Llanisca Lugo: “A integração é essencial para a soberania”

07/06/2022 |

Por Capire

Llanisca Lugo fala sobre os caminhos da integração regional nas Américas

Transmitimos, hoje, a entrevista com Llanisca Lugo durante a 3ª Assembleia Continental da ALBA Movimentos.  Ela falou sobre a atual ofensiva imperialista e sobre as práticas populares para criar e fortalecer a soberania e a integração dos povos da América Latina e do Caribe.

 “Sem a integração dos povos, a soberania será sempre limitada, terá sempre estreitas margens de ser”, afirmou a educadora popular cubana Llanisca Lugo em entrevista concedida para Capire em uma manhã gelada na Argentina, durante a 3ª Assembleia Continental da ALBA Movimentos, realizada em abril deste ano. A integração regional é um tema em construção permanente para a ALBA Movimentos, essa articulação continental de movimentos sociais gestada a partir das lutas contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e das resistências populares nos territórios latino-americanos e caribenhos.

Capire conversou com Llanisca sobre, por um lado, as investidas atuais do imperialismo sobre os modos de vida; e, por outro, sobre as práticas populares para criar e fortalecer a soberania e a integração entre os povos da América Latina e Caribe. Llanisca Lugo é integrante do Centro Martin Luther King (CMLK) e da Marcha Mundial das Mulheres em Cuba. A entrevista pode ser ouvida integralmente no idioma original ou lida abaixo em versão traduzida.

*

Para você, o que significa o conceito de unidade na diversidade?

Compreender o desafio da unidade no cenário em que vivemos significa, primeiro, entender duas coisas fundamentais: quem é o ator coletivo, ou seja, o que é o comum que está se unindo e configurando um corpo comum; e qual é o projeto em torno do qual esse corpo é construído. A unidade em abstrato é um lema, uma bandeira muito difícil de sustentar ao longo do tempo, quando os eventos específicos que nos convocam e que nos permitem estar juntos por um tempo passam. Então esse ator coletivo, esse corpo comum deve, necessariamente, ser reconhecido em seu caráter de pluralidade, em seu caráter de diversidade: diversidade de identidades, de idiomas, de histórias, de causas, diversidade de caminhos, diversidade de sentidos. Isso é mais profundo do que costumamos pensar, porque estamos muito acostumadas e acostumados a permanecer no que é conhecido, a abraçar o que nos é semelhante e a afastar um pouco, sem rejeitar, mas desconhecer o que é diferente de nós. Então, para realmente construir a unidade, temos que nos reconhecer, nos conhecer, nos sentir como plurais.

Mas também temos que nos reconhecer em torno de um projeto político, que não pode ser um lema ou um horizonte que não diga nada sobre os problemas imediatos das pessoas, as necessidades mais sentidas das pessoas. Trata-se de um projeto que devemos renomear, dar corpo e rosto o tempo todo. Diante dessa questão, na ALBA Movimentos estamos pensando o projeto a partir dos desafios da realidade e das necessidades dos povos.

O que significa imperialismo hoje? E, por outro lado, o que significa a integração regional diante desse imperialismo?

O imperialismo não é regional. O imperialismo é uma prática, uma política, uma lógica, uma forma de agir e estar no mundo. É global e tem diferentes sujeitos que também devem ser visibilizados e nomeados para entender como o imperialismo se expressa. Porque o imperialismo tem uma dimensão que identificamos com muita clareza quando vemos guerras, invasões, agressões, extermínios; mas tem outras maneiras mais sutis de proceder, porque escolhe suas táticas em função dos estágios de correlações de forças. O que nunca vai ceder é sua intenção de ser império, de dominar, de controlar, de regular a vida de todos para que nos pareçamos ao centro do poder, para que não sejamos plurais. Nossa pluralidade, nossa riqueza fundamental que é nossa diversidade, é também a ameaça fundamental ao imperialismo.

O imperialismo precisa que sejamos todas e todos iguais. Iguais nos desejos, nos sonhos, nos comportamentos, doutrinados, disciplinados.

O imperialismo também não quer a guerra. O imperialismo quer dominar com calma e paz. É por isso que a dimensão da cultura imperialista é tão importante. Essa cultura hegemônica que nos atravessa no consumo cotidiano, que elabora os sonhos das pessoas, que atravessa as relações sociais, que coloca as mulheres em situação de subordinação sem que percebamos, sem questionar que as mulheres fiquem em casa cuidando, sacrificadas, sem realizar seus direitos, e que também nos faça acreditar que elas devem estar felizes e agradecidas porque têm uma família que as ama e a possibilidade de não estarem desamparadas… Essas obviedades são também fruto da cultura imperialista.

Você não pode isolar o imperialismo e pensar que significa um tanque norte-americano entrando em um território, porque ele é isso também, mas é muito mais amplo. E está nos levando a perder nossa disputa sobre os significados e valores de um modelo e uma forma diferente de reproduzir a vida. A juventude e muitos setores estão realmente sendo seduzidos. Na medida em que nos assemelhamos como sociedades, o imperialismo está vencendo sua guerra de dominação.

Para Cuba, especificamente, qual é a importância da articulação regional?

Sem articulação regional, nenhum país poderia ganhar um processo nacional. Quando temos um imperialismo que sanciona, que bloqueia, que recrudesce suas políticas hostis, que é capaz de eliminar medicamentos, que não permite a chegada de alimentos, que bloqueia para que não cheguem navios com petróleo, que bloqueia contas financeiras e as pessoas estão em suas cidades com dificuldades para comer, quando você tem essa situação de crise, entendemos que sem integração regional, sem articulação, não é possível derrotar o imperialismo, não é possível construir um projeto de soberania.

A integração é imprescindível para a soberania. Soberania não é autonomia. A soberania é a capacidade de conduzir, com a autoridade dos povos, com o poder dos povos, o caminho que eles querem seguir.

Mas, sem a integração dos povos, essa soberania será sempre limitada, sempre terá margens estreitas em seu ser, porque se não nos unirmos – não só nos conceitos políticos que já são consensos entre nós, mas nos unirmos para produzir de outra forma, para trocar o que produzimos de outro modo, para gerar vacinas entre todos os povos e compartilhar as vacinas como resultado da criação dos povos–, se não compartilharmos a música entre os povos e a tecnologia que os povos estamos criando, então a tecnologia imperialista nos domina, a cultura imperialista nos domina, as sanções imperialistas nos sufocam e a vida se torna cada vez mais difícil. Quando os povos estão apenas em sobrevivendo, não têm muitas possibilidades de se politizar, construir caminhos, se organizar, lutar e resistir para criar um projeto de justiça e igualdade.

Portanto, a integração é imprescindível para a soberania, para a igualdade e para a justiça. Nós apostamos na articulação dos povos porque isso independe da natureza dos Estados e das conjunturas políticas que podem mudar. Isso vai nos dar a força necessária para sempre usufruir de um caminho radical que oriente os processos nacionais.

Precisamos ir o tempo todo da integração local para a regional, e retornar da integração regional para a local. Que nossas bases estejam integradas – não que haja discursos e agendas integrados, mas que as pessoas se conheçam entre si e a partir a base. Que as militâncias possam se expressar diretamente, não representadas por dirigências populares, mas, diretamente, se expressar na integração, criando muitas coisas lindíssimas que estão sendo feitas na América Latina e no Caribe. Há muita força entre os povos quando quebramos algumas mediações e permitimos que as pessoas fluam no caminho do diálogo, da conversa, do reconhecimento mútuo.

Por último, gostaríamos de lhe perguntar sobre os desafios da integração no Caribe. Como aprofundar a aproximação?

A questão linguística é a mais visível entre as dificuldades de integração do Caribe. É muito difícil entender a importância do que o Caribe chama de “justiça linguística”, que é apropriar-se de recursos e métodos, não sem esforço, essenciais para nos entendermos. O Caribe está trabalhando muito com esse conceito que, para nós, é fundamental. Mas isso é apenas uma pequena parte. Nós não reconhecemos, não conhecemos as histórias de resistência e independência dos povos do Caribe. Muitas vezes nos esquecemos de defender as lutas por sua descolonização, pois ainda existem muitas colônias no Caribe. Quando falamos do Caribe, nós o sentimos longe, minúsculo e estranho. Muitas vezes, não nos sentimos – mesmo aqueles que estão no Caribe – caribenhos antes que latino-americanos. Acredito que recuperar a história da revolução haitiana e as histórias de resistência dos povos caribenhos, e nos entendermos nessa identidade do que significa ser uma ilha, também pode nos tornar muito mais fortes.

Há esforço. Agora mesmo, aqui na Assembleia da ALBA, há um espaço onde companheiras e companheiros que fazem parte da Assembleia dos Povos do Caribe vão se encontrar. Essa assembleia será realizada em junho deste ano, em Santiago de Cuba, para continuar a discussão de assuntos do Caribe relacionados à agenda regional. Por exemplo, no Caribe há uma discussão para ALBA Movimentos, e discutimos os eixos que podem mais impactar nossa contribuição: falamos sobre mudanças climáticas, militarização, soberania alimentar, questões que atravessam o sofrimento dos povos, e, claro, de descolonização e da luta anti-imperialista. São questões que tentamos trazer como Caribe, sob um lema que os companheiros de Porto Rico sugeriram com grande generosidade: “sem Caribe não há América”.

Isso é para lembrarmos que fazemos parte desse projeto regional e que, sem as lutas do Caribe, continuaremos sempre sem um pedaço do que somos.

Há alguma outra mensagem que você queira dizer hoje?

Acho que temos mais força do que pensamos quando nos ouvimos aqui e quando nos sentimos próximos. Eu acho que, quando os encontros acontecem, voltamos a sentir a capacidade de criação das pessoas. É tempo de criar e imaginar. Não podemos simplesmente voltar ao que já não funcionava antes, nem ficar presos ao que achamos que é melhor. É hora de fundar novos caminhos. Acho que temos que ser mais ousadas e ousados em nossas lutas e imaginar novos caminhos.

Acredito que há uma contribuição teórica fundamental dos movimentos populares para reconstruir o horizonte emancipatório que foi ofuscado. É preciso estudar e ler nossos processos de sistematização para reconhecê-lo. Os processos da Marcha Mundial das Mulheres, por exemplo, são um poderoso esforço teórico para contribuir na reconstrução de um projeto emancipatório. Produzimos mais do que reconhecemos que produzimos. Criamos mais do que sabemos que criamos. Temos que dedicar tempo conversando para reconhecer isso, estudar entre nós e saber que há em nós uma força criativa impressionante, não só política e ética, mas também teórica, que faz muita falta na esquerda latino-americana e caribenha.

Entrevista conduzida por Helena Zelic
Traduzido do espanhol por Aline Lopes Murillo com revisão de Helena Zelic

Artigos Relacionados