A política interna do governo Trump nos Estados Unidos tem sido de terror, ódio e perseguição a comunidades migrantes de várias regiões. Em pouco mais de seis meses de governo, inúmeros casos de violência, violação de direitos, deportações forçadas, ameaças à vida e aumento intensivo da militarização tomam conta das notícias a todo momento. A Polícia de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, sigla em inglês), com amplo incentivo e recursos do governo, tem detido migrantes sem status legal e levado pessoas inocentes para centros de detenção que se assemelham a campos de concentração.
As manifestações contra essa política de retrocesso vão de norte a sul no país, como foi a caminhada de três dias realizada do norte da Califórnia até a capital do estado, Sacramento, no qual militantes exigiam uma reforma migratória no país. A ação fez parte de uma mobilização ampla de movimentos populares contra as violentas batidas policiais que se tornaram norma em comunidades migrantes. O texto disponível abaixo, escrito por Yaquelin López, militante migrante vivendo nos EUA, dá um panorama desse contexto.

Hoje nos encontramos em um momento de extrema preocupação e, ao mesmo tempo, de profunda responsabilidade histórica. Sete meses se passaram desde que Donald Trump voltou a assumir a presidência dos Estados Unidos. O que muitas vozes alertaram veementemente e outras tentaram minimizar tornou-se uma realidade dura e dolorosa: o país vive sob um regime que declarou guerra às nossas comunidades migrantes. Este governo reocupou o aparato estatal para promover o medo como política, a militarização como ferramenta cotidiana e a violência institucional como norma.
Dizemos com todas as letras: uma perseguição sistemática está sendo orquestrada contra mulheres, pessoas sem documentos, famílias trabalhadoras e comunidades LGBTQ+, muitas das quais escaparam de violências estruturais em seus países de origem e agora encontram novas formas de opressão em um país que prometia liberdade.
Nos últimos meses, a violência do Estado se traduziu em leis mais cruéis, mais amplas e implacáveis. Programas de deportação rápida foram reativados, mesmo em comunidades com décadas de residência. Espaços civis foram militarizados: hospitais, escolas e rodoviárias foram transformados em pontos de vigilância e prisão. Os ataques da mídia se intensificaram, apresentando-nos como uma ameaça, um fardo, um inimigo interno.
Políticas de criminalização da vida
O estado da Flórida, em particular, tem sido um dos primeiros e mais agressivos laboratórios dessa máquina de exclusão. A aprovação e a aplicação generalizada de leis como a SB 1718 não apenas criminaliza quem migra, mas também quem acompanha, oferece apoio jurídico ou simplesmente se recusa a ficar de braços cruzados diante da injustiça. Hoje, na Flórida, dar carona a uma mulher sem documentos pode ser considerado crime. Um médico pode se recusar a atender uma pessoa sem documentos. Uma criança pode viver com medo de que, ao sair da escola, sua mãe tenha desaparecido.
Tudo isso acontece em meio ao silêncio, à indiferença institucional, ao retrocesso dos direitos civis e ao endurecimento do discurso público.
Uma política de terror está se normalizando. O medo está sendo semeado como estratégia de governo. Querem que paremos de falar, nos organizar e sonhar.
Mas, em meio a esse contexto sombrio, nós, mulheres migrantes, mães, trabalhadoras, ativistas e líderes comunitárias, não desistimos. Recusamos permanecer em silêncio ou recuar, porque o medo não pode ser mais forte que a nossa dignidade. A organização continua sendo — como sempre foi — nossa principal defesa, nosso escudo coletivo, nossa trincheira de esperança.
Não apenas resistimos, mas também construímos. Tecemos redes de apoio quando o Estado nos persegue. Cuidamos umas das outras quando a lei quer nos castigar. Educamos, curamos, alimentamos, lutamos. Acima de tudo, continuamos a sonhar com um mundo onde a migração não seja um crime, onde viver não dependa de status legal e onde a vida, a liberdade e a justiça não tenham fronteiras.
As migrações atuais, especialmente as de mulheres e pessoas de identidades diversas, geralmente não são decisões livres ou voluntárias. Na maioria dos casos, elas são forçadas a deixar seus países devido a situações muito difíceis e interligadas, como a pobreza extrema, a violência contra as mulheres, a apropriação de recursos naturais, as mudanças climáticas, a escassez de alimentos e presença do crime organizado. Essas razões mostram que a migração não é uma jornada simples, mas uma consequência de profundas desigualdades que levam muitas pessoas a buscarem uma vida melhor fora de sua terra natal.
A partir de uma perspectiva feminista, reconhecemos que a migração é feminizada, não apenas porque há mais mulheres migrantes do que nas décadas anteriores, mas também porque as condições daquelas que migram são marcadas pela superexposição a abusos, pela precariedade e pela falta de proteção. São mulheres que migram sozinhas com seus filhos, mulheres vítimas de tráfico de pessoas, mulheres que fogem de violências de gênero não reconhecidas como motivo de refúgio, mulheres trabalhadoras domésticas e do cuidado, trabalhadoras agrícolas sem documentos, mulheres que sustentam economias sem direitos nem proteção.
A migração não começa na fronteira; começa com a violência do extrativismo, da desapropriação e dos acordos de livre comércio. A cumplicidade dos Estados Unidos na manutenção de modelos econômicos que empobrecem nossos países faz parte do ciclo migratório.
Sob o governo Trump, esse processo é exacerbado pelo uso do aparato estatal como instrumento de perseguição e controle. A migração se torna uma arena de disputa política, onde discursos racistas, misóginos e anti-imigrantes se consolidam, não apenas criminalizando a movimentação de pessoas, mas também negando sua condição humana e seu direito a uma vida digna.
O governo Trump representa a institucionalização do ódio: reviveu a política do medo, usando a migração como bode expiatório para justificar cortes nos investimentos sociais, repressão e controle.
A sobrevivência foi criminalizada. Cruzar uma fronteira por fome é tratado com mais severidade do que cometer fraude corporativa multimilionária.
Encontramo-nos em um momento crítico na história recente dos direitos humanos nos Estados Unidos. Sob a atual administração, a erosão sistemática do arcabouço legal e ético que protege as pessoas migrantes se intensificou, afetando particularmente mulheres, pessoas trans, lésbicas, homens gays e outras identidades de sexo-gênero não normativas.
As mulheres migrantes enfrentam múltiplas barreiras para exercer direitos fundamentais: o direito à saúde é violado por políticas que impedem o acesso a serviços básicos a quem não tem documentos; o direito de viver uma vida livre de violência fica obstaculizado quando sobreviventes de violência doméstica ou sexual têm medo de denunciar por medo de serem deportadas; o direito ao trabalho em condições dignas é inexistente para muitas trabalhadoras sem documentos, expostas à exploração, sem possibilidade de organização sindical nem proteção legal.
No caso das pessoas migrantes LGBTQ+, a situação é ainda mais alarmante. Muitas fogem de seus países de origem devido a perseguições relacionadas à sua orientação sexual ou identidade de gênero. No entanto, ao chegar aos Estados Unidos, enfrentam um sistema que não reconhece nem garante seus direitos específicos. Pessoas trans são colocadas em centros de detenção que não respeitam sua identidade de gênero, onde são vítimas de violência institucional e abuso sexual. Pedidos de asilo com base em orientação sexual são rejeitados ou recusados com base em preconceitos culturais e religiosos.
O discurso oficial eliminou toda a sensibilidade em relação a essas populações. A criminalização das pessoas migrantes se cruza com o ódio às dissidências sexuais, dando origem a uma política de extermínio simbólico e, muitas vezes, real, que precisa ser denunciada e confrontada urgentemente.
Mesmo que tentem nos dividir, silenciar e destruir, continuamos apostando pela vida, pela comunidade e pela justiça. Em cada ato de solidariedade, em cada rede que tecemos, em cada voz que levantamos, estamos dizendo claramente que não desistiremos. E que, acima do medo e da repressão, sempre escolheremos o caminho do amor, da dignidade e da esperança compartilhada. O amor é mais forte que o ódio.
Yaquelin López mora nos Estados Unidos e faz parte da organização Women Working Together. Este texto é uma versão editada de sua apresentação no fórum virtual “Crise migratória: visões feministas das Américas. Como a migração impacta os corpos e as vidas das mulheres?”, realizado em 24 de maio de 2025.