Devaneio: Um Poema de Saïda Menebhi

21/02/2025 |

Khadija Ryadi

Com uma vida de resistências, a militante comunista marroquina escrevia poemas que impulsionavam a luta internacionalista

A mártir Saïda Menebhi, militante comunista marroquina, nasceu em 1952 e começou a se envolver na luta pela União Nacional de Estudantes do Marrocos. Mais tarde, ela se uniu à organização marxista-leninista “Avante” [Ila al-Amam إلى الأمام em árabe], que atuava na clandestinidade em função da natureza ditatorial do regime marroquino. Saïda também se dedicava a uma luta permanente no sindicato de professores e professoras. A mártir também foi poeta e deixou uma série de poemas que refletem seu sonho por uma terra livre onde a dignidade e os direitos prevalecem, e um povo que decide seu próprio destino e controla sua própria riqueza.

Como parte de sua luta política revolucionária, a mártir Saïda Menebhi – ao lado de muitas outras pessoas que militavam na organização – foi sequestrada e detida em um centro de detenção secreto em Casablanca. Ela e outras três militantes da mesma organização foram sequestradas no dia 16 de janeiro de 1976 e levadas para o mesmo centro de detenção, conhecido como “Derb Moulay Cherif”, onde ficaram três meses. Nesse período, elas sofreram as formas mais hediondas de tortura física e psicológica. Depois, foram transferidas para o presídio civil de Casablanca, onde foram, ao lado de outros companheiros, levadas a julgamento.

Saïda Menebhi foi condenada a cinco anos de prisão por “envolvimento em atividades hostis ao Estado” e a dois anos por ter insultado o juiz que conduzia o processo. Durante o julgamento, ela não hesitou em defender suas posições políticas de oposição ao regime que estava no poder. Saïda saiu ilesa de diversas greves de fome, até que ela e outros companheiros começaram uma greve de fome ilimitada no dia 8 de novembro de 1977 para exigir seu reconhecimento como prisioneiros políticos, melhorar as condições de detenção a que estavam sujeitos e interromper seu isolamento.

No 34.o dia de greve, precisamente em 11 de dezembro de 1977, após uma piora no seu quadro de saúde, Saïda foi transferida para o hospital, onde faleceu no auge de sua vida, com apenas 25 anos. A negligência médica deliberada a que ficou sujeita foi um fator que contribuiu para sua morte.

Saïda Menebhi dizia para sua mãe durante as visitas no cárcere: “Apesar de todas as barreiras impostas, estou aqui, mãe, por uma vida digna para o meu povo. Meu estado de ânimo está sempre alto. O futuro pertence às vítimas da opressão de classe e da tirania política. Não tenho medo da opressão. Eu acredito na minha causa, na causa de todas as massas”. O martírio de Saïda levou a uma comoção política no país, obrigando o regime a responder às demandas de prisioneiros políticos em greve de fome, melhorar as condições de detenção e interromper o cerco contra eles.

Devaneio

Sabe, criança
Te escrevi um poema
mas não me dê bronca
porque escrever é essa linguagem
que você ainda não entende
Não é nada, criança
Quando você crescer
vai captar esse sonho
que sonhei no meio do dia
Quando for sua vez, você contará a história dessa mulher
prisioneira árabe
em seu próprio país
Árabe até os cabelos brancos
e os olhos esverdeados
O sonho, criança,
começa
quando vejo um pombo
Pássaros que fazem ninhos
no telhado dos presídios
Sonho em enviar uma mensagem às revolucionárias
da Palestina
para lhes assegurar apoio para a vitória
Sonho em ter asas
como um pardal
para atravessar os céus
até a Eritreia
até Dófar
Os ombros carregados de armas
a cabeça, de poemas
Quero ser passageira
a bordo de nuvens
com meu traje de guerra
combatendo Pinochet
no interior do Chile
para que meu sangue corra
sobre o solo chileno
que Neruda louvou
Ah meu sonho
África vermelha
crianças sem fome
Eu sonho
que a lua
lá em cima vai cair
para derrubar o inimigo
e que a lua vai me deixar
na Palestina ou no Saara
em qualquer lugar
que eu batalhe pela vitória
para todos os povos de luta.

Introdução por Khadija Ryadi
Edição por Helena Zelic e Tica Moreno
Traduzido do inglês por Aline Scátola
Idioma original: inglês

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