Na noite de 17 de março de 2025, as Forças de Defesa de Israel realizaram mais uma série de ataques contra o território palestino, apesar do acordo de cessar-fogo que durou menos de dois meses. Aviões militares israelenses bombardearam diversas áreas no território palestino, desde a Cidade de Gaza, no norte, até Khan Yunis no sul. Segundo dados mais recentes do Ministério da Saúde de Gaza, 591 palestinos, incluindo 200 crianças, foram mortos e 1.042 ficaram feridos no enclave desde que Israel rompeu o cessar-fogo. O ataque se dá apesar dos grupos de resistência palestina estarem realizando sua parte no acordo de cessar-fogo. Em Gaza, mesmo antes desse ataque, Israel já havia retomado o bloqueio à entrada de água, alimentos e outros itens essenciais para os palestinos. Como a Via Campesina declarou em sua resposta ao recente ataque a civis em Gaza durante o Ramadã, “isso é genocídio. É uma tentativa organizada e sistemática de apagar o povo palestino, e o mundo está permitindo que isso aconteça.”
De acordo com depoimento de Amjad Shawwa, diretor da Rede de ONGs Palestinas (PNGO Network), disponível aqui, “atualmente, 75 mil pessoas estão na região norte de Gaza, há dois meses sem acesso a alimentos e a ajuda humanitária. Elas já foram forçadas a se deslocar três ou quatro vezes. Entre as pessoas mortas, 70% são mulheres e crianças. Setenta por cento dos hospitais já não funcionam mais. A crise alimentar está descontrolada: na Faixa de Gaza, havia antes produção de frutas cítricas, como laranja, uva, goiaba e morango. Todas essas plantações foram destruídas e a fome agora domina. Antes do dia 7 de outubro, entre 700 e 800 caminhões atravessavam a fronteira por dia. Hoje, apenas entre 30 e 40 caminhões são autorizados a passar, o que representa apenas 5% das necessidades diárias da região. As ONGs estão fazendo o que podem para ajudar a população.”
Na Cisjordânia, militantes da União de Comitês de Trabalho Agrícola (Union of Agricultural Work Committees — UAWC), ligada ao movimento camponês internacional Via Campesina (LVC), denunciaram a rápida intensificação da violência cometida pelos militares e colonos israelenses. Como explica a nota publicada em 27 de janeiro de 2025: “após o cessar-fogo em Gaza, a ocupação israelense anunciou uma mudança em seu foco militar e nos recursos para a Cisjordânia. Por sua vez, as Forças de Ocupação Israelenses [Israeli Occupying Forces — IOF] declararam ter planos de aumentar o escopo e a intensidade das operações na Cisjordânias e destacar tropas de Gaza, incluindo a “Brigada Nahal”. Esses movimentos sinalizam uma evidente intensificação dos esforços sistêmicos de Israel de ampliar o controle sobre terras palestinas e desmantelar a sociedade palestina”.

Ainda de acordo com essa nota, “o Consórcio de Proteção da Cisjordânia [West Bank Protection Consortium— WBPC] já registrou mais de 2.274 incidentes de violência de colonos, incluindo agressão física, episódios de incêndio criminoso e destruição de propriedade. A escala do roubo de terras na Cisjordânia alcançou proporções históricas, expulsando milhares de palestinas e palestinos, que tiveram seus meios de vida arrancados e sua conexão histórica com a terra decepada no último ano”.
O genocídio palestino em Gaza que se aprofundou desde 7 de outubro de 2023 apresentou a oportunidade para que a ocupação de Israel na Cisjordânia fosse ainda mais devastadora. Em 2024, mais terra foi roubada nessa região do que nos últimos 30 anos juntos, desde o Acordo de Oslo em 1993. Esse aumento de áreas ocupadas se apresenta também na restrição ampla e violenta da movimentação de palestinos entre as cidades da Cisjordânia. “A Comissão de Resistência à Colonização e ao Muro registra 898 obstáculos à movimentação ao longo da Cisjordânia, restringindo o movimento e o acesso a serviços básicos, sobretudo em comunidades da Área C”, explica nota da UAWC. O que essa realidade significa na vida dos palestinos da Cisjordânia foi narrado pelos diários de Fanny Metrat e Morgan Ody, integrantes da Via Campesina que participaram de uma brigada internacional no território em dezembro de 2024.
Uma missão militante

Desde 2023, a escalada dos massacres em Gaza e as intenções abertamente genocidas do governo israelense de extrema-direita levaram a Via Campesina a intensificar seu trabalho de solidariedade com os agricultores palestinos. Assim, a organização de uma visita de delegação à Cisjordânia tornou-se gradualmente um imperativo. Entre 8 e 18 de dezembro de 2024, uma delegação de nove camponeses, todos integrantes da Via Campesina, viajou à Cisjordânia em uma missão de apoio e solidariedade ao povo palestino e às organizações palestinas que integram a LVC, como é o caso da UAWC. As missões de solidariedade são ferramentas importantes para a pressão internacional, e são resultado de esforços coletivos e de organizações populares do mundo. Por exemplo, como contam as militantes em seu blog, a ida de voluntários internacionais para trabalhar nas produções agrícolas palestinas na Cisjordânia, muitas vezes foi o que garantiu que esses lugares não fossem também destruídos e forneceu proteção para os agricultores acessarem suas terras para a colheita.
Fanny e Morgan, da Confederação Camponesa, na França, participaram da delegação e escreveram um diário que apresenta sua experiência em primeira pessoa. Seus depoimentos, indo contra todo o discurso criminalizante e homogeneizante da mídia ocidental, apresentam como de fato estava a vida dos palestinos dessa região durante a ofensiva militar.
Desde o primeiro dia, elas observaram como é a vida das pessoas palestinas sob ocupação institucionalizada. Ao chegarem no aeroporto em Tel Aviv, o membro da UAWC responsável por levá-las até Jerusalém possuía uma placa especial que permitia seu deslocamento entre as cidades. Como explicam, “este é o aspecto fundamental do sistema de apartheid em Israel/Palestina. A placa dos carros de israelenses é amarela, o que dá direito a viajar por Israel, Jerusalém e pela Cisjordânia ocupada. A placa das pessoas palestinas é branca, o que impede a entrada em Israel, em Jerusalém e até em Jerusalém Oriental, que deveria fazer parte dos territórios palestinos. No entanto, tem uma categoria específica de palestinos, que moram em Jerusalém, que têm placa amarela e uma identidade especial. Um sistema kafkiano de estradas permitidas e proibidas, barreiras e inúmeros pontos de controle completam essa estrutura”.
A ocupação e o genocídio afetam direta e brutalmente a disponibilidade de comida em toda a Palestina. De acordo com informações compartilhadas por Morgan e Fanny, o Ministro da Agricultura, Rezeq Salimia, explicou que a Palestina tem o potencial de ser autossuficiente na produção de alimentos, especialmente de vegetais, aves, azeite de oliva e tâmaras. Isso também se aplicaria à pesca, particularmente em Gaza. No entanto, a ocupação permanente, o bloqueio e os ataques repetidos impactaram gravemente o setor, deixando-o inoperante desde 7 de outubro de 2023. A destruição da terra por meio do uso de armamento pesado não só matou pessoas, mas também contaminou o solo, tornando-o infértil e inadequado para o plantio. Além disso, a ameaça constante de ataques aéreos aleatórios, que podem cair em qualquer lugar sem aviso, torna o cultivo da terra quase impossível na Faixa de Gaza.
Na Cisjordânia, praticamente toda a economia local é baseada na agricultura, mas a ampliação dos assentamentos israelenses coloca um desafio cada vez maior para a produção. A situação piorou desde aquele 7 de outubro, com a expansão dos assentamentos, o confisco de terras, o bloqueio de estradas e os ataques aos agricultores por parte dos colonos. Isso levou a uma mudança nas políticas agrícolas para enfrentar a emergência. O ministro afirmou que, sem a ocupação, a Palestina estaria pronta para alcançar a soberania alimentar.

Os diários dos dois primeiros dias de viagem estão traduzidos para inglês e espanhol e publicados no site do 3º Fórum Global Nyélèni. Os demais dias foram compartilhados no site da LVC. Seus depoimentos diários falam sobre as cidades visitadas na Cisjordânia e as pessoas que conheceram pelo caminho, uma história de ocupação. Como explicam no diário sobre o terceiro dia “Os vilarejos palestinos estão instalados em vales, cercados de campos de oliveiras e por árvores de outras espécies, próximos de cursos d’água. O topo das colinas é bastante inóspito. Mas é ali que os colonos israelenses se instalam, por conta de evidentes razões estratégicas. Lá de cima, eles dominam, tanto no sentido literal como no figurado”.
Diante de mais uma fase da violência de Israel, que continua a matar palestinos, é fundamental a resistência local e o movimento de solidariedade internacional e de denúncia ao Estado de Israel e seu líder Benjamin Netanyahu. Nesse sentido, a UAWC defende que os “Estados devem cumprir com suas obrigações legais, conforme determinado por decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e a Assembleia Geral das Nações Unidas, segundo a qual Israel deve encerrar a ocupação da Cisjordânia. […] O custo da inação é medido em vidas perdidas, comunidades destruídas e uma crise humanitária cada vez mais profunda”.
