) e as entrevistas com as militantes Leila Khaled (Palestina), Theodora Pius (Tanzânia) e Phakamile Hlubi-Mjola (África do Sul).

Capire participou da convergência de comunicação na 8ª Conferência da Via Campesina, que aconteceu em dezembro desse ano, em Bogotá, Colômbia. Durante a conferência, foi realizada a 6ª Assembleia de Mulheres da Via Campesina, um momento de organização do feminismo camponês e popular. Publicamos uma reflexão de lideranças da CLOC-Via Campesina sobre a história e acúmulo das mulheres camponesas na construção da soberania alimentar, além de uma análise de Geum-Soon Yoon, da Coreia do Sul, sobre os desafios diante da conjuntura atual. Durante a conferência, realizamos várias entrevistas com lideranças da Via Campesina, dentre elas a da militante nepalense Daya Laxmi, que também integra o Comitê Internacional da MMM.

Photo: Biby Rojas | LVC

Memória feminista

Em 2023, nos despedimos de militantes feministas que fizeram história e dedicaram suas vidas à luta na resistência ao capitalismo patriarcal e em defesa da igualdade e autonomia em seus países e no mundo. O legado de Nalu Faria, Ahlam Belhaj, Cleone Santos, Sarah Spatz e Maria Mies continuará a existir na chama da revolução feminista que nos move. Fizemos e seguiremos fazendo memória a partir de suas lutas, assim recordamos outras companheiras da história do feminismo. Relembramos as trajetórias e contribuições de Miriam MakebaJosie Mpama da África do Sul, das revolucionárias cubanas Haydée Santamaría e Vilma Espín, da militante guianense Andaiye, da hondurenha Berta Cáceres a partir das palavras da sua filha Bertita Zúniga, e refletimos sobre o que desejamos enquanto mulheres socialistas a partir de um texto de Eleanor Marx, de 1886. Também relembramos os 50 anos do golpe militar no Chile, os 10 anos do desabamento do Rana Plaza e recuperamos a história do Movimento de 4 de Maio na China.  

O ano de 2023 marcou os 25 anos da Marcha Mundial das Mulheres. Sobre essa história e os desafios atuais, compartilhamos a análise de Yildiz Temürtürkan, coordenadora internacional da MMM, e retomamos o lançamento do movimento, ocorrido em 8 de março de 2000. Além disso, coproduzimos um vídeo que recupera as trajetórias de luta da Marcha Mundial das Mulheres por soberania alimentar.

Resistências permanentes em defesa da vida e soberania dos povos

Ao redor do mundo, as mulheres encabeçam lutas em defesa da sustentabilidade da vida e da soberania dos povos. As resistências das mulheres, ao mesmo tempo em que denunciam as guerras e violências, criam e mantêm territórios de paz. Nesse sentido, realizamos uma entrevista com a ativista egípcia Sanaa Seif sobre a campanha pela libertação de seu irmão e outros presos políticos; com Jodie Evans, do CODEPINK, e com Siwatu-Salama Ra e Roxanne Lawson, da Aliança Popular pela Justiça Global [Grassroots Global Justice Alliance – GGJ], sobre a luta por desmilitarização no centro do imperialismo; e com Mireya Forel, da Mulheres de Negro, sobre a agenda feminista antiguerras.

Publicamos um artigo contundente sobre o racismo e a xenofobia envolvidos no assassinato de um jovem árabe pela polícia francesa e uma análise sobre a perseguição, sequestros e assassinatos que as mulheres indígenas sofrem nos Estados Unidos. Denunciamos a cooptação e a violência LGBTfóbica no campo e na cidade. Também publicamos textos sobre resistências políticas no Peru e em Jujuy, na Argentina, contra a repressão policial e em defesa da democracia.

Em defesa dos territórios, comunidades e natureza, publicamos textos sobre a resistência à mineração no Brasil, a captura corporativa da natureza no continente africano e na COP 15, e o monocultivo de dendê em Chiapas. Essas são lutas feministas que combinam a defesa dos corpos e dos territórios. Da Turquia, Síria e territórios curdos, militantes escreveram sobre os impactos do terremoto que aconteceu na região, um desastre sem precedentes, cujos impactos foram aprofundados pela política neoliberal. E, para ampliar os horizontes da luta ecofeminista, entrevistamos Ariel Salleh, que aponta caminhos feministas diante do colapso ecológico do século XXI.

Os corpos das mulheres continuam sendo um território de disputa capitalista e patriarcal. Nas Filipinas, Jean Enriquez denuncia aprostituição que acompanha a presença militarno país e na região. No Iraque, Teeba Saad denuncia as leis de estatuto pessoal e a masculinidade sistêmica. Na Tunísia, as mulheres refletem sobre a precarização do trabalho na economia informal e sobre o controle patriarcal sobre seus corpos.

Elaborando e construindo alternativas feministas

Ao redor do mundo, a partir das experiências locais e dos saberes coletivos, as mulheres propõem alternativas econômicas e sociais para a transformação do mundo. Dentre as experiências de comunicação e plataformas virtuais, publicamos conteúdos sobre a Pikara Magazine, no Estado espanhol, o portal argentino Marcha, a televisão pública da Venezuela Telesur, e a plataforma Maria d’Ajuda de enfrentamento à violência na internet no Brasil.  

No Brasil, Rejane Medeiros fala em entrevista sobre a auto-organização das mulheres rurais no Nordeste brasileiro. Essa auto-organização também se demonstrou com força na Marcha das Margaridas, que reuniu mais de 100 mil mulheres na capital brasileira, e no longa-metragem Formigueiro: A Revolução Cotidiana das Mulheres, que acompanha ações da MMM no país. Nas Filipinas, as mulheres resistem ao autoritarismo enquanto levam adiante a luta pela reforma agrária. No País Basco, as mulheres organizam uma campanha reivindicando políticas feministas de cuidados. Na Georgia e na República Dominicana, assim como internacionalmente na Via Campesina e no Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, sigla em inglês), mulheres realizam processos de formação e recuperam a história de luta feminista em seus países. Na França, as mulheres lutaram contra a reforma da previdência, apresentando críticas feministas ao sistema de aposentadorias. Nas Américas, as mulheres unem feminismo e integração dos povos e se preparam para uma jornada continental pela integração.

Em todos esses exemplos, colocar a sustentabilidade da vida no centro da luta política é parte da estratégia dos sujeitos políticos de cada lugar. A economia feminista, com sua perspectiva de ruptura e transformação radical da organização social, se mostra como um farol importante para as lutas do porvir. 2024 será um ano de continuidades e ampliação de processos políticos e passos que vêm de longe. Como escreveu a poeta cubana Nancy Morejón, que possamos nos inspirar nas lutas já travadas para, então, “o mundo renascer por sua vez/ para renascer todo o mar”.

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Com o objetivo de manter e ampliar Capire como uma ferramenta do feminismo popular internacionalista, em 2023 lançamos um convite e pedido de apoio para todas as pessoas que nos acompanham contribuírem com a comunicação feminista e popular. Apoie o Capire!

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Redação por Bianca Pessoa e Helena Zelic

Edição por Tica Moreno

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