“Até que nossos territórios sejam livres”: mulheres do Saara Ocidental em luta permanente

18/02/2021 |

Por Capire

Para o Dia Mundial de Solidariedade à Mulher Saarauí, conversamos com a ativista Chaba Seini Brahim.

Qualquer exploração dos recursos naturais no Saara Ocidental sem o consentimento do povo saarauí é ilegal e é um roubo

O dia 18 de fevereiro é um dia de luta para as mulheres de todo o mundo que estão comprometidas com a luta pela soberania e pelo poder popular. É o Dia Mundial de Solidariedade à Mulher Saarauí.

O povo saarauí resiste a uma violenta ocupação de seu território pelo Marrocos. O Saara Ocidental conquistou a independência da Espanha em 1975 e foi imediatamente submetido ao Marrocos. Desde então, o Marrocos tem mantido uma ocupação violenta do território saarauí. O acordo de cessar-fogo, realizado em 1991 entre o Estado marroquino e a Frente Polisário (acrônimo de Frente Popular para a Libertação de Saguia el-Hamra e Rio do Ouro) não foi suficiente para pôr fim às violações dos direitos humanos e à prisão arbitrária do povo saarauí. E não será possível existir paz enquanto os direitos à terra e à autodeterminação forem negados.

Em novembro, a Frente Polisário declarou guerra ao Marrocos, em resposta à violação marroquina do cessar-fogo, à criminalização das lutadoras e lutadores à militarização da vida. Esta nova realidade de luta acirrada tem resultado em um cotidiano marcado por frequentes e escancarados ataques violentos e crimes de guerra por parte do exército marroquino. As mulheres, responsáveis pela manutenção da vida, alimentação, cuidados e comunidades, enfrentam os desafios impostos pela ocupação de seus territórios. Portanto, elas são grandes lutadoras, responsáveis também pelas estratégias de enfrentamento ao colonialismo e à violência.

Conversamos com Chaba Seini Brahim, integrante da União Nacional das Mulheres Saharauis (UNMS) e da Marcha Mundial das Mulheres. A UNMS foi criada em 1974 com a tarefa de “tornar todas as mulheres conscientes de sua posição na sociedade e de seu papel na independência nacional” e de “orientá-las sobre o papel a ser desempenhado na independente nação saarauí e a preservação das conquistas do processo de libertação nacional”.

Em novembro de 2020, o exército marroquino violou o acordo de paz e o povo saarauí está vivendo uma situação de guerra. Você pode contar como isso aconteceu e qual é o cenário atual?

A suspensão de uma saída pacífica para o conflito no Saara Ocidental por parte da ONU, durante quase 30 anos, foi o que motivou alguns saarauís desesperados a fecharem a passagem ilegal de El Guerguerat¹, no Saara Ocidental, no dia 20 de outubro de 2020. Por este motivo, o exército marroquino partiu no dia 13 de novembro de 2020 para expulsar os manifestantes e, assim, violou o cessar-fogo proposto pela ONU em 1991.

O exército saarauí não esperou uma resposta e no mesmo dia atacou as posições marroquinas ao longo dos mais de 2.720 km do “Muro da Vergonha”, onde estão acantonadas as tropas do exército do Marrocos no território do Saara Ocidental. Desde então, foram realizados mais de 500 ataques às posições do exército marroquino no Saara Ocidental e no sul do Marrocos.

A guerra não cessou nem um dia desde novembro, causando perdas materiais e humanas. Ainda que o Marrocos continue negando essa guerra por questões estratégicas, ela não será interrompida até a libertação total do território saarauí ou até o martírio.

Foto: Muro da Vergonha marroquino (Sahara Press Service)

A ocupação marroquina é patriarcal e muito violenta. Você poderia contar um pouco sobre as ferramentas e instrumentos da ocupação, isto é, como ela se dá no cotidiano? O que muda com essa situação de guerra?

Realmente, as violações de todos os direitos humanos nunca cessaram no Saara Ocidental. Da entrada do Marrocos em 1975 até hoje, a repressão com mão de ferro sempre esteve presente contra as e os cidadãos saarauís e ativistas de direitos humanos. Quando a Frente Polisário declarou guerra, essa repressão se intensificou exponencialmente. A maioria dos nossos ativistas saarauís estão em prisão domiciliar obrigatória, com a polícia na porta de suas casas. A intimidação é tamanha que esses ativistas não podem nem receber visitas ou sair de casa sem serem seguidos pela polícia.

Nós, saarauís, seguimos buscando os mais de 500 desaparecidos desde 1975. Neste momento, temos cerca de 39 presos políticos. A situação é tão grave que estamos pedindo ajuda do Comitê Internacional Cruz Vermelha, por proteção e pela criação de um corredor humanitário, dado que há civis nas zonas de conflito armado.
Lamentavelmente, a resposta global às violações de direitos humanos é muito fraca, no geral. Tanto a Cruz Vermelha Internacional quanto a ONU frustraram as expectativas do povo saarauí em relação à proteção de seus direitos humanos fundamentais. Nós pedimos ao movimento de solidariedade internacional uma maior mobilização para que a Cruz Vermelha visite os presos políticos saarauí no Marrocos e que a MINURSO [Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental] assuma a proteção dos direitos humanos em seu mandato como missão de paz no Saara Ocidental.

Qual é o papel das mulheres na resistência cotidiana e na luta saarauí?

Tanto nos territórios ocupados quanto nos acampamentos de refugiados saarauí, as mulheres nunca ficaram para trás na defesa aguerrida do povo saarauí à independência. 

Dia após dia, as mulheres estão cada vez mais presentes na resistência pacífica do povo saarauí nos territórios ocupados, uma vez que são elas que se manifestam diariamente pedindo o fim da ocupação marroquina, são elas que recebem as pancadas e humilhações do regime marroquino. Ao longo destes cinquenta anos, as mulheres saarauí nunca ficaram para trás e lutam lado a lado com seus irmãos pela liberdade do Saara Ocidental.

As mulheres saarauí são as que mais sofrem com as barbaridades e torturas do país ocupante porque foram elas as que mais protestaram pacificamente contra a presença ilegal do Marrocos aqui. Há vídeos e fotos, muita coisa documentada, para mostrar a brutal repressão que sofrem diariamente.

É inacreditável que este povo pacífico se veja obrigado a pegar em armas para alcançar a paz.

Como você vê o impacto da guerra nos laços sociais e nas comunidades?

Eu estou realmente orgulhosa do meu povo saarauí. Esta segunda guerra de libertação uniu ainda mais o povo saarauí para alcançar seu principal objetivo, que é a independência total.

É incrível ver que, quando as guerras eclodem, as pessoas tendem a fugir e buscar refúgio, mas no caso do Saara Ocidental temos visto cidadãos saarauí que trabalham na Europa retornarem à frente de batalha e se alistarem para lutar pela libertação. É inacreditável que este povo pacífico se veja obrigado a pegar em armas para alcançar a paz.

A guerra nunca traz nada de bom. Destrói as famílias, destrói o tecido social, é uma coisa terrível. Mas o povo saarauí está determinado a fazer este sacrifício para alcançar a paz e a independência.

Como você vê os interesses internacionais, incluindo os das corporações transnacionais, os posicionamentos e ações das Nações Unidas sobre a situação do Saara Ocidental?

O Saara Ocidental não será um território autônomo até a descolonização. Portanto, qualquer presença de empresas internacionais ou acordos com o ocupante marroquino são ilegais de 1975 até hoje. Qualquer exploração dos recursos naturais no Saara Ocidental sem o consentimento do povo saarauí é ilegal e é um roubo. Exigimos dessas empresas que parem de saquear nossos recursos até o fim do conflito, pois o dinheiro dos investimentos no Saara Ocidental vai para os bolsos dos generais marroquinos e do corrupto rei Mohammed VI, que ocupam nosso território ilegalmente.

Exigimos que todas as empresas deixem nosso território imediatamente, especialmente neste atual estado de guerra. Tudo aquilo que está no nosso céu, mar e terra é visado pelo exército saarauí, por isso pedimos que deixem nosso território imediatamente se quiserem proteger seus interesses e suas vidas.

Quais são as exigências do povo saarauí e da Frente Polisário?

As exigências do povo saarauí e da Frente Polisário são a independência total do Estado do Saara Ocidental, o respeito à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o respeito às resoluções das Nações Unidas que propõem um referendo sobre a autodeterminação do povo saarauí.

Você pode falar um pouco sobre o Dia Mundial da Solidariedade à Mulher Saarauí, que faz parte do calendário de ações da Marcha Mundial das Mulheres? Como, a partir dos feminismos populares, podemos fortalecer as lutas das mulheres saarauí internacionalmente?

O Dia Mundial da Solidariedade à Mulher Saarauí é comemorado todos os anos em 18 de fevereiro, e é celebrado de diversas maneiras nas diferentes agrupações da Marcha Mundial das Mulheres. As atividades que realizamos nesta data dão visibilidade ao sofrimento diário das mulheres saarauí para usufruir seu legítimo direito à independência e gozar de sua humanidade com dignidade, sem nenhuma ocupação. São realizadas marchas, protestos sentados, exibição de filmes, palestras e outras ações para celebrar a data em todos os cantos do mundo.

Hoje, mais do que nunca, as mulheres saarauí precisam da mobilização das mulheres de todo o mundo, em uma demonstração de solidariedade à nossa luta pela liberdade e dignidade. Especialmente nestes tempos difíceis de guerra, quando as mulheres saarauí estão se despedindo de seus maridos, filhos e irmãos para ir à frente da libertação. As mulheres saarauí precisam, além da solidariedade, de iniciativas para pressionar os organismos internacionais a cumprirem sua responsabilidade de garantir ao povo do Saara Ocidental seu direito à independência.

É por isso que nossa luta continua. Seguiremos em marcha até que nossos territórios sejam livres.

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¹ El Guerguerat é uma zona limítrofe que divide o Saara Ocidental e o Marrocos, através da qual é realizada a circulação de recursos naturais saarauís espoliados pelo Marrocos. Contra essa violação, os saarauís se manifestaram para bloquear a passagem.

Traduzido do espanhol por Luiza Mançano

Entrevista concedida em espanhol

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