Tirar Bolsonaro do governo é a tarefa do feminismo no Brasil

05/03/2021 |

Por Maria Fernanda Marcelino

Leia o artigo de Maria Fernanda Marcelino, da Marcha Mundial das Mulheres do Brasil, sobre a campanha "Fora Bolsonaro".

Foto/Photo: Elaine Campos

Há apenas um caminho para estancar a morte, a fome e o desemprego que nos assombra e é realidade de milhares de lares brasileiros: o impeachment imediato de Bolsonaro e de todo seu governo militarizado e corrupto.

Hoje, no Brasil, as mulheres vêm enfrentando o avanço do neoliberalismo predatório, do imperialismo, de um Estado antidemocrático, de políticas de morte e extermínio do povo, que se aprofundaram com a pandemia do coronavírus.

Em 2016, as mulheres foram as primeiras a se levantar para denunciar o golpe contra a primeira presidenta eleita do país, Dilma Rousseff. Um golpe político, jurídico e midiático, carregado da crescente ofensiva da direita conservadora e neoliberal na América Latina e carregado também de violência patriarcal contra a democracia brasileira e contra uma mulher eleita com 54 milhões de votos.

O golpe dado por Michel Temer e todos os setores da direita levantou uma “ponte para o passado”¹, desfazendo conquistas importantes para a vida do povo e para a democracia. Também abriu caminho para uma eleição baseada na mentira, na desinformação, na criminalização de Lula e de outras lideranças populares e no conluio organizado pelos ricos desse país – e também de fora -, que colocou no poder o que há de pior no Brasil. Bolsonaro é sinônimo do machismo, do racismo, do autoritarismo e da subserviência ao capital internacional.

Agora, sentimos na pele os resultados: Bolsonaro atua para disseminar um vírus mortal entre a população que hoje está desamparada, contando apenas com a própria sorte e com um sistema de saúde público fragilizado. Sua ação de desestruturação do Estado nas áreas da saúde e assistência jogam milhares de pessoas para a miséria e o desemprego, especialmente as mulheres e população negra que já viviam na informalidade e subempregos, e há uma escalada da violência e do feminicídio.

A violência contra as mulheres é estrutural, autorizada e naturalizada diariamente na nossa sociedade. Os assédios e abusos físicos e psicológicos, a violência doméstica, o feminicídio e a cultura do estupro tornam a vida mais perigosa para as mulheres. Há uma autorização “velada” para matar as mulheres, a juventude negra e pobre, os povos tradicionais, pessoas LGBTQI+. Em 2019, 75% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras. A Polícia Militar é racista e muito brutal – nos últimos meses, chegou a tirar a vida de crianças na porta de suas casas. A esse contexto violento se somam as garantias de acesso fácil a armas e o fim de políticas de prevenção e combate a violência sexista.

Em 2021, em um contexto de pandemia que impõe restrições às mobilizações de rua, as mulheres não estarão em silêncio e nem desconectadas. Há um exército delas atuando para unificar e construir forças para derrubar Bolsonaro. Uma amostra disso são as ações construídas nacionalmente para o dia 8 de março, que conectam mulheres do campo, cidade, águas e florestas. As ações de solidariedade se conectam à exigência do auxílio emergencial² e da vacinação para toda a população. Esse é o cotidiano das mulheres que sustentam, ao mesmo tempo, a luta e a sobrevivência. 

Por que dizemos “Fora Bolsonaro”?
Bolsonaro é o responsável por esse fundo do poço em que nos encontramos: sem saúde, sem segurança, sem direitos, sem dignidade. Bolsonaro faz tudo isso com amplo apoio de setores políticos e econômicos reacionários e de fundamentalistas religiosos, além das bancadas ligadas a militares e latifundiários. Os militares ocupam cargos centrais no governo. O programa político do governo de Bolsonaro é neoliberal, conservador e autoritário. Avançam sobre nosso trabalho, nossa terra, nossos corpos. Os mesmos que cortam os direitos das e dos trabalhadores são os que tentam dificultar e impedir até que meninas e mulheres recorram ao aborto nos casos previstos em lei.³

Bolsonaro tem atuado para desmontar o Estado e as instituições públicas de saúde, educação, assistência, bem como nas empresas públicas e bens comuns, como temos visto com a Eletrobrás, Petrobrás, os Correios. Essa é uma política sistemática desde a aprovação da Emenda Constitucional 55 (a PEC do Teto de Gastos, também conhecida como PEC da Morte), que foi votada e aprovada por partidos de direita em 2016. A destruição da natureza alcança patamares inéditos no país. Mesmo com todos os ataques, as e os trabalhadores de nosso Sistema Único de Saúde (SUS) se empenham para salvar vidas, e pesquisadoras e pesquisadores das universidades e institutos públicos batalham para fazer avançar tratamentos, medicação e vacinação para crianças e adultos.

Por todo esse histórico de ataques dos últimos anos, não confiamos ou aceitamos tentativas de diferenciação de alguns setores da direita, que se mascaram como “a direita do bem”. Todos eles são responsáveis pelo caos que estamos vivendo, pois priorizam uma economia centrada no lucro e colaboram com a privatização, a precarização da vida e os cortes de direitos para um trabalho digno e sem riscos. Por isso, nossa saída é à esquerda: só com organização popular, feminista e antirracista intensa, poderemos tirar a direita do poder e reorganizar a economia, colocando a vida no centro das preocupações e das políticas.

As mulheres exigem vacina para todas as pessoas e manutenção do auxílio emergencial
Como estamos vendo em todo o mundo, as mulheres são as que mais sofrem os impactos provocados pela pandemia, pois são as que garantem a sustentabilidade da vida. Não paramos um segundo durante a pandemia, assumindo tarefas domésticas e de cuidado redobradas. São mulheres, sobretudo negras e pobres, a maioria das profissionais da linha de frente do enfrentamento à covid-19, seja na saúde ou nos serviços.

Estamos falando de mais de 250 mil óbitos em um país! Não é falta de informação ou planejamento, é um plano de extermínio da população pobre, indígena, quilombola e outros povos tradicionais que vivem em terras que ele deseja entregar para mineradoras, madeireiras, latifundiários.

O governo Bolsonaro, na figura de seu ministro do Meio Ambiente, disse com todas as letras que seu plano nesse contexto de pandemia é “passar a boiada”. Trata-se de um governo que desmonta todas as políticas de incentivo à agroecologia e à soberania alimentar, privilegiando o latifúndio, o plantio de transgênicos, o uso liberado de venenos em larga escala, o desmatamento dos nossos biomas, a privatização e financeirização da nossa natureza, a poluição de nossas águas com lama e substâncias tóxicas.

Além disso, as medidas organizadas pelo governo federal para o trabalho e a segurança da população foram de muito risco, pois seguiram a ideia de que “a economia não pode parar”: flexibilização de direitos, serviços não essenciais funcionando sem limitações, trabalho informal e desemprego cada vez maiores. No primeiro trimestre de 2020, 52,1% das mulheres negras e 43,8% das mulheres brancas ocupadas estavam em trabalhos informais e precarizados.4 Paradoxalmente, as pessoas se veem obrigadas a sair de casa e arriscar suas vidas para garantir sua sobrevivência. Durante entrevistas para a imprensa sobre medidas para conter a pandemia, Bolsonaro proferiu frases como: “e daí?”, “eu não sou coveiro”, “não faço milagre”.

Há apenas um caminho para estancar a morte, a fome e o desemprego que nos assombra e é realidade de milhares de lares brasileiros: o impeachment imediato de Bolsonaro e de todo seu governo militarizado e corrupto.

Seguiremos em marcha no Brasil e no mundo
Em todo o mundo as mulheres seguem lutando e criando condições práticas para que a vida exista. Há inúmeros exemplos inspiradores: hortas comunitárias, restaurantes coletivos, campanhas de solidariedade e denúncia, ações simbólicas, entre tantas que ainda carecem de visibilidade.

Estamos em marcha até que não exista mais fome e que a vida possa ser vivida sem violência, com direito de decidir sobre nosso próprio corpo. No Brasil, precisamos tirar Bolsonaro para poder construir alternativas de vida, recuperar a democracia, colocar o cuidado e a vida digna no centro da política. Em diversas partes do mundo, precisamos de luta feminista, anticapitalista e antirracista contundente para interromper a escalada do neoliberalismo e seu programa de morte. A força e o protagonismo do movimento de mulheres posiciona o feminismo como uma perspectiva essencial na construção de uma nova sociedade.


¹ “Ponte para o passado” é uma referência ao nome do plano de governo do golpista Michel Temer, que substituiu Dilma em 2016. Seu plano “Ponte para o futuro” tinha um caráter neoliberal e representava uma ruptura com o projeto político que foi vitorioso nas urnas.  

² Foi a mobilização popular que garantiu a criação de um auxílio emergencial de R$600 em meados de 2020. O governo Bolsonaro agiu para reduzir o auxílio para R$300 (cerca de ⅓ de um salário mínimo) e, em seguida, para cortá-lo integralmente.

³  A portaria nº 2.282, que cria barreiras para o procedimento abortivo, atenta contra os direitos humanos. Enquanto retrocessos como esse tomam lugar no Brasil, nossas hermanas argentinas mostraram que, com muita mobilização e organização feminista, é possível avançar na construção da igualdade e da autonomia. No fim de dezembro de 2020, a Argentina legalizou o aborto até a 14ª semana, uma vitória para todas as mulheres da América Latina.

4 O dado foi retirado do texto “O trabalho e as mulheres em tempos de neoliberalismo e crise”, de Marilane Teixeira, disponível no caderno Neoliberalismo, trabalho e democracia.


Maria Fernanda Marcelino é historiadora, militante da Marcha Mundial das Mulheres e integrante da SOF Sempreviva Organização Feminista. Esta é uma versão do texto publicado na Coluna Sempreviva, no Brasil de Fato, no dia 02 de março de 2021.

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