Fatma Al Ghalia é jornalista, escritora e poeta saarauí. Atualmente, ela é presidente da Liga de Jornalistas e Escritores Saarauís na Europa. Vive no País Basco e se considera “uma lutadora pelas liberdades, em especial pela libertação das mulheres”.
Seu poema “Vi mulheres” foi lido durante a atividade de pré-lançamento da 6ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), realizada no dia 18 de fevereiro, Dia de Solidariedade à Mulher Saarauí. O evento contou com a participação de militantes da MMM de diversas regiões do mundo, de lideranças saarauís e militantes de organizações populares aliadas. A luta pela autodeterminação do povo do Saara Ocidental é uma luta anticolonial das feministas no mundo todo.
Com esse poema, denuncio as injustiças cometidas contra as mulheres internacionalmente e busco dar visibilidade às lutas das mulheres e suas resistências por meio da arte moderna e de uma poesia que reflete a capacidade de sobrevivência perante tantas adversidades. As mulheres sempre acabam pagando o preço de um mundo dominado pelo patriarcado.
Vi mulheres
Vi mulheres em corpos de meninas,
que não conhecem sua infância.
Vi mulheres deslocadas com seus
filhos nas costas sem saber a quem recorrer.
Vi mulheres surgirem do nada,
tenazes e perseverantes,
transformando o deserto
em uma bela horta.
Vi mulheres ao amanhecer,
amassando pão e dando de comer,
ao anoitecer esperando
o marido da guerra aparecer.
Vi mulheres parirem à luz de uma vela,
derramando lágrimas para verem
seus bebês nascerem.
Vi mulheres indefesas gritando
desesperadas, buscando paz
nas trincheiras.
Vi mulheres agarradas à sua fé,
esperando pela calma, a calma, a calma
que não chega, teimosa e sonolenta, esperam por ela
com calma e esperança.
Vi mulheres soldados nas guerras com
as mãos manchadas de sangue, matando
inocentes sem piedade.
Vi mulheres ocidentais solidárias,
em pleno deserto sem pedir
nada em troca.
Vi mulheres africanas e latinas
humildes, com riqueza no coração,
sem nada para colocar na boca
conseguiram educar
uma geração.
Vi mulheres ciganas dançado
ao ritmo do flamenco, ao redor
de uma fogueira sem pedir
nada à vida.
Vi mulheres australianas
sem pressa, que deram ao tempo um rosto
e ao espaço uma voz.
Vi mulheres asiáticas arraigadas
aos seus costumes, com um semblante inconfundível
trabalhando lado a lado
sem descanso nem segurança.
Vi mulheres árabes piedosas,
rezando ao pôr do sol, pedindo
misericórdia, sem que ninguém lhes
desse atenção.
Vi mulheres caribenhas doarem
sangue das suas veias para dar vida
à morte em África,
sem esperar uma
ordem familiar.
Vi um arco-íris de mulheres:
pardas, mestiças, pretas, brancas,
loiras… Enraizando-se
pelo mundo todo.
Vi tantas mulheres e ainda não vi
o suficiente, sei que somos diferentes,
mas o fato de sermos mulheres é o que nos une,
geramos vidas à vida,
por tudo isso, não podemos
ser diferentes
às injustiças
nesta vida.