Estratégias das mulheres filipinas contra violência, assassinatos e despejos 

08/09/2021 |

Por Jean Enriquez

Leia e ouça a contribuição de Jean Enriquez durante o webinário “Lutas feministas para derrubar o autoritarismo”.

Manila, 08/03/2020 (Maria Tan / AFP)

Movimentos sociais vêm se reunindo para discutir o contexto das lutas feministas contra o autoritarismo nas Filipinas e também nossas estratégias para combater a manutenção da dinastia Duterte nas próximas eleições. A filha de Rodrigo Duterte, Sara Duterte-Carpio, está na disputa presidencial agora, o que representa um perigo para nós, feministas, porque provavelmente ela será apresentada como uma candidata progressista.

Precisamos nos lembrar do contexto atual que as mulheres e os diversos setores básicos ocupados por elas enfrentam. Já sabemos que a gestão Duterte violou os direitos das mulheres não somente por meio de declarações, mas também pela implantação de políticas de opressão contra agricultoras, trabalhadoras, pessoas pobres que vivem nas cidades e povos indígenas, além de outros setores marginalizados. A administração de Duterte institucionalizou um governo patriarcal, autocrático, militarista, negligente e criminoso sem responsabilidade com o povo. A polícia continua matando, e as mulheres são o  alvo principal, também como objetos sexuais e mercadorias.

Em nossa organização, temos casos de mulheres que foram estupradas pela polícia. As mulheres são exploradas sexualmente em troca da permissão de atravessar os bloqueios do lockdown na tentativa de obter sustento durante a pandemia. Antes de poder atravessar os bloqueios, elas são estupradas pela polícia. Além disso, existem os agravantes dos assassinatos extrajudiciais, que são outra forma de violência contra as mulheres. A guerra de Duterte contra as drogas mobilizou a polícia nas comunidades urbanas pobres, e mais de 20 mil pessoas foram mortas. A incompetência de Duterte na gestão da saúde também aumentou o ônus desse serviço  para as mulheres, expondo-as a maiores riscos.

Existem leis que dão suporte ao despejo forçado e à demolição de comunidades pobres. Desde março de 2020, no auge da pandemia, a demolição de casas vem afligindo as comunidades. Cento e vinte famílias foram removidas à força de Pasay em março. Em julho do mesmo ano, em outra província chamada Laguna, 300 famílias tiveram suas casas demolidas. Em setembro, 800 famílias foram despejadas para abrir espaço para projetos do governo municipal.

Além disso, as comunidades indígenas são vítimas da repressão, do abuso e da violência gerados pela guerra militarizada contra as drogas, pela guerra contra a pandemia e contra a pobreza. Duterte chama sua política agressiva de construção de infraestrutura de “Construir, Construir, Construir”, um caminho de crescimento econômico que viola os direitos dos povos indígenas. As leis implementadas por esse governo efetivamente molestaram e assassinaram líderes indígenas que decidiram resistir contra as ofensivas do desenvolvimento representado pela mineração, o latifúndio monocultor, as represas, projetos de geração de energia, conversão de terras, entre outros.

Os povos indígenas são atacados como terroristas, o que inibe a resistência, principalmente nas zonas rurais. A Aliança dos Povos da Cordilheira [Cordillera Peoples Alliance – CPA] registrou o assassinato extrajudicial de 76 líderes indígenas. A comissão governamental dos povos indígenas fracassou em cumprir seu mandato e representar os interesses dos povos indígenas, particularmente no que diz respeito à região de Cordilheira, aos arquipélagos e à religião muçulmana. A mesma comissão se transformou em porta-voz do governo de Duterte contra os povos indígenas.

As mulheres jovens enfrentam desafios específicos. As aulas online e a necessidade de emprego diante da fome forçaram as pessoas jovens a deixarem suas comunidades e virarem vítimas do tráfico de pessoas. Enquanto isso, as mulheres, ainda desempenhando o papel estereotipado de cuidar da família e da comunidade, enfrentam problemas de saúde e restrições geradas por projetos extrativistas destrutivos e pela pandemia.

A classe trabalhadora sofre com o clima de impunidade. Os assassinatos e a criminalização de sindicalistas, tachados de terroristas, e outras formas de repressão contra os sindicatos tornam ilusória qualquer afirmação de que há liberdade de associação nas Filipinas. Não é de surpreender que o país tenha sido considerado um dos 10 piores para a classe trabalhadora, de acordo com o Índice Global de Direitos [Global Rights Index], relatório anual da Confederação Sindical Internacional [International Trade Union Confederation – ITUC]. O regime Duterte não cumpriu a promessa que fez à classe trabalhadora de acabar com o regime de contratação temporária[1].

As condições de trabalho ficam mais brutais quando os empregadores têm permissão para repassar aos trabalhadores e trabalhadoras os riscos antes assumidos por eles, o que inclui desde o fornecimento de equipamentos para a realização da atividade profissional até a cobertura de seguridade social. Assim como outros setores, a população trabalhadora foi abandonada à própria sorte durante a pandemia. E essa dificuldade é ainda maior para migrantes (chamados OFS – Overseas Filipino Workers, que significa “Trabalhadores/as Filipinos/as no Exterior”), para quem o governo não oferece alternativas. Essas pessoas foram forçadas a sair dos países onde viviam e voltar para seu país natal.

Problemas semelhantes desafiam agricultoras e agricultores, que são rotulados como terroristas e veem suas terras serem convertidas e tomadas. O país tem sido inundado pela importação de arroz e outros produtos alimentícios por conta de acordos internacionais assinados conforme a Organização Mundial do Comércio, o que vem causando graves prejuízos a produtores locais de alimentos, na maioria mulheres.

Estamos discutindo estratégias na mídia há algum tempo, em vista das campanhas eleitorais que estão acontecendo nas Filipinas. Num primeiro momento, nossas demandas são: subsídios econômicos adequados, especialmente para as pessoas mais marginalizadas, como sobreviventes da violência de gênero, pessoas com deficiências, pessoas LGBT, indígenas, muçulmanas e outras; a consideração das necessidades de saúde específicas das mulheres, como a saúde sexual e reprodutiva; a responsabilização do presidente Duterte e de seu governo pelas violações dos direitos humanos; e a garantia de programas abrangentes voltados para vítimas sobreviventes da violência, incluindo programas econômicos.

Também exigimos a anulação da lei de combate ao terrorismo promulgada no ano passado e que coloca em risco as defensoras dos direitos humanos. Queremos garantir que as leis que protegem os direitos das mulheres e pelas quais lutamos funcionem para as mulheres e ofereçam suporte ao emprego e ao sustento adequado durante a pandemia. Para as comunidades indígenas, queremos um governo que reconheça a autodeterminação e um desenvolvimento adequado às necessidades das pessoas e não de corporações,  e que se preocupe com a natureza e com o meio ambiente.

Queremos um governo que adote uma política humana, equitativa e inclusiva de proteção social para garantir uma vida digna às comunidades indígenas e a todas as pessoas que vivem nela, incluindo mulheres e jovens. Devem existir formas de apoio à educação, à saúde e à subsistência, pois, sem isso, a capacidade de contribuição dos povos indígenas fica afetada ou enfraquecida.

Existe pressão para que se promovam mudanças na legislação e para a proteção do direito trabalhista à auto-organização. Precisamos lutar para acabar com todas as formas de discriminação, assédio sexual e estupro contra as trabalhadoras. Queremos acabar com todas as formas de contratação temporária e garantir que os órgãos legislativos do nosso país forneçam auxílio adequado a trabalhadoras e trabalhadores formais e informais.

Os sistemas neoliberais, na sociedade, acentuaram o desespero e a insatisfação entre as pessoas. As forças da extrema direita se aproveitaram dessa insatisfação e se apropriaram da linguagem dos movimentos progressistas, trazendo governos populistas que se apresentam como alternativas. O capitalismo corporativo se beneficiou dos assassinatos e da repressão intensa contra a resistência dos movimentos sociais. A China está se fortalecendo por meio de suas contribuições indiretas para a administração de Duterte. Os capitalistas sediados na China e nas Filipinas vão continuar financiando a próxima campanha eleitoral de Duterte, financiamento esse que inclui fazendas de trolls que também vêm inibindo a atuação política da juventude.

Mesmo sob a gestão Biden, os Estados Unidos estão consolidando relações com Duterte ao negociarem a suspensão da rescisão do acordo militar para as forças visitantes nas Filipinas. Estamos resistindo e movendo ações contra o governo de Duterte. Vencemos na Comissão de Direitos Humanos, mas, como sabemos, o presidente tem imunidade. Seguimos ajuizando ações perante o Tribunal Penal Internacional. Nossas demandas referem-se não apenas aos assassinatos, mas também ao estupro de mulheres pelas forças do Estado com a autorização de Duterte.

Prosseguimos com a reconstrução da solidariedade nas comunidades. As mulheres estão organizando bancos comunitários de produtos orgânicos e estão distribuindo alimentos às pessoas. Junto às viúvas e órfãos de assassinatos extrajudiciais, nós conduzimos o projeto Tit for Tat [expressão em inglês que diz respeito à compensação] para apoiar a comunicação. Estamos investindo contra cada violação cometida por Duterte e seus líderes. Também seguimos expandindo nossas alianças entre grupos de mulheres e estamos indo para as ruas para declarar a resistência das mulheres!


[1] No original, contractualization. Nas Filipinas, para contornar as leis trabalhistas e o pagamento de direitos garantidos em contratos regulares, como plano de saúde e licença remunerada, as empresas adotam a estratégia de contratar trabalhadores em regime temporário de seis meses, encerrar o contrato antes (em geral, após cinco meses) e recontratá-los novamente como temporários, sem limitação ao número de recontratações.


Jean Enriquez integra a Marcha Mundial das Mulheres nas Filipinas e coordena a Coalização Contra o Tráfico de Mulheres [The Coalition Against Trafficking in Women].

Edição por Bianca Pessoa e Tica Moreno
Traduzido do inglês por Rosana Felício dos Santos
Idioma original: inglês

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